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Todas as histórias possuem, em algum momento, uma visita que desestabiliza a realidade tranquila dos protagonistas ricos e mimados de Wodehouse.

"Meu caro Jeeves", de P.G. Wodehouse (Nanquim, 2016, 168 páginas)

“Meu caro Jeeves”, de P.G. Wodehouse (Nanquim, 2016, 168 páginas)

Sir Pelham Grenville Wodehouse publicou cerca de uma centena de livros, entre romances, contos e poesia. Um feito incrível para um sujeito que viveu até os 94. Não entraram nesse cômputo as dezenas de peças, roteiros e demais textos publicados em vida e após. Para Wodehouse, a ameaça do bloqueio criativo não passava de coisa para amadores, algo a afligir meros mortais à procura de uma ou duas sentenças perfeitas. A única fonte de chateação em sua rotina de escrita frenética era quando recebia alguma visita indesejada e se via obrigado a largar as atividades para fazer sala. Como veremos adiante, essas visitas eram, apesar de tudo, uma inspiração para suas comédias.

Recentemente, uma matéria do Suplemento Pernambuco trouxe reflexões sobre autores considerados intraduzíveis segundo as opiniões de tradutores experientes. Julia Romeu, que já verteu para o português livrões como Americanah (Chimamanda Ngozi Adichie) e Os livros da selva (Rudyard Kipling), cita Wodehouse como um desses casos. O motivo, argumenta, é que seu clássico humor britânico depende em grande parte das palavras utilizadas, que não encontram correspondente na língua portuguesa atual – ou de qualquer época, que seja. Para além da questão linguística, o humor carrega em si um desafio que lhe é inerente, já que o que é considerado engraçado varia de cultura para cultura, de contexto em contexto. Talvez por isso tenhamos tido tão poucas traduções de Wodehouse no Brasil até hoje, a despeito de sua quase irreal produtividade.

Coube à Nanquim, uma ainda pequena editora independente, dar um passo a frente na renovação do painel literário brasileiro, carente das obras do autor. Recentemente, o grupo disponibilizou o clássico Meu caro Jeeves, uma hilária coletânea de contos que apresenta alguns de seus grandes personagens, como Bertie Wooster, Reggie Pepper e o inigualável Jeeves, o valete. Todos, à exceção de Jeeves, sempre engenhoso, são atirados em situações insustentáveis graças à própria burrice – e não há termo melhor para explicar.

Todas as histórias possuem, em algum momento, uma visita que desestabiliza a realidade tranquila dos protagonistas ricos e mimados de Wodehouse e os lança num poço de angústia que, em última instância, está intimamente relacionado ao medo das represálias da geniosa tia Agatha, um demônio que vive no outro lado do Atlântico. São marmanjos sem a menor estrutura emocional tentando lidar com problemas do cotidiano com o pouco repertório intelectual que lhes coube.

Chama a atenção que o objetivo do autor seja simplesmente de fazer rir, sem que isso acarrete em prejuízo para sua qualidade literária. Wodehouse não tem, como afirma Alexandre Soares Silva no prefácio, absolutamente nenhuma preocupação em explorar mazelas sociais ou o contexto político e econômico de sua época. Não quer fazer críticas pesadas a nada, nem escrever o grande romance de língua inglesa do século XX. Ele só quer fazer rir, e é essa falta de pretensão que faz de Meu caro Jeeves uma leitura deliciosamente divertida.

Seja contando o caso do apaixonado que sequestra uma criança para conquistar o coração da mulher amada ou da tia que quer investigar de perto a vida do sobrinho vagabundo, P. G. Wodehouse prima pela prosa cuidadosamente lapidada e sempre descontraída. Na maior parte do tempo, parece mesmo que você está cara a cara com o narrador, tendo uma boa conversa e dando umas boas risadas na sala de sua mansão.

O trabalho de tradução foi bem-sucedido ao permitir que um livro de quase cem anos mantenha-se atual e ainda engraçado, a despeito de encenar uma realidade tão diferente. A única mácula no lançamento da Nanquim é a falta de uma revisão mais minuciosa: alguns erros de digitação passaram despercebidos pelos olhos da equipe responsável pelo lançamento. Nada que comprometa o resultado final nem que não possa ser corrigido nas próximas impressões

Meu caro Jeeves é, sejamos objetivos, hilário. E o melhor de tudo é que o pessoal da Nanquim deixou um teaser promissor na última página, logo após o fim de “A Tia e o Vagabundo”. Nele, um sujeito risonho segura um dry martini e promete: Reginald Jeeves voltará em O inimitável Jeeves.

Aguardamos ansiosos.

Douglas Marques

Psicólogo curitibano, atua junto a migrantes e refugiados. Também se refugia, mas nos livros. Está concluindo especialização em antropologia cultural.

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