Universos paralelos

Estava pelas ruas de Ottawa, capital do Canadá, que tem uma arquitetura primorosa e um clima delicioso para os que convivem bem com algo bastante abaixo de zero no inverno. Atravessei a rua meio aéreo, processando as novas informações. É que quando levo os olhos para passear por aí sempre fico meio catatônico, e um canadense, percebendo minha situação no momento exato em que nos cruzamos em sentidos opostos, me fitou nos olhos e disparou um “você está bem?”, preocupado. Foi como se eu tivesse voltado de um transe e o déjà vi foi instantâneo.

Eu já havia sentido isso em outras ocasiões e sei que não é novidade nenhuma, pois muita gente passa pela situação de se transportar sem sair do lugar, para retornar no instante seguinte como se estivesse vivido uma eternidade por lá. As andanças por lugares que não conheço estimulam muito esse vai-e-vem, mas gosto mesmo quando o cotidiano me proporciona isso.

Quando a vida era totalmente off-line, os shows de música, exposições de arte, a literatura, os espetáculos de dança e teatro, os rituais da cozinha quando se tem raízes italianas e uma série de outras situações foram me ensinando a sentir e perfilar dimensões distintas num mesmo contexto de espaço e tempo físicos. Assistir Stanley Jordan tocando, com apenas suas únicas 2 mãos, piano e guitarra ao mesmo tempo, confesso, é de outro mundo. Estar diante de obras de arte feitas a mais de 500 anos atrás, idem. Nas artes gráficas não me sai da cabeça uma história de Moebius, quadrinista genial que produziu arte e texto de Garagem Hermética, onde um mesmo personagem atravessa portais durante toda a saga, trazendo uma dinâmica alucinante de revezamento de realidades. E eu poderia ficar aqui elencando diversas situações que me levaram para outros mundos reais.

Mas o ficcional século 21 nos trouxe a virtualidade inescapável e passei a ter mais uma plataforma de lançamento. À medida que navego e exploro as possibilidades da matriz inesgotável, a cada click sinto aquele frio na barriga que antes só sentia na montanha russa, pois a vertigem que antecede a queda para a outra dimensão é a mesma.

A quantidade de informações e conhecimento espalhados pela internet não é pouca coisa, e a forma com que se procura, as referências e curiosidades que se tem e onde se quer chegar é que te levam para cada local. Os algoritmos que acompanham o rastro de cada um no ato de navegar, e te oferecem respostas baseadas numa suposição daquilo que você gostaria de receber, são os novos atendentes da mercearia da esquina, que sempre acharam que você queria comprar aquele mamão, mas o que chamava a sua atenção era a cor e a arrumação deles na gondola da entrada da loja, e não uma vontade real de consumi-lo.

Equívocos acontecem tanto nas interações presenciais quanto nas virtuais, mas o acesso pontual irrestrito a qualquer coisa me preocupa, pois uma definição sem contexto, pinçada numa pesquisa fugaz, pode levar as pessoas a concluir grandes asneiras. Porém, quando chego ao final desta crônica, exatas 14 horas após o primeiro contato com o editor-chefe, percebo tudo que não poderia fazer na época da ditadura da materialidade, que nos restringia contatos tão sinceros e propósitos tão alinhados. Viva a consciência nas relações humanas, independente da forma com que elas acontecem!



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