Trilhando caminhos sem volta

Necessitado de dinheiro, ao personagem Alex não resta muito se não acompanhar o antigo amigo numa excursão criada por este.


"A viagem de James Amaro", de Luiz Biajoni (Língua Geral, 2015, 160 páginas)

“A viagem de James Amaro”, de Luiz Biajoni (Língua Geral, 2015, 160 páginas)

Não. Esta resenha não vai dizer que o livro de Luiz Biajoni, A viagem de James Amaro, trata, basicamente, de uma mescla de músicas jazzistas, recordações sexuais com mulheres e uma incursão, até então, na vida de seu personagem principal entrevista pelos olhos e ouvidos de seu companheiro de percurso, na maior parte do tempo o lacônico e introspectivo Alex Viana. Isso já foi feito aqui, aqui, aqui e aqui.

O que cabe, então, é tentar desenhar a obra sob outros aspectos, deixando os links acima para quem quiser perscrutá-la naquilo que escancara, como dito alhures: as músicas de jazz, os relatos sobre transar – e continuar transando – com esta ou aquela mulher, detalhando pormenores que bem poderiam roteirizar aquelas antigas histórias ilustradas do Carlos Zéfiro (e que ficavam, brevemente, com as páginas coladas). É na terapia a que os personagens James e Alex incidem consciente ou inconscientemente na viagem de Americana, cidade interiorana paulista, a Paraty, litoral carioca, que o livro de Biajoni faz-se mais do que uma playlist de músicas jazzistas e rol de sexos casuais, matriciais e contratados.

Num processo que remete à mea culpa, lemos as narrativas de um casamento que veio a ser corroído pelas diversas traições de um macho-alfa, mas que, com a chegada do câncer à filha do casal, depara-se com sua gota d´água. Lemos também que o ouvinte dos relatos de James não tem uma reciprocidade tão grande quanto pensava imaginar com seu locutor – aquela empatia dos tempos de colégio faz atinar que somos, todos, pessoas diferentes em cada época vivida, e que o que hoje pode ser visto de uma forma bela ou positiva, com o tempo ganhará outros aspectos mais graves, ou vice-versa, perdendo-se definitivamente.

Necessitado de dinheiro para o aluguel e demais despesas, a Alex não resta muito se não acompanhar o antigo amigo numa excursão criada por este a fim de se livrar de um problema recente. Nisso, em que pese as confissões mais, digamos, brutas, serem atribuídas a James, é do personagem ouvinte que vem os questionamentos mais recalcitrantes, entre eles, o de que até quando, por estar enfraquecido financeiramente, pode aguentar as teses, afirmativas e ações pedantes, machistas e arrogantes do motorista, abastado e ostentador, que guia seu Grande Carro Branco Volvo V50 T5 turbinado e blindado.

Ficamos, portanto, numa balança de opostos que, no final das contas, completam-se como o côncavo e o convexo, o sol e a chuva, o intrépido e o arredio – nisso, cabe destacar a imagem interessante da capa, feita por Lourenço Mutarelli: os dois indivíduos ali retratados lembram um só, apenas visto por ângulos diferentes. E não bastassem diferenças somente de gênios, a questão da sexualidade também parece dividi-los, momento em que o romance chega a seu ápice, descortinando, em seguida, a catarse e as culpas, fazendo estas, que anteriormente pareciam não ser incômodas, aflorarem.

Acabado o percurso, quando o carro finalmente chega ao destino e as personagens ainda desfilam pela cidade turística, nada resta além da sensação de que a viagem pelo asfalto foi metáfora de um périplo interior de Alex e James, demonstrando o quanto somos seres, reais ou ficcionais, destituídos e, sim, ao mesmo tempo obcecados de um sentido àquilo que chamamos vida. No mais das vezes, e como carimba a história, trilhando caminhos sem volta.
Conta ainda a edição com uma elucidante análise, tal como seu making of, feita por Daniel Martins no posfácio. A obra de Biajoni pode ser adquirida aí embaixo. Portanto, pegue seu assento, respire fundo. E boa viagem.

Amálgama




Andrei Ribas

Autor, mais recentemente, de Animais loucos, suspeitos ou lascivos e Cada amanhecer me dá um soco. Vive em Santa Rosa-RS.


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