O governo brasileiro poderia receber, pelo menos, mil famílias sírias.
Quando essa foto foi publicada em diversos jornais, não soube bem como reagir. Essa imagem talvez seja uma das mais representativas de uma tragédia humana que, aos olhos de brasileiros, desperta compaixão, mas mantém-se afastada pela distância e pelo nosso pouco envolvimento com essas crises. Apesar de chocante, merece ser republicada.
Lembrei de 2008, quando fiz um estágio no escritório em Brasília do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Foi possível, então, perceber o quanto o Brasil tinha espaço para contribuir com políticas humanitárias. Um espaço bastante subaproveitado.
Esse espaço continua aberto e subaproveitado até hoje. Ajudamos pouco, muito pouco. O governo brasileiro poderia receber, pelo menos, mil famílias sírias, em sinal de reconhecimento da gravidade da crise e da solidariedade com o povo sírio – que é constitutivo de nossa própria nação. Melhor ainda: esse anúncio poderia ser feito durante o discurso da Presidente na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.
A contribuição brasileira à estabilização do Haiti, por exemplo, tem sido um exercício de solidariedade internacional único em nossa história. Esse exercício deveria continuar em relação a outros povos. Como disse o Embaixador Gonçalo de Barros Mourão, no melhor discurso proferido para uma turma de diplomatas que se formava no Instituto Rio Branco,
Se quisermos ter um papel e uma presença no mundo, temos que ser outra coisa. E podemos, por nossa história, por nossa formação, pelas lutas e pela índole do nosso povo e, também, por nossa circunstância, nós podemos ser outra coisa.
Essa outra coisa é a expressão e a prática da solidariedade, é a verdadeira cooperação, é a integração com nossa circunstância, é o altruísmo que incorpora o outro e se incorpora ao outro. Esta outra coisa, na verdade, é o Amor.
Parece um escândalo! Falar de amor em relações internacionais! Em política externa e política internacional, falar de amor!
Mas sim, meus colegas. Se nós não formos capazes de crescer juntos e em estreita intimidade com nossa circunstância, se não formos capazes de desenvolver esse novo tipo de relação com os outros em torno de nós, se não soubermos ser ontologicamente iguais, passaremos a ser, nós, o Brasil, mais um dos grandes, cuja passagem pela história das relações internacionais terá sido tão melancólica quanto a das demais potências que se sucederam, que todas mais contribuíram para a discórdia e o desentendimento entre os homens, do que para fazer caminhar a humanidade na direção de um desenvolvimento comum e geral, de uma solidariedade nas alegrias e nas misérias, na direção do Amor.
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Mauricio Jacobina