Estatuto da Família: ninguém sabe do que está falando

por Paulo Roberto Silva (26/09/2015)

O maior risco para a democracia é o nível de estupidez do debate público

JEAN WYLLYS/FELICIANO

Antes que alguém pergunte, não sou a favor nem contra o Estatuto da Família. Aliás, tenho vontade de trancar favoráveis e contrários em uma sala com câmeras de vídeo e vender assinatura do streaming. Porque nada ameaça tanto as liberdades democráticas quanto a politização e a hiperregulação da vida privada.

Talvez a estupidez do debate público. Sim, porque enquanto as pessoas têm ataques de pelanca por causa do estatuto, basta dar-se ao trabalho de ler o que está escrito no texto aprovado em uma comissão da Câmara para descobrir a incrível capacidade das pessoas em dizer bobagens. Incrível e perigosa. Porque uma bobagem dita na Praça é Nossa pode ser engraçada, mas dita na praça pública pode resultar em decisões políticas que prejudicam o conjunto.

Um exemplo é a indignação do povaréu com a suposta definição de família como sendo formada por um homem e uma mulher. Mais do que os casais homoafetivos, esta definição estaria incomodando os divorciados, viúvos e órfãos. Isso rendeu até textos no Buzzfeed. Pois bem, o texto aprovado não diz isso. Diz:

Para os fins desta lei, define-se família como o núcleo social formado a partir da união de um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes.

Vejamos. A definição de família proposta pelo estatuto restringe-se aos fins desta lei. E quais são esses fins? Políticas públicas de apoio e orientação psicológica para famílias em crise. Apenas isso. É tão singelo o estatuto que chega a ser inútil.

Além disso, o texto considera sim os casos de viuvez, uniões estáveis, divórcios e orfandade, ao incluir as comunidades formadas por qualquer um dos pais e seus descendentes. De novo, não é o melhor texto. Mas não é tão restritivo quanto parece em meme de Facebook.

O debate, de fato, está em torno da homoafetividade. Sim, os grupos religiosos que defendem o Estatuto estão procurando deslegitimar as uniões homoafetivas. Sim, os grupos LGBT perceberam isso e uniram forças contra o Estatuto. Os dois lados jogam com a desinformação, enquanto a opinião pública replica os chavões disseminados pelos lobbies sem entender o que realmente está acontecendo.

O mesmo aconteceu com a polêmica sobre a ideologia de gênero que varreu as câmaras de vereadores do Brasil nas aprovações dos planos municipais de educação. Somos o pior país do mundo em Educação Básica, nossos jovens estão chegando à universidade sem entender um texto ou saber fazer uma conta básica, e estamos discutindo o lugar do pinto e da xereca na Civilização Ocidental. Isso não é tema de um plano de educação. Quando as Câmaras de Vereadores vão debater o logaritmo?

E assim voltamos ao primeiro parágrafo. Os grupos de interesses que exploram a desinformação da patuleia em favor de suas próprias pautas desencadeiam uma onda de hiperregulação que coloca as hostes do Estado dentro do seu quarto de dormir. E isso limita a sua liberdade de escolha. Coloca em risco a democracia e o indivíduo.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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