por Celso Barros
Gostei de ler esse livro, que é bastante oportuno. Não há como contar a história da política brasileira desde a redemocratização sem discutir os diversos planos de combate à inflação, e faltava um livro acessível que oferecesse uma visão geral do processo. Registro minhas discordâncias ao longo da resenha, mas desde já declaro que li o livro com prazer.
Como narrativa moral, o livro é ótimo. A autora argumenta convincentemente que a inflação atinge sobretudo os mais pobres, que não têm a menor condição de correr atrás dos preços recorrendo a aplicações financeiras. A moeda é um patrimônio nacional fundamental, e sua defesa é tarefa fundamental do governo. Resgatar a memória da hiperinflação brasileira, inclusive com diversas histórias de pessoas comuns, é uma tarefa importante, que Leitão desempenha de maneira satisfatória.
Talvez sua principal contribuição, sob este aspecto, esteja em mostrar (no capítulo 6) a situação de descontrole das contas públicas no fim do regime militar, em que pesem os esforços modernizadores do início do regime. Fica claro que o Estado brasileiro era uma fonte inesgotável de recursos para os mais variados setores da elite econômica, fosse sobre a forma de subsídios, empréstimos, garantias, ou programas públicos que obviamente só interessavam a setores econômicos muito específicos. Um dos momentos mais engraçados do livro (há vários) é a conversa entre o presidente do Banco Central (Pérsio Arida, na época) e um dirigente do banco estadual de Alagoas; quando Arida sugere que o banco execute as dívidas dos usineiros, ouve a resposta “aí quem vai ser executado sou eu” (p.105). Isso serve de alerta tanto aos saudosistas do regime militar quanto aos esquerdistas que têm uma atitude blasé diante de discussões sobre equilíbrio fiscal, ou que acham que o neoliberalismo desmontou um Estado funcional.
É preciso, é verdade, ter muito cuidado com narrativas morais. Nos países desenvolvidos, enquanto escrevo, muita gente perde o emprego porque seus governos resolveram se preocupar com inflação quando deveriam estar preocupados com o risco de depressão (ou, no caso do Euro, com o risco de crise institucional). Mas não é provável que os governantes brasileiros errem muito nessa direção; o que faz com que, no geral, a narrativa de Leitão seja bem-vinda.
Como história, o livro é bom, feita a ressalva que o foco é jornalístico: seu ponto forte são os episódios de bastidores, alguns dos quais, aliás, ótimos. O livro não é a grande explicação do período inflacionário brasileiro que, se algum economista já tiver escrito, eu ainda não li. É uma coleção de episódios (os planos econômicos) amarrados pelas discussões dos economistas da PUC, que formularam a maior parte das propostas anti-inflacionárias do período.
Não há, por exemplo, uma explicação consistente da origem do salto inflacionário dos anos 80. O primeiro capítulo se chama “Nosso vício, desde o início”, como se a inflação fosse um problema no Brasil mais ou menos desde sempre; mas o fato é que, nos anos 80, acelerou-se enormemente, chegando aos 80% por mês do fim do governo Sarney. Alguma coisa aconteceu na crise do regime militar que criou o surto inflacionário dos 80, mas Leitão não oferece (nem pretende oferecer) uma análise consistente das causas da crise do desenvolvimentismo. Há vários momentos do livro que parecem sugerir que todo o desenvolvimentismo estatal do século XX foi um fracasso, o que é obviamente falso; o desenvolvimentismo é algo que, uma hora, parou de funcionar, mas que funcionou. O leitor interessado nessa história deve procurar (ou escrever) outro livro.
Mas é possível reconstruir parte dessa história a partir do debate de ideias na PUC, que Leitão documenta com eficiência razoável. A discussão que eventualmente levará aos planos anti-inflacionários começa justamente com a constatação de que um plano puramente ortodoxo para combater a inflação brasileira no começo dos anos oitenta seria inviável. Segundo os cálculos da turma da PUC, exigiria que o governo gerasse um superávit de algo como dois terços da dívida por ano (p. 35), o que não era, naturalmente, factível. Era necessário atacar a dimensão inercial da inflação, causada pela indexação da economia (o ajuste de preços e salários pela inflação passada). A indexação jogava para o futuro toda inflação passada, e passava para frente choques negativos (quebras de safra, etc.), fazendo com que o patamar de ajuste se tornasse sempre maior. Para acabar com a inflação inercial, a PUC produziu duas propostas: o congelamento temporário, proposto por Francisco Lopes; e o plano “Larida” (André Lara Resende/Pérsio Arida), que previa a criação de uma nova moeda, corrigida diariamente, que eventualmente substituiria a moeda antiga. Plano Cruzado, Plano Real.
A interpretação de Leitão sobre a origem da inflação pode ser depreendida por um interessante recurso narrativo: ela começa contando o fracasso do Plano Cruzado para só depois discutir a situação fiscal ao fim do regime militar. Isso é importante porque os formuladores do Cruzado eventualmente reconheceram que tinham feito o plano baseados em uma premissa errada (à época compartilhada, inclusive, pelo FMI): a de que o problema fiscal brasileiro não era tão grave. Na verdade, as contas públicas herdadas é que eram tão caóticas que disfarçavam problemas sérios. Ao organizar a exposição dessa forma, Leitão parece sugerir a seguinte explicação: a inflação era em boa parte inercial (o Larida/Real, afinal, conseguiu derrotá-la), mas tinha uma dimensão fiscal importante que ainda precisaria ser enfrentada. Para saber o peso exato de cada um desses fatores, procure um economista.
A boa discussão sobre o Plano Cruzado se baseia nas reflexões posteriores de Edmar Bacha, que viu no plano dois problemas. O principal foi subestimar o efeito que o fim da inflação teria sobre a renda, acompanhado de um aumento muito grande dos salários na passagem entre as moedas, que superaqueceu a economia. O segundo foi a falta de compromisso do Sarney com uma dose saudável de equilíbrio fiscal. O livro tem o mérito de lembrar que o congelamento nunca foi visto (pelo menos pelos economistas que o pensaram) como a solução final para a inflação. Em uma reunião em Carajás, os economistas do Cruzado se defrontaram com a realidade do governo Sarney: um governo fraco que precisava urgentemente se legitimar com algo popular, em especial às vésperas de uma eleição de Assembleia Constituinte. Não há como saber se o plano teria dado certo em outro contexto, mas não resta dúvida de que o ambiente político era, para dizer o mínimo, difícil.
Aqui cabe um parêntese. Em uma de suas várias tiradas contra o PT e a turma da economia da Unicamp, Leitão ridiculariza as propostas de pacto social, ou grandes acordos entre sindicatos, patrões e governo para conter a inflação. À página 50-51, lemos que João Manuel e Beluzzo propunham “um pacto entre empresários e trabalhadores sobre reduzir inflação aos poucos – ideias que depois o PT herdaria e que jamais funcionariam”. A ideia de pacto social nos anos oitenta, entretanto, era bem mais kosher do que Leitão faz parecer, e entre seus defensores tinha mais gente que o pessoal da Unicamp. Afinal, o próprio Edmar Bacha diz, e Leitão o cita à página 33, que “a nossa diferença era fazer a política anti-inflacionária através de um pacto social”. Uma grande negociação com os sindicatos fez parte, por exemplo, do Pacto de Moncloa, na Espanha, que era considerado o exemplo maior de transição bem-sucedida para a democracia. O fracasso da ideia de pacto social no Brasil dos anos oitenta merecia uma história melhor. Se quisesse manter-se dentro da mesma perspectiva teórica, Leitão poderia ter recorrido, por exemplo, a um texto de Gustavo Franco em seu livro sobre o Plano Real, que discute a possibilidade de pacto social quando só uma pequena parte da população é sindicalizada (acho que era isso, cito de cabeça). Fim do parêntese.
Do ponto de vista da história do debate econômico, o trecho mais fraco do livro é o capítulo sobre o Plano Collor. O Plano Collor foi, não resta dúvida, uma desgraça. Mas muita gente respeitada apoiou aquilo, e havia argumentos econômicos do lado da turma da Zélia. No final do capítulo, Leitão conta que um amigo economista tentou justificar o plano, mas que a explicação não batia com os fatos do dia a dia da economia. Leitão usa o fracasso do plano como argumento contra seu amigo economista, mas isso não é satisfatório. Assim como no caso dos outros planos, valia a pena alguma discussão das ideias por trás do fracasso. O capítulo é, no geral, bom, porque dá a dimensão da catástrofe que foi o confisco (pelo cara, bem lembra Leitão, que no debate acusou o Lula de querer confiscar a poupança). Mas a gente já sabia que tinha sido uma catástrofe. O interessante seria saber como muita gente civilizada apoiou aquilo (o que, sem dúvida, aconteceu).
O relato sobre Collor também cai no erro comum de considerar a era Collor como uma anomalia na história política brasileira. Collor foi um desastre, mas era inteiramente mainstream. Não é verdade, por exemplo, que fosse desligado dos partidos tradicionais (quase todo o PFL, a começar por ACM, o apoiaram desde sempre), nem que tenha sido eleito como populista (ele foi o anti-Brizola muitos meses antes de ser o anti-Lula por um mês). Leitão separa em capítulos diferentes as medidas econômicas solidamente liberais de Collor dos seus atos de arbítrio mais ou menos ridículos, mas essa separação é artificial: a mesma agressividade que Leitão critica em Collor era aplaudida por vários “formadores de opinião” quando voltada contra o “sindicato do golpe”.
O livro não é forte na discussão sobre a crise do desenvolvimentismo, nem, como veremos, na análise da crise de 2008, mas descreve com competência a passagem, nos anos 90, entre a crise dos oitenta e o período liberal. A discussão sobre a renegociação da dívida por Pedro Malan é muito boa, e eu, pelo menos, fiquei com a impressão de que essa foi a grande contribuição de Malan para o país (e é uma senhora contribuição). Há um esforço de apresentar a abertura comercial e a privatização como fundamentais para o sucesso da luta contra a inflação, esforço que é razoavelmente bem-sucedido no primeiro caso, mas fracassa espetacularmente no segundo: a tese pode até ser verdadeira, mas no livro de Leitão não há evidência de que o seja.
Os capítulos sobre o Plano Real têm partes muito boas, das vacilações do Itamar até o esforço do Gustavo Franco para tornar o plano imune à contestação jurídica sofrida pelo Plano Collor. Vale dizer, a entrada em cena de Gustavo Franco, personagem excepcionalmente interessante na história, não é muito bem documentada. O leitor que, como eu, não tiver lido o documento original do Plano Larida, fica sem saber se a âncora cambial já estava no projeto original (me parece que não) ou se foi ideia do Gustavo Franco (que, no governo, foi seu principal defensor). Leitão nos informa que Franco fez seu doutorado (no MIT na página 266, em Harvard na página 267; ele mudou de universidade no meio?) sob orientação de Jeffrey Sachs (esse eu sei que era de Harvard) sobre a história dos episódios de hiperinflação do século XX (deve ser uma tese legal, a propósito). Segundo o livro, Sachs não dava lá muita bola para a pesquisa do Franco até virar assessor do governo da Bolívia nos anos oitenta, quando percebeu a importância do tema. Quando Gustavo Loyola deixa a presidência do BC depois da solução da crise bancária dos anos noventa (outro ponto em que o livro é bastante informativo), é substituído por Franco (se entendi bem, depois de Armínio Fraga ter recusado o cargo, que assumiria em 1999). Franco, eventualmente, seria a figura mais polêmica do primeiro mandato de FHC.
Logo depois da crise do México – isto é, mal foi FHC eleito – começou o debate sobre o que se faria com a âncora cambial. A dificuldade com a paridade cambial era óbvia, e alguns desses temas voltaram à discussão recentemente, com a valorização (desta vez espontânea) do Real: o Real forte prejudicava nossas exportações e exigia juros altíssimos (que fazem os atuais parecerem indistinguíveis de zero) para sua sustentação, o que, por sua vez, elevava a dívida pública. A ala “desenvolvimentista” do tucanato – Serra, Mendonça de Barros, a turma de sempre – começou a reclamar disso bem cedo, no que concordava com gente de sólido pedigree PUC, como Pérsio Arida e Francisco Lopes. Um dos melhores momentos do livro é a história desses debates dentro do governo. Leitão, inclusive, foi a jornalista que primeiro teve acesso aos documentos produzidos por Mendonça de Barros para consumo interno do governo, prevendo (até por ter sido alertado por Fraga, à época trabalhando para o Soros, que a Ásia não ia lá muito bem) que o negócio do câmbio deveria ser objeto de análise pelo célebre ministério proposto pelo Chico Buarque.
A âncora cambial reelegeu Fernando Henrique e, efetivamente, segurou a inflação durante o primeiro mandato. Mas suas consequências foram catastróficas. Leitão se esforça para tirar suas preferências políticas da frente ao narrar as barbeiragens do final do primeiro mandato FHC, mas o que falta no capítulo sobre Collor em análise da discussão econômica, sobra no capítulo sobre o câmbio, enquanto a descrição do apocalipse, que sobra no primeiro caso, falta no segundo. O leitor desavisado sai do livro sem saber direito o que foi o “Setembro Negro” de 1998, em que o Brasil perdeu 1 bilhão de dólares em reservas por dia. É dito que a oposição acusou FHC de estelionato eleitoral, mas é difícil não ter a impressão de que, estivesse tratando de qualquer outro presidente analisado, Leitão teria feito a acusação ela mesma. FHC bancou o câmbio do Gustavo Franco para se reeleger, e isso teve um custo bastante alto para o país.
Deus abençoe, a propósito, a reeleição de FHC: FHC2, muito mais que o Lula, recebeu uma herança maldita de FHC. Imaginem o que teria sido um governo Lula, Ciro ou, aliás, Serra que tivesse, como FHC2 teve, que desvalorizar o Real dias depois de tomar posse. O quão generosos teriam sido os FHCistas com esse governo? Eles admitiriam que, se fossem governo, também desvalorizariam? Ou apostariam no discurso “viram só, nós construímos o Real, eles acabaram com o Real”?
O debate sobre o câmbio é mesmo complexo. Gustavo Franco é o bode expiatório de muitas histórias sobre o Plano Real (é a maneira de livrar a cara do FHC, que apoiou a âncora cambial até a eleição). Não há dúvida de que seu esforço de segurar o câmbio até a eleição de 98 produziu vários resultados ruins. Se o sistema bastante diferente implementado por Armínio Fraga em 1998, baseado em metas de inflação, não tivesse sido bem-sucedido, a era FHC poderia ter entrado para a história como um espetacular fracasso econômico.
Mas aqui cabe uma ressalva. Lendo o livro de Leitão (ou arriscando confiar na minha memória), não se depreende que os críticos de Franco durante o governo FHC propusessem o sistema de metas de inflação. Suas propostas, tanto quanto eu sei (isso é uma ressalva maior do que vocês imaginam) eram mais ou menos semelhantes à espetacularmente batizada “banda diagonal endógena” de Francisco Lopes, que colapsou atabalhoadamente entre a queda de Franco e a ascensão de Fraga. Não vi, até hoje, argumentos que me provem que o Larida poderia ter funcionado sem o câmbio do Gustavo Franco. O sistema de metas de inflação poderia ter sido implementado, digamos, em 1995, logo após a URV ter desmontado a indexação? Alguém propôs isso? Teria sido possível? Perguntem aí para alguém que entenda de economia. Mas o fato é que saí do livro como entrei, com a perfeita consciência de que o Plano Real deu certíssimo, mas sem saber exatamente: (a) o que exatamente deu certo? A URV? O Câmbio? Os juros altíssimos?; o que é importante para responder (b) o quanto do custo social do plano era inevitável?
Com tudo isso, Leitão ao menos diz com clareza algo que quase nunca aparece no discurso tucano: as várias crises que abalaram o Brasil nos anos 90 – Tailândia, Rússia, etc. – nos pegaram em cheio porque vários desses países também tinham câmbio fixo. Leitão diz, com todas as letras: “políticas cambiais iguaizinhas à nossa estavam sendo derrubadas pelo mundo afora” (p. 363). Isto é: as crises abalaram o governo FHC, mas o tamanho do efeito também foi função da política econômica implementada na época (que, por outro lado, também teve seus sucessos). Até outro dia, pelo menos, tinha tucano dizendo que tudo de ruim que aconteceu sob FHC foi por causa da crise da Tailândia (ou do México), aquilo é que foi crise, essas aí que o PT tem que encarar, dos EUA, do Euro, não são de nada, o que são os EUA comparados à Tailândia?
Há outro tema controverso sobre o governo FHC que não interessou muito a autora: a passagem da dívida pública de 33 a 55% do PIB em oito anos (cito de cabeça, mas com alguma convicção). Parte foi reconhecimento de velhas dívidas (o que foi certo), mas muita gente reclamou que parte foram os juros (para quem não lembra, eles chegaram a algo como 50%). Há ainda quem diga que o problema foi que o FHC, apesar da fama de mau, teve uma política fiscal meio banana (Leitão admite, por exemplo, que não foi um governo de austeridade fiscal – cf. p. 354). É interessante que Leitão, que achou que valia a pena lembrar que, nos últimos dois anos do governo Lula, a dívida como proporção do PIB subiu (depois de cair bastante nos primeiros seis anos da era Lula, e entre as duas fases aconteceu um negócio aí qualquer importante, daqui a pouco eu lembro o que foi), não achou que merecia discussão o fato de que essa mesma proporção, no governo FHC, dobrou. Mesmo se você achar que não foi culpa do FHC, valia discutir, não?
O capítulo sobre a era Lula é curto, se limitando a dizer que Lula deu continuidade ao regime de metas de inflação. Isso não prejudica tanto o livro, porque em 2002 o principal da história com que a obra se ocupa já tinha acontecido: a sequência Real-Metas de Inflação (implantada, repito, pelo PSDB) já tinha desmontado a bomba inflacionária que o regime militar deixou de herança para a nova democracia brasileira. É verdade que Leitão não faz referência às políticas bem-sucedidas de Lula que nos ajudaram a enfrentar a crise, desde a compra da dívida em dólar antes da crise, até as reduções fiscais depois. Enfim. Em defesa do capítulo, repito: ele é curto.
Finalmente, não há como não dizer que a análise da crise de 2008 (ah sim, lembrei o que aconteceu em 2008) é, sem comparação, a pior parte do livro. Na bibliografia há apenas uma obra sobre a crise, de autoria do ex-secretário do Tesouro Hank Paulson, e o déficit de profundidade do livro aqui, pela primeira vez, vai além do aceitável. Leitão começa dizendo que, em decorrência do 11 de Setembro (não conheço referência de estudo dizendo que o 11 de Setembro teve impacto sobre a crise de 2008; se Leitão conhece, valia citar) e da crise da bolha da Internet, o governo Bush reduziu demais os juros. O mesmo governo fez um esforço injustificado de promover a qualquer custo o acesso à casa própria, foi passivo diante da desregulamentação econômica e dos excessos do mercado financeiro, e aí vocês viram no que deu.
Sou velho o suficiente para aguentar Leitão falando mal do meu partido, mas jamais a perdoarei por me fazer defender o Bush, o que, entretanto, vou ter que fazer aqui. Os planos de encorajamento da casa própria já vinham de bem antes do governo Bush, assim como a desregulamentação financeira. Não há, aliás, evidências fortes de que os planos de encorajamento tenham desempenhado um papel importante na gestação da crise; isso é papagaiada de quem acha que, no fundo, a culpa deve ser do governo, o mercado nunca erra. A passividade diante dos excessos do sistema financeiro foi, sim, um erro gravíssimo, mas tampouco começou durante a era Bush. É verdade, a ideologia “papai mercado sabe tudo” que justificou a coisa toda começou a ser difundida pelo partido republicano, mas os democratas não a questionaram quando estiveram no governo.
Mesmo a crítica da política do FED é difícil. Em retrospecto, os juros parecem ter sido baixos, mas, se o FED tivesse elevado juros sem maiores riscos de inflação (o que era o caso), como teria sido tratado? A bolha talvez fosse evitada (isso não é certo), mas ninguém saberia o que teria acontecido se ela tivesse estourado, e ninguém gosta muito dessas sutilezas: vejam como se comportam os que acham que o estímulo fiscal nos EUA foi um erro (sem levar em conta o que teria acontecido sem ele). Finalmente, não há uma única menção à dimensão internacional da crise, o acúmulo de poupança na Ásia que muita gente boa acha que pode ter desempenhado algum papel na história da crise. Vale torcer, finalmente, para que as análises atuais de Leitão sejam informadas por um diagnóstico mais cuidadoso da crise de 2008.
Concluindo: uma boa obra, que ajuda a preparar o caminho para o excelente livro sobre o período que algum economista ainda vai escrever. A parte mais claramente partidária é meio desnecessária, uma vez que esse é o livro fácil para tucano escrever (foi mesmo o PSDB quem acabou com a hiperinflação que vinha dos anos oitenta), os trechos partidários sendo como dribles a mais com o gol já aberto. O risco, nesse caso, é perder leitores que não compartilhem da perspectiva política da autora — um contingente razoável, a crer nos últimos boletins de apuração publicados pelo TSE. Meu conselho a estes leitores é que não se deixem abater pelas firulas e continuem a ler o que é, no fim das contas, um bom livro.
——
PS: só por curiosidade, note-se que Leitão dá uma ridicularizada na turma que dizia que colocar Armínio Fraga no BC era colocar a raposa para cuidar das galinhas, mas na p. 411 usa a mesma imagem para criticar uma nomeação de Bush. Às vezes dá certo, às vezes não dá, o mundo é complexo.
——
::: Saga brasileira: A longa luta de um povo por sua moeda ::: Miriam Leitão :::
::: Record, 2011, 476 páginas :::
::: compre no Submarino ou na Livraria Cultura :::
Celso Barros
Mestre em Sociologia pela Unicamp e doutor por Oxford.
-
Transeunte
-
http://napraticaateoriaeoutra.org NPTO
-
-
Kleiton
-
http://napraticaateoriaeoutra.org NPTO
-
-
http://www.bacci.com.br/andre/blog André Luis Ferreira da Silva Bacci
-
http://napraticaateoriaeoutra.org NPTO
-
-
Ticão
-
http://napraticaateoriaeoutra.org NPTO
-
-
Hugo Silva
-
aiaiai
-
http://napraticaateoriaeoutra.org NPTO
-
-
Marola
-
http://napraticaateoriaeoutra.org NPTO
-
-
Gustavo Cortes
-
http://napraticaateoriaeoutra.org NPTO
-
http://www.muitopelocontrario.com fscosta
-
-
-
Marola
-
1berto