Em toda reforma das últimas décadas, o professor sempre é visto como o culpado, devendo mudar para se adaptar aos alunos.
“De repente, não mais que de repente,/ centenas de especialistas em educação/ aparecem na minha frente.” Glosando Vinícius de Moraes (mil perdões, poetinha!), escrevi em uma rede social da internet esses versos depois de ler várias postagens opinando sobre as mudanças do Ensino Médio impostas pelo governo Temer (boa parte já discutida e em vias de aprovação durante o governo Dilma). Acontece que muita gente dá “pitaco” sem conhecer a realidade, muito menos as questões pedagógicas que envolvem mudanças desse nível. Mal comparando, é como se eu, com meu direito democrático de opinar, exigisse que os médicos receitassem curas espirituais ou qualquer chazinho nos hospitais como forma de acabar com as doenças.
Sou, em princípio, contra todas as mudanças que vêm sendo enfileiradas nos últimos 20 anos (antes disso eu não tenho como opinar), desde a “grande revolução” (até agora não totalmente implementada) chamada carinhosamente de LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, até a recente Medida Provisória, que tem na sua origem e respaldo a própria LDB. O motivo é simples: o aluno, com razão protagonista e objetivo final do ensino, passou a ser centro único das atenções. O professor deve conquistá-lo para que não desista de estudar, tenha prazer em estar na sala de aula, sinta-se feliz como se estivesse em casa, não se sinta preso. O professor é quem deve se esforçar para o aluno não ser reprovado, não deve gritar com ele, deve tratá-lo com carinho, evitar dizer não, não deve dizer que ele está errado, mas sim equivocado, dar voz a ele, mostrar que não sabemos mais do que ele e apenas temos “saberes diferentes”.
Leis não-oficiais circulam através de livros e palestras de especialistas em educação que sabem como o professor deve proceder. O professor está sempre errado, o professor que é mal formado, o professor é despreparado, o professor é que vive no passado e não entende que o mundo mudou, que decorar não constrói conhecimento, que escrever à mão é coisa do passado, etc., etc. O culpado, sempre, é o professor, e quem deve mudar é única e exclusivamente o docente. O aluno não precisa mudar seu comportamento, o aluno não precisa se esforçar para passar de ano, o aluno pode reclamar à vontade da educação, do sistema, dos professores, pois assim está demonstrado que tem um pensamento crítico. E é porque o aluno não está satisfeito com as muitas disciplinas, com ter que estudar matérias de que ele não gosta e por não estar tendo notas boas mesmo com as diversas recuperações a que ele tem direito durante o ano é que o Ensino Médio (só o Médio?) precisa mudar.
O problema da educação é puramente cultural. O brasileiro não gosta de estudo e se ele está na escola é porque é obrigado a ali estar, seja por lei, pelos pais ou pelo mercado de trabalho que exige um diploma mínimo para qualquer emprego. E para obter o diploma não é mais necessário esforço pessoal. O que interessa para os governantes é ter o aluno em sala de aula e que ele seja aprovado. Interessam os índices de aprovação, não o conhecimento adquirido na escola. Vale para todos os governos, os de antes e os de agora, os municipais, os estaduais e os federais, apoiados pelos especialistas em educação, se o partido deles está no poder, ou criticados se foi o adversário político que chegou ao poder.
Não vejo, portanto, perspectivas positivas para o ensino do país. Vamos continuar amargando fracassos em avaliações internacionais e teremos alunos cada vez mais críticos do sistema, porém em situação crítica no nível de conhecimento.
Cassionei Petry
Professor e escritor. Seu novo livro é Cacos e outros pedaços.