Necessitado de dinheiro, ao personagem Alex não resta muito se não acompanhar o antigo amigo numa excursão criada por este.
Não. Esta resenha não vai dizer que o livro de Luiz Biajoni, A viagem de James Amaro, trata, basicamente, de uma mescla de músicas jazzistas, recordações sexuais com mulheres e uma incursão, até então, na vida de seu personagem principal entrevista pelos olhos e ouvidos de seu companheiro de percurso, na maior parte do tempo o lacônico e introspectivo Alex Viana. Isso já foi feito aqui, aqui, aqui e aqui.
O que cabe, então, é tentar desenhar a obra sob outros aspectos, deixando os links acima para quem quiser perscrutá-la naquilo que escancara, como dito alhures: as músicas de jazz, os relatos sobre transar – e continuar transando – com esta ou aquela mulher, detalhando pormenores que bem poderiam roteirizar aquelas antigas histórias ilustradas do Carlos Zéfiro (e que ficavam, brevemente, com as páginas coladas). É na terapia a que os personagens James e Alex incidem consciente ou inconscientemente na viagem de Americana, cidade interiorana paulista, a Paraty, litoral carioca, que o livro de Biajoni faz-se mais do que uma playlist de músicas jazzistas e rol de sexos casuais, matriciais e contratados.
Num processo que remete à mea culpa, lemos as narrativas de um casamento que veio a ser corroído pelas diversas traições de um macho-alfa, mas que, com a chegada do câncer à filha do casal, depara-se com sua gota d´água. Lemos também que o ouvinte dos relatos de James não tem uma reciprocidade tão grande quanto pensava imaginar com seu locutor – aquela empatia dos tempos de colégio faz atinar que somos, todos, pessoas diferentes em cada época vivida, e que o que hoje pode ser visto de uma forma bela ou positiva, com o tempo ganhará outros aspectos mais graves, ou vice-versa, perdendo-se definitivamente.
Necessitado de dinheiro para o aluguel e demais despesas, a Alex não resta muito se não acompanhar o antigo amigo numa excursão criada por este a fim de se livrar de um problema recente. Nisso, em que pese as confissões mais, digamos, brutas, serem atribuídas a James, é do personagem ouvinte que vem os questionamentos mais recalcitrantes, entre eles, o de que até quando, por estar enfraquecido financeiramente, pode aguentar as teses, afirmativas e ações pedantes, machistas e arrogantes do motorista, abastado e ostentador, que guia seu Grande Carro Branco Volvo V50 T5 turbinado e blindado.
Ficamos, portanto, numa balança de opostos que, no final das contas, completam-se como o côncavo e o convexo, o sol e a chuva, o intrépido e o arredio – nisso, cabe destacar a imagem interessante da capa, feita por Lourenço Mutarelli: os dois indivíduos ali retratados lembram um só, apenas visto por ângulos diferentes. E não bastassem diferenças somente de gênios, a questão da sexualidade também parece dividi-los, momento em que o romance chega a seu ápice, descortinando, em seguida, a catarse e as culpas, fazendo estas, que anteriormente pareciam não ser incômodas, aflorarem.
Acabado o percurso, quando o carro finalmente chega ao destino e as personagens ainda desfilam pela cidade turística, nada resta além da sensação de que a viagem pelo asfalto foi metáfora de um périplo interior de Alex e James, demonstrando o quanto somos seres, reais ou ficcionais, destituídos e, sim, ao mesmo tempo obcecados de um sentido àquilo que chamamos vida. No mais das vezes, e como carimba a história, trilhando caminhos sem volta.
Conta ainda a edição com uma elucidante análise, tal como seu making of, feita por Daniel Martins no posfácio. A obra de Biajoni pode ser adquirida aí embaixo. Portanto, pegue seu assento, respire fundo. E boa viagem.