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A abominável Mulher-Gelo nos trópicos

por Ana Al Izdihar (09/10/2008)

por Ana Al Izdihar – Vocês estão no mínimo intrigados por querer saber minha indignação com o frio, né? Estou sempre reclamando dele. Vou explicar. Não reparem os palavrões, às vezes eu solto uns… Como todo mundo. Vejamos como começo o dia. Suponhamos que estou com os dias livres, como acontece em meses como julho. […]

por Ana Al Izdihar – Vocês estão no mínimo intrigados por querer saber minha indignação com o frio, né? Estou sempre reclamando dele. Vou explicar. Não reparem os palavrões, às vezes eu solto uns… Como todo mundo.

Vejamos como começo o dia. Suponhamos que estou com os dias livres, como acontece em meses como julho. Acordo pela manhã, me arranco da cama quentinha – tenho que fazer isso, mesmo de férias, porque se fico por muito tempo na cama me dá dor no corpo todo – e, claro, primeiro tenho que ir ao banheiro… Ao sentar na privada, já sabe: aquele choque térmico acompanhado de um gritinho rouco de um “merda!”. Isso quando não acontece de eu esquecer de levantar a tampa! Aí, o que solto é um “puta que pariu!” mesmo. E o maldito Murphy passa sempre por aqui quando estou me encolhendo de frio: eu tendo a esquecer de levantar a tampa mais vezes no inverno do que nas estações quentes…

Nem queira saber como seria se estivesse trabalhando, tipo, ter de dar aula 7 horas da madruga, ainda escuro às vezes (outra coisa que me irrita: acordar antes de amanhecer!). Seria o inferno – é, porque eu vou dizer, gente, estou com Dante Alighieri: o pior anel do inferno é absolutamente frio! Por isso também penso no meu futuro: tento ser uma mulher boazinha, para ir pro céu e ficar daí bem perto do sol.

Quando eu morava em Curitiba, cujo frio é pior do que em Floripa, mesmo sem o vento sul soprando, vivi esse tormento quase um ano. Pra vocês terem uma idéia, num dia de inverno lá, fazia uns -1º C e eu tinha levantado às 6 horas para dar aula às 7:30 no fiofó do mundo e tinha de enfrentar a tortura do banho, mesmo com chuveiro elétrico, sabe o que eu fiz? Eu tava com tanta raiva de estar com frio que liguei o chuveiro na água fria e tomei um banho gelado só de ódio! Depois até esquentei, mas nunca mais faço isso comigo de novo…

Bem, continuando. Depois de conseguir fazer xixi – é né?, porque depois do choque térmico da perna quente na privada fria, a musculatura da bexiga contrai e demora mais pra sair… e dá-lhe vento frio na parte que fica de fora! – outro esforço é escovar os dentes. E o Murphy, cadê? Tá aqui, ó: eu tenho dentes sensíveis! Ah-há, não esperavam por essa, hã? Imaginem eu bochechando essa água gélida… Imaginou? OK.

Vou pra cozinha, uso as luvas Mocambo – nome sugestivo para uma pobre que não tem água quente para lavar a louça, lerê, lerê, lerê, lerê, lerê – e lavo os utensílios para tomar café. A minha refeição preferida! Amo café da manhã! É quase um prazer orgástico pra mim! Vou cortar a ricota, faz um barulho estranho… Tá congelada! Tenho que deixar o açúcar mascavo no banho-maria, para não esfriar o café na hora de adoçar, já que tenho que guardá-lo na geladeira. O prazer vira uma tortura…

Sobrevivo ao café, ao banho, à manhã. Passo o resto do dia inventando coisas pra fazer para esquentar: dançar, andar, fazer musculação… Mas tudo com cuidado pra não dar uma torção.
Se eu invento de sair é aquela novela mexicana! Calcinha micro fibra (cara pra dedéu) pra não atrapalhar o resto das roupas. Meia calça, calça, sutiã mais folgado pra não apertar muito, camisete, cacharrel, casacão, cachecol, touca, meias grossas e botas coturno (as únicas que esquentam meus pés frios). Aquele peso do caralho, tudo apertando, e tenho que virar o corpo todo pra atravessar a rua porque tanta roupa me atrapalha o ângulo de visão.

Ao voltar viva pra casa, depois de não ter sido atropelada e não congelar nesse vento que é o assobio do cão, chego em casa, tomo outro banho aventureiro, janto algo bem quente e tomo meu vinho – aliás, uma parte boa do inverno: o vinho. Me sinto igualzinha aqueles desenhos animados… Lembra quando o Tom fica congelado do lado de fora e o Jerry com dó o recolhe, o coloca na frente da lareira e derrama uma sopa quente por um funil? O Tom que estava todo cinza cor de gelo, vai adquirindo cor dos pés até a cabeça, indicando que tá esquentando. É exatamente assim que me sinto quando tomo aquela sopa quentinha na janta!

Pra dormir é bom chamar a N.A.S.A. e me amarrar num cabo de aço pra não sair voando, pois viro uma astronauta: camiseta, blusa de lã, conjunto moletom, duas meias, touca e durmo de pantufas de joaninha pra esquentar bem, debaixo de uma colcha e um edredom grosso, em cima de uma mantinha de lã que cobre o colchão.

Torcicolo? O Murphy me ama: é sempre no inverno! Meu nariz fraturado arde feito a peste no vento frio que chega a lacrimejar os olhos. O mesmo acontece quando danço ou faço treino de Combat, pois o nariz arde muito quando o corpo esquenta com o exercício e respiro o ar frio. Sem contar quando não me dá gripe, ou rinite, dor de garganta ou às vezes um pouco de asma – esta última principalmente quando não tenho um cobertor de orelha, um gatinho pra me ajudar a esquentar… buá, buá.

É assim que fica um ser humano que nasceu para o verão, que é filha do Sol e das águas refrescantes dos rios, cachoeiras e mar. Mesmo sendo uma sacerdotisa e Filha Servil da Mãe Terra, eu não gosto de frio – a medicina milenar indiana Ayurvédica me dá respaldo, pois lá se diz que os tipos Vata como eu não foram feitos para o frio… Além do mais, a Mãe Natureza aceita minhas reclamações, pois vivo jogando na cara dela por ter feito os homens mais quentinhos do que as mulheres e isso não é justo! Tudo bem que eles têm mais problemas de coração do que nós, mas continua não sendo justo, principalmente se estamos privadas da gentileza masculina e seus abraços quentinhos… hehe.

Mas eu ODEIO frio!

Ana Al Izdihar

Mestre em Letras pela UFSC, na área de crítica literária e cinema.