Nas universidades do século XIII, os professores produziam suas obras e as levavam para serem lidas e analisadas em sala de aula.
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“A fé”, de Tomás de Aquino (Edipro, 2016, 160 páginas)
O livro A Fé faz parte de uma das obras mais importantes do filósofo e teólogo dominicano Tomás de Aquino, as famosas Questões Disputadas. Em cada uma das obras que compõem sua coletânea, Tomás vai abordar um tema específico — A Fé, O Livre- arbítrio, As paixões da Alma, A sensualidade, A vontade de Deus, O Apetite do Bem e a Vontade, etc. A escolha dessas temáticas não é arbitrária; decorre da metodologia utilizada na atividade acadêmica das universidades medievais.
Nas universidades do século XIII, os professores produziam suas obras e as levavam para serem lidas e analisadas em sala de aula. Diferentes métodos era utilizados, mas dois, em especial, eram os mais usuais: a lectio, que consistia na leitura e comentário de um texto, e a disputatio, que consistia na disputa de uma determinada questão. Com isso, ao ser lançada uma questão, surgiam opiniões pró e contra, e na sequência havia uma confrontação sistemática dos argumentos que as sustentavam, na busca de se chegar à verdade das questões postas.
É por meio dessa mesma metodologia, a disputatio, tão cara às universidades medievais e tão distante das brasileiras, que a obra A Fé está estruturada. Talvez, através da exemplificação de uma das questões do livro fique mais claro para o leitor como esta metodologia é utilizada.
O primeiro artigo apresenta a questão: “E, primeiro, pergunta-se o que é crer?”. Aqui, o principal argumento contrário parte de uma declaração, segundo a qual “crer é pensar com assentimento”, ao qual se conclui que crer não é algo próprio do intelecto, mas da parte afetiva da alma. Contudo, Tomás, na resposta às objeções, para afirmar que o crer também faz parte do intelecto, diz que este assente porque é movido pelo consentimento da vontade, que se inclina a algo de bom ao que consente. Posteriormente a essa resposta, ele vai rebater cada argumento contrário elencado no início, confirmando ainda mais a sua resposta.
A obra é composta por 12 artigos a respeito da fé, e cada um possui este caráter de “debate travestido de texto”. Ao leitor que esteja interessado, os artigos são: “O que é crer?”, “O que é a fé?”, “A fé é virtude?”, “Qual o sujeito da fé?”, “A caridade é a forma da fé?”, “A fé informe é virtude?”, “É o mesmo hábito o da fé informe e o da fé formada?”, “O objetivo da fé é a verdade primeva?”, “Pode haver fé sobre as coisas sabidas?”, “É necessário que o homem tenha fé?”, “É necessário crer de modo explícito?”, “É a mesma fé a dos modernos e a dos antigos?”.
É inviável analisar cada ponto nesta resenha, por isso, opto por explicar a metodologia do livro e ressaltar a importância de resgatar esta leitura, que a princípio, mesmo com um viés mais acadêmico e filosófico, traz em si uma reflexão extremamente necessária, principalmente para o mundo de hoje — um mundo materialista que desprezou completamente a fé por achar que ela se opõe à razão e que por ser algo “puramente religioso” não apresenta qualquer embasamento filosófico.
É interessante que dentro das investigações acerca da fé, Tomás vai defini-la como
uma virtude infusa por Deus no intelecto, que traz uma verdade a que o intelecto assente e um bem que a vontade consente. É o dom que ilumina o intelecto do homem com as sementes da verdade primeira, projetando-o para ver com mais clareza as verdades segundas. Por esse mesmo motivo, razão e fé não se opõe, mas se completam na atual vida do homem.
Para compreender qual a relação entre a fé e o intelecto, a diferença entre crer e entender, a fé informe e a fé formada, de onde provem a fé e tantas outras questões, é de suma importância a leitura das investigações feitas pelo teólogo que se encontram nesta obra. Apesar de ser um livro pequeno (somente 159 páginas), é extremamente sofisticado em suas discussões filosóficas e teológicas, e, por isso, um tanto quanto denso.
Por ser escrito sob uma metodologia pouco usual, os leitores podem encontrar certa dificuldade para se acostumarem com o estilo da leitura, contudo, é uma excelente forma de tratar uma questão sem deixar brechas, levando em consideração que todos ou quase todos os argumentos contrários serão analisados e refutados, trazendo por fim uma resposta sólida para as questões postas. Não é uma leitura muito convidativa, mas recomendadíssima a todos que desejam compreender mais profundamente a temática da fé.
Isla Andrade
Graduanda em Serviço Social pela UFPE, colaboradora dos sites Pauta Principal e Electus.