O burguês continua sendo o homem medíocre a desdenhar a “Paixão segundo Matheus” de Bach, mas adorando um mictório imundo.
Nas portas da modernidade, Flaubert e Baudelaire viam na sociedade castas de crenças. Ao contrário das gaiolas ideológicas do debate público – da luta de classes à defesa de minorias –, eles encontraram nos grupos judaicos uma tipologia, a um só tempo, moral e psicológica.
Por fariseu, entendia-se o defensor de uma moral sem Deus, como um conjunto de letras mortas. Com alguma ou nenhuma posição na comunidade religiosa ou acadêmica, seriam, como diríamos hoje em dia, os advogados de uma ética racionalista ou utilitarista que, embora acreditando ser a moralidade uma “construção social”, defendem-na como necessária para o controle das paixões humanas. Portanto, seria um sujeito hipócrita, porquanto mascarado de autoridade filosófica, religiosa ou não.
Por outro lado, o filisteu seria o indivíduo em “ascensão social”, como o perdão de mais um anacronismo; com poder aquisitivo, mas sem sensibilidade estética. E embora com crédito financeiro, esse eunuco estético não raro cairia em descrédito moral, estando sempre disposto a financiar revoluções da vez, sejam elas de zelotes, republicanos ou socialistas.
Com nomes próprios, são esses mesmos tipos que desfilam nas tragédias burguesas de Nelson Rodrigues. Em nosso meio, tipos assim povoam as redes sociais, cada qual em defesa de uma causa feita de poeira e vento.
Para “escandalizar os burgueses”, ainda basta ao artista autêntico semear pedras de tropeço. O burguês continua sendo o homem medíocre a desdenhar a “Paixão segundo Matheus” de Bach, mas adorando um mictório imundo.
Com o aburguesamento gradual da sociedade, os burgueses, como na “Parábola dos Cegos” de Bruegel, crentes no progresso, ainda vestem as mesmas velhas máscaras, quer defendendo uma ética amoral e ateia a flamular uma bandeira com as causas da vez; quer, dopados pelo ópio da arte como livre expressão e outros slogans políticos, financiando e consumindo lixo cultural, como o “Macaquinhos” e o “Queermuseu”.
A ignorância política e econômica pode derruir uma nação, mas a ignorância estética é um sintoma da corrupção da alma.
Wagner Schadeck
Nasceu em Curitiba, onde vive. É tradutor, ensaísta, editor e poeta. Colabora com a Revista Brasileira (ABL), com a Revista Poesia Sempre (BN) e com os periódicos Cândido e Rascunho. Em 2015, organizou a reedição de A peregrinação de Childe Harold, de Lord Byron, pela Editora Anticítera.
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