Tendo Alckmin como alternativa, os votos do antipetismo transferir-se-iam com muita naturalidade à sua figura.
Ainda estamos sofrendo com as consequências dos dois governos de Dilma Rousseff. Ao contrário da propaganda política do Partido dos Trabalhadores, sabemos que entramos em uma recessão desastrosa ainda no governo petista, que gerou mais de doze milhões de desempregados e quase fez ruir tudo de bom que foi construído desde a redemocratização. A paz social e a legitimidade política do poder público ruíram. Tudo isso, em meio à divisiva retórica do “nós contra eles”.
O governo Lula foi bastante positivo para o Brasil, apesar do próprio partido que comandava o governo. Soube compor interesses com uma ampla base partidária, em se tratando de agenda de governo. (Não faço menção àquela composição paralela, que descambaram nos escândalos do mensalão e do petrolão, e que hoje são a principal razão do ex-presidente comandar seu partido e seu candidato biônico desde uma cela de cadeia, em Curitiba). Os arroubos antidemocráticos do ideário petista não tinham muita vazão. Importava, aliás, compor um governo de quase-união nacional. Podia, evidentemente, ter sido muito melhor. Mas, dentro das limitações programáticas de um partido que, no seu arcabouço teórico e visão de país, faz uma verdadeira antologia do atraso no mundo, foi surpreendente. Dilma pôs tudo a perder.
Foram milhões de brasileiros decepcionados pela confiança depositada no primeiro poste de Lula, que resultou no segundo impeachment desde o retorno à normalidade democrática. A maior parte deles, atingidos frontalmente pela piora da condição de vida do brasileiro. Outros tantos, com medo de um processo de radicalização e venezuelização do país – que, por mais que não fosse acontecer, era propalado por bolsões mais radicais à esquerda e à direita. Natural que a revolta tomasse as ruas e o descrédito nas instituições viessem embalar o coração do povo.
A corrupção sempre foi onipresente no Brasil. Na chegada do primeiro rei do Brasil, Portugal e Algarves, D. João VI, já foi cantada em prosa e verso. “Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito vira barão; quem mais furta e esconde, passa de barão a visconde”, eram quadrinhas populares em referência ao então ministro da Fazenda d’el-Rei, Francisco Bento Maria Targini, visconde de São Lourenço. Esteve presente, em menor grau, durante os reinados dos imperadores Pedro I e Pedro II. E disparou loucamente na república, durante todas as suas fases: o primeiro grande escândalo político dessa fase histórica do Brasil foi no governo do próprio Marechal Deodoro, que tentou favorecer a empresa de um amigo para uma concessão portuária (qualquer semelhança com Michel Temer, é mera coincidência). Locupletaram-se de maior a menor grau todos, desde os democratas Campos Sales e Fernando Henrique Cardoso, aos ditadores Vargas e Castelo Branco.
“Não basta à mulher de César ser honesta, tem de parecer honesta”. Embora não se aplique inteiramente à história do Brasil, onde monarcas e governantes nunca foram extremamente afeitos à integridade do erário público, ninguém nunca assumiu-se corrupto. Roubavam, sim, mas tratavam a corrupção como algo anti-natural. Negavam peremptoriamente que tenha sido roubado sequer um copo descartável de seu gabinete. No máximo, eram aceitos mais ou menos uns figurões aqui e ali universalmente tidos como ladravazes, como os paulistas Adhemar de Barros ou Paulo Maluf. Inaugurou o Partido dos Trabalhadores uma nova fase, sob a égide do brilhante José Dirceu de Oliveira e Silva: a naturalização da corrupção no Estado. O impensável slogan ademarista, do “rouba, mas faz”, foi reeditado para o novíssimo “roubamos como eles roubaram, mas fizemos mais do que eles fizeram”. Essa frase soou, de forma quase melíflua, da boca de gente como Fernando Haddad, Gleisi Hoffmann, ou do próprio capo di tutti capi, Luiz Inácio Lula da Silva.
Uma velha piada narra que certo político subiu a um palanque, atarantado com assombrosas denúncias de corrupção. Assumindo seu lugar no microfone, disse: “nessa calça nunca entrou um centavo do dinheiro público”. Na lata, ouviu um bêbado, na multidão: “calça nova, hein, doutor?”. Nessa antiga anedota, agíamos até então como os presentes ao comício: rimos, mas demos o benefício da dúvida. Diante de não encontrarmos qualquer negativa mais à corrupção, vinda da classe política, e especialmente do partido que governava, revoltamo-nos. O antipetismo guiou corações e mentes, com muita justiça.
Outras questões políticas foram incrementando o sundae político. A adoção do identitarismo rasteiro como pauta política fundamental assustaram o eleitor, tão acostumados à fábula da cordialidade brasileiro. “Democracia racial”, um conceito tão habilmente introduzido por autores como Gilberto Freyre – um mito, aliás, já que o Brasil sempre foi o país do racismo velado – foi demolido a olhos vistos. Deu lugar, aliás, ao pensamento colonizado que importou, dos Estados Unidos, o racialismo do movimento negro americano. O racismo é algo a ser combatido com vigor pelo Estado, em qualquer concepção preocupada com um mínimo de equidade na relação entre cidadãos e administração pública; mas, a abordagem deve ser diferente daquela importada fielmente de um país que passou pelas Jim Crow laws, que teve uma Ku Klux Klan ativa, para começo de conversa. A forma como o partido governista importou e difundiu, como cartilha política, sem fazer qualquer adaptação à realidade brasileira, as demandas de minorias, gerou no coração do reacionário profunda desconfiança e temor. A tolerância e difusão de uma mensagem de intolerância, deu guarida à emergência de outra fundamentalmente oposta e perigosa.
O petismo não mudou. Com o que ocorreu, aparenta não ter aprendido nada, e esquecido nada. Quem duvida que um eventual governo Haddad seria diferente, se engana. Uma grande parcela do eleitorado ficou francamente apavorada. Gente de bem, despida de radicalismos políticos, cansada dos extremos, decidiu apegar-se àquele que acreditariam ter mais chances: Jair Bolsonaro.
Não pretende esse artigo fazer uma catilinária contra a figura do candidato do PSL. Seu nome e seu ideário, abertos como um livro, são de conhecimento de cada um dos brasileiros minimamente informados. Àqueles que, porventura, não o conheçam, uma busca no Google é suficiente.
Grave problema, no entanto, é o de quem aposta no candidato como nome ideal para impedir o retorno do petismo à Presidência da República e à administração pública. Votar em Jair Bolsonaro no primeiro turno é garantir a vitória de Fernando Haddad, poste de Lula, na presidência da República. É o que todas as mais recentes pesquisas eleitorais apontam – e, em especial, o Datafolha desta sexta-feira. Fernando Haddad, no segundo turno, teria 45% das intenções de voto, contra 39% do deputado federal e ex-capitão do Exército Brasileiro. Mais significante: 46% dos eleitores – o que se traduz em mais da metade dos votos válidos – rejeitam o voto a Bolsonaro em qualquer hipótese. É a mais perfeita fórmula de fracasso no intento de impedir o retorno do Partido dos Trabalhadores ao poder.
O candidato Ciro Gomes, do PDT, está em franca queda, uma vez que votos úteis de eleitores à esquerda e centro-esquerda têm alimentado a campanha de Fernando Haddad. Marina Silva, candidata com o melhor plano de governo, teve uma campanha desastrosa e amarga uma terrível posição no cenário. O único candidato que ainda mantém alguma chance de competir, dentre as alternativas do centro democrático, é Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo.
Não restam muitas dúvidas, em compreendendo a mecânica da transferência de votos. Um eleitor de Ciro Gomes, no segundo turno, não teria quaisquer dúvidas de votar em Haddad, tendo como adversário Jair Bolsonaro. O mesmo vale para o eleitorado de Marina Silva, e muito provavelmente, grande parte do eleitorado de Alckmin, Meirelles, e quase toda a esquerda. Em contrapartida, tendo Alckmin como alternativa, os votos do antipetismo transferir-se-iam com muita naturalidade à figura do democrata-cristão que se traveste de social-democrata, partidariamente.
Essa eleição, diante de tamanha ameaça, pede lucidez. O propalado voto útil em Bolsonaro, tão preconizado pelos seus eleitores, não tem utilidade alguma: é garantia de vitória petista. É preciso, mais do que nunca, ter estômago para engolir um insípido governo do “picolé de chuchu”, alcunha meritoriamente atribuída ao candidato do PSDB. A outra alternativa, sem surpresa, é aceitar que tenhamos um presidente obediente às ordens emanadas da cadeia.
Sinto-me triste de dividir essa reflexão com os amigos e leitores. Há alguns anos, prometi a mim mesmo que jamais apertaria 45 nas urnas. Não considero o PSDB um partido digno do que o Brasil merece. Lembrar que votei em Aécio Neves, na última eleição, me dá ânsias verdadeiras de vômito. Durante toda essa eleição, o candidato que mais conquistou a minha simpatia foi Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda de Michel Temer. Ainda assim, passei todo o período eleitoral completamente indeciso, sem saber quem escolher, uma vez que considero a eleição de Haddad uma das piores possibilidades. Infelizmente, para o meu próprio bem, para o bem da minha tranquilidade, da tranquilidade dos meus e dos que amo, terei de rescindir minha promessa.
Geraldo Alckmin não chega a ser nem uma Pepsi, para um fã absoluto da Coca-Cola como eu: é uma Schin, é um guaraná genérico de supermercado. É meramente um “pode ser”. Mas, ainda é muito melhor do que beber soda cáustica, na falta de qualquer coisa, incluindo água pura. Sem peso na consciência, mas com alguma dor no coração, votarei em Geraldo Alckmin para a presidência do Brasil, porque sei que apenas ele, e não Jair Bolsonaro, terá alguma chance de impedir o retorno de Lula. Conclamo-o, pelo seu próprio bem – não por altruísmo, mas pelo bem de sua própria individualidade – a fazer o mesmo.
Ao menos, no frigir dos ovos, poderemos nos opor ao seu governo, tendo garantia de que nem tudo vai desandar. O atual cenário, preclaro amigo, é tão aterrador que, tenho absoluta certeza, escolheríamos re-eleger Michel Temer a conferir o comando do país ao lulismo. Ao menos, sabemos que a normalidade democrática continuará, continuaremos contando com a luta contra a recessão, e poderemos sonhar com dias melhores. Diante do que vemos, Geraldo Alckmin não é tão ruim. Entre as opções viáveis para concorrer, definitivamente, é muito melhor do que um Ciro Gomes da vida. “Se só tem tu, vais tu mesmo”, diz o velho ditado nordestino. Só tem Alckmin. Tem de ser Alckmin.
Lucas Baqueiro
Bacharel em Humanidades pela UFBA. Editor de política e atualidades da Amálgama.
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