Foi preciso um esforço pluripartidário, uma verdadeira parceria público-privada, um pacto federativo eficiente, para construir o desastre.
Não faz muito tempo estávamos indignados com a destruição de sítios arqueológicos na Síria pelos bárbaros do Estado Islâmico. Perguntávamos que tipo de mentalidade levaria a atos de tamanha barbaridade. Mas não precisávamos ir tão longe. A barbaridade é nossa amiga cotidiana, aqui no Brasil. O incêndio no Museu Nacional é apenas um indício deste espírito bárbaro que nos move.
Mal o fogo chegou às TVs, e os abutres começaram o jogo de empurra-empurra para ver quem é o pai desta criança feia. Candidatos de esquerda vinculados ao governo que nada fez desde que o risco de incêndio foi identificado correram acusar o “golpe”. Candidatos de direita correram lembrar que sobra dinheiro para o Queer Museu, enquanto falta para o museu que eles nunca frequentaram. E o próprio ministro entrou ao vivo na GloboNews acusando o seu próprio governo de negligência.
A informação mais chocante foi saber que um museu desta importância sobrevivesse com R$ 520 mil por ano, o porte de uma empresa de pequeno porte enquadrada no Simples Nacional. O Louvre, só para comparação, recebeu 102 milhões de euros em dinheiro público em 2014, ano em que começaram a cortar até o mínimo necessário para a sobrevivência do museu. Outros 102 milhões vieram de recursos privados, incluindo patrocínios, doações, ingressos e locação de espaço para filmes.
Se o Louvre é um bom exemplo de parceria público-privada para o desenvolvimento das culturas, o Museu Nacional é a demonstração de como no Brasil opera uma parceria público-privada em desfavor do país. O dinheiro público para cultura, ciência e tecnologia escasseia a cada ano, ou é desviado para projetos sem impacto como o Ciência sem Fronteiras. Organizações como o Fora do Eixo recebem a maior parte do butim para financiar projetos, na melhor das hipóteses, politicamente orientados.
E o dinheiro privado quase inexiste. Projetos como o Itaú Cultural e o Instituto Walter Moreira Salles, curiosamente mantidos pela mesma empresa, são exceção. Dá para contar nos dedos as famílias milionárias que investem em cultura no Brasil: Setúbal, Moreira Salles, Marinho, Gerdau, Lehmann… Acabou a lista. O maior acervo corporativo do país é de um banco alemão.
E mesmo a classe média brasileira é bárbara. Mais de 90% da população brasileira nunca entrou em um museu. Índice similar para leitura de livros de literatura ou frequência a teatros. Nesta madrugada o diretor do Museu Nacional disse que não faltava só recursos, mas também profissionais de museologia no Brasil.
Chega a ser paradigmático que os dois grupos políticos que lideram as pesquisas são reconhecidos pelo baixo valor ao conhecimento. O PT instrumentaliza os intelectuais promovendo disciplinas de pós graduação sobre o “golpe”, enquanto promove o cerceamento de divergências, como tem acontecido com Cristóvão Tezza e cineastas não alinhados à narrativa. Bolsonaro, por sua vez, é apoiado por grupos que atacam exposições de arte em nome de um suposto moralismo cristão. São os dois lados de um mesmo barbarismo intelectual e moral.
O que estamos perdendo? Ao desvalorizarmos a História, a Cultura e a Ciência, estamos nos recusando a encarar as questões fundamentais da nossa existência. Com isso, nos tornamos menos humanos, menos capazes de pensar saídas para eterna crise que se abate sobre o País. Perdemos a sensibilidade que nos afasta da violência e da pobreza. Infelizmente, acordamos nesta segunda-feira mais próximos do Estado Islâmico que da Ordem e Progresso gravadas em nossa bandeira.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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