O livro de Robert P. Crease sobre a história das fórmulas matemáticas é uma narrativa leve e gostosa
por Carlos Orsi
Devo confessar que minha primeira reação, ao iniciar a leitura de As grandes equações, de Robert P. Crease, foi de uma certa frustração. Mas, nesse caso, a culpa é minha: aproximei-me do livro tendo como parâmetro algo como It must be beautiful: Great equations of modern science, um volume publicado pela Granta, em 2002, com ensaios sobre equações fundamentais para a ciência moderna.
A comparação, no entanto, é injusta: o volume da Granta é uma antologia que reúne textos de gigantes como o nobelista de Física Steven Weinberg, o matemático Roger Penrose e o biólogo evolucionista John Maynard Smith. Já o livro de Crease foi escrito apenas por Crease, um filósofo e historiador da ciência, trabalhando sozinho.
A diferença de foco e de intenção entre os livros também é clara: enquanto que a antologia da Granta é feita de ensaios que podem ser lidos isoladamente, e cada um deles é uma descrição aprofundada da equação em estudo – o texto de Penrose sobre a Relatividade Geral até se permite oferecer ao leitor algumas pinceladas de cálculo tensorial –, o de Crease é um todo orgânico, onde os detalhes técnicos e matemáticos importam menos que o fluxo da história e da filosofia por trás da ciência das ideias científicas.
Enfim, As grandes equações é um livro primeiro de história, depois de filosofia, depois de biografia e, apenas em último lugar, mas não menos importante, de ciência. Não se trata de uma falha, mas de uma escolha consciente do autor. As “grandes quações” do título são menos objetos de estudo do que placas pelo caminho da história do pensamento científico, que é o que o autor quer contar.
Esse foco às vezes torna a discussão da ciência em si um pouco ligeira demais (ao menos para o meu gosto) e, em pelo menos um caso, no capítulo sobre a fórmula de Euler, um tanto quanto confusa: Crease apresenta a dedução da fórmula eπi+1=0 sem primeiro explicar ao leitor o que é uma série convergente ou um fatorial, dois conceitos essenciais para que o processo faça sentido.
No entanto, a conversa filosófica que permeia o livro, indo do teorema de Pitágoras à equação de onda de Schrödinger e ao Princípio da Incerteza de Heisenberg, é fluida e agradável. Platão e Pitágoras reaparecem várias vezes, e a descrição do nascimento do conceito físico de campo – como o campo eletromagnético – no trabalho de Maxwell, no século 19, é não só interessante do ponto de vista científico como também humano, e bastante esclarecedora.
Crease tem ainda o mérito de manter os pés firmemente no chão ao tratar das duas equações fundamentais da física quântica, com as quais fecha o livro. Nada de mistérios místicos ou espiritualidade oculta nas entrelinhas: sem negar a estranheza fundamental do mundo quântico, o autor diz apenas que esse mundo é habitado por “um novo tipo de objeto”, com o qual não estamos acostumados.
Assim como o tom simples e informal do livro e a narrativa leve e gostosa, essa humildade merecem o nosso aplauso.
A tradução para o português, de Alexandre Cherman, é correta e não prejudica o fluxo do texto. No entanto, creio ter encontrado dois casos em que o uso de falsos cognatos atrapalha a leitura – a mim, ao menos, fizeram-me saltar para fora do livro. Em um ponto, o texto em português diz “fábrica”, quando me parece que o original teria dito “fabric” (“tecido”); em outro, o contexto sugere que o original dizia “comprehensive” (“amplo”, “completo”, “abrangente”) e a tradução crava “compreensivo”.
Mas são questões menores na versão brasileira de uma obra que o público nacional, tão carente de boa educação e bom pensamento sobre ciência, deveria conhecer.
::: As grandes equações ::: Robert P. Crease (trad. Alexandre Cherman) :::
::: Zahar, 2011, 280 páginas :::
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Carlos Orsi
Jornalista e escritor, com mais de dez livros publicados. Mantém o blog carlosorsi.blogspot.com.