Marina é a melhor combinação possível de liberalismo econômico e compromisso social
Em maio de 2014, já irritado com o Fla-Flu entre PT e PSDB que tenta coibir qualquer crítica às práticas políticas no Brasil, eu havia avisado em meu blog pessoal que votaria nulo. À época, a única exceção que poderia abrir era um eventual voto útil contra a continuidade do PSDB ao governo de São Paulo, um partido que está no poder há 20 anos e com problemas na gestão da educação pública, transporte público e até na distribuição de água.
Com o trágico acidente que levou Eduardo Campos, a opção Marina surgiu e me levou a repensar minha opção pelo voto nulo. Claro que o desafio maior é defender sua candidatura. Desde 13 de agosto, o cenário eleitoral brasileiro está tão confuso e instável que todos os dias surgem argumentos contrários e favoráveis à candidatura de Marina.
Para construir uma linha de argumentação válida até 5 de outubro, ater-me-ei ao que é mais permanente nesta candidatura. Desta forma, buscarei afastar-me das conjunturas de momento – embora seja necessário também refutar algumas críticas recorrentes.
Comecemos pelos pontos fortes. Primeiro de tudo, a história pessoal de Marina. Nascida na floresta Amazônica, filha de nordestinos que emigraram para fazer a vida no seringal, aprendeu a ler aos 16 anos, e aos 26 estava graduada em História pela Universidade Federal do Acre. Surgiu para a política no seio da luta dos seringueiros, liderados por Chico Mendes. Em um país que coloca na Constituição, como objetivo da República (artigo 3º), “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, é importante que pessoas como Marina, Lula, Joaquim Barbosa estejam à frente das instituições do Estado.
Ainda na história de Marina, é importante destacar seu papel dentro do PT. Dentre as diversas correntes do partido, estava próxima à Democracia Radical, a qual, diferente de todas as outras, defendia uma postura abertamente social-democrata e pró-mercado. No Congresso do PT de 1999, foi signatária da tese “Por uma Democracia Republicana”, que defendia o estado de bem-estar social e o liberalismo político como estratégias para o partido (infelizmente não há mais versões integrais desta tese na internet).
Por isso, chamá-la de extremista por suas posições ambientais é não só injusto, mas incorreto do ponto de vista de seu histórico. Marina é, e não de agora, a melhor combinação possível de liberalismo econômico e compromisso social que esta eleição tem para oferecer. A coerência com sua história pessoal é que abre portas tanto para os jovens das jornadas de junho de 2013 quanto para Eduardo Gianetti da Fonseca e Neca Setúbal.
No Ministério do Meio Ambiente, é dela a reestruturação do Ibama, que se tornou focado em licenciamento ambiental, enquanto a gestão das áreas de preservação ficou a cargo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio). Com isso, tornou mais eficiente a gestão das unidades de conservação do Brasil.
A postura de Marina Silva diante das manifestações de junho de 2013 é algo a ser destacado. Diferentemente de outras lideranças, que tentaram surfar a onda das passeatas e acabaram expulsas sob os gritos de “sem partido!”, ela, que estava construindo a Rede Sustentabilidade e poderia muito bem captar assinaturas entre os manifestantes, preferiu o caminho oposto: orientou seus apoiadores a não fazê-lo. Assim, demonstrou entender melhor que os outros o espírito de questionamento à política tradicional que estava nas ruas. Não à toa, ela tem sido a candidata que mais atrai os votos nulos e brancos.
Quanto aos questionamento à fé de Marina Silva, eles partem de uma visão de democracia que vê o cidadão cristão como de segunda categoria. Afinal, parece que a todos cabem expressar seus pontos de vista conforme sua consciência, mas aos cristãos sua consciência iluminada por sua fé deve ser deixada de lado por essa espécie de laicismo antidemocrático. Nem o risco de genocídio dos cristãos árabes parece comover o humanista ocidental.
O que o crítico aos valores religiosos de Marina não consegue perceber é que, para quem tem a origem social dela, a saída para a subcidadania se dá por meio de “uma ética do trabalho duro, formada pela presença de uma família estruturada e por uma religiosidade prática” (“Um conservadorismo popular“, aqui no Amálgama).
Por fim, para afastar qualquer espécie de messianismo, vale lembrar uma história que costuma ser contada pela própria Marina: uma vez Dom Moacyr Grechi, bispo de Rio Branco (AC), pediu a Marina, à época com 19 anos, para levar marmitas aos seringueiros grevistas que estavam cercados por jagunços no meio da selva. Ela realizou a tarefa, mas sempre se perguntou porque exatamente ela havia sido escolhida para algo tão perigoso. Um dia perguntou ao próprio bispo o porquê da escolha. A resposta não poderia ser menos “predestinatória”: “Menina, quando a situação aperta, a gente apela para a primeira pessoa que aparece”.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
[email protected]