A verdadeira questão é se a Venezuela se juntará ao consenso hemisférico agora ou mais tarde
Francisco Toro, no New York Times / 5 de outubro
Enquanto Hugo Chávez, o ícone da esquerda latino-americana, dá duro para se manter no emprego, é tentador fazer a leitura da apertada eleição venezuelana de amanhã como um possível sinal do retorno à direita da região. Isso seria um erro, porque a questão que ocupa a América Latina há doze anos não é “esquerda ou direita?”, mas “qual esquerda?”.
Estrangeiros frequentemente interpretam a virada à esquerda da América Latina nos últimos anos como um movimento de líderes a uma só marcha ideológica. Mas, no interior da região, as linhas de divisão sempre foram claras.
Regimes revolucionários radicais na Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua se juntaram a Cuba, o avô da extrema-esquerda, em um bloco determinado a confrontar o mundo capitalista, mesmo que isso signifique um governo cada vez mais autoritário.
Um conjunto mais moderado de líderes no Brasil, Uruguai e Guatemala colocaram no jogo uma alternativa: redução da pobreza por meio de amplas reformas sociais, sem dar as costas às instituições democráticas ou direitos de propriedade privada.
Como filho predileto de Fidel Castro, Chávez sempre foi o líder da ala radical. E o tamanho e poder econômico do Brasil transformaram-lhe no líder natural da ala reformista.
Da boca para fora, os dois campos sempre se esforçaram para negar que existia qualquer divisão. Houve muitas palavras de solidariedade e muitos acordos regionais de integração. Mas, a portas fechadas, cada lado é frequentemente desdenhoso para com o outro, com os apoiadores de Chávez vendo os brasileiros como apaziguadores da burguesia, enquanto os brasileiros zombam do radicalismo datado e incompetência crônica de Chávez.
Há apenas cinco ou seis anos atrás, havia uma competição ideológica real. Um presidente americano imensamente impopular, com queda para aventureirismo militar, ajudou Chávez a reunir o continente contra Washington. Um país após o outro se juntou ao eixo radical. Primeiro Bolívia, depois Nicarágua, Honduras e Equador se juntaram ao chamado dos radicais em 2005 e 2006.
Agora, a paisagem política está quase inteiramente transformada. A vitória de Barack Obama em 2008 solapou seriamente a habilidade dos radicais de unir uma oposição ao imperialismo gringo. Ao mesmo tempo, a alternativa estava se tornando cada vez mais atraente.
O impressionante sucesso do Brasil em reduzir a pobreza fala por si mesmo. Partindo de uma base de estabilidade macroeconômica e instituições democráticas estáveis, Luís Inácio Lula da Silva, que foi presidente de 2003 a 2010, liderou o mais impressionante período de mobilidade social da memória viva da América Latina.
Enquanto milhões de brasileiros ascenderam à classe média, os excessos autocráticos de Chávez começaram a aparecer aos venezuelanos como desnecessários e indesculpáveis. O Sr. da Silva e sua sucessora, Dilma Rousseff, mostraram que, para lutar contra a pobreza, um país não precisa investir contra as cortes, expurgar o exército ou politizar o banco central. O Brasil prova isso, dia após dia.
Não foram apenas as instituições democráticas que sofreram por conta do radicalismo de Chávez; a economia também sofreu. A tradicional dependência venezuelana das exportações de petróleo se agravou, com 96 por cento da receita de exportação vindo agora da indústria petrolífera, acima dos 67 por cento de quando Chávez assumiu o cargo. Siderúrgicas nacionalizadas produzem uma fração do que haviam planejado, forçando o Estado a importar a diferença. E serviços de eletricidade nacionalizados empurram o país para a escuridão várias vezes por semana. O contraste com a economia brasileira de alta tecnologia, empreendedora e orientada para a exportação não poderia ser maior.
Apesar de todo o papo de transformação radical, as estatísticas venezuelanas de mortalidade infantil e analfabetismo adulto não melhoraram mais rapidamente em seu governo do que melhoraram nas várias décadas antes de ele chegar ao poder.
Com as instituições de vigilância neutralizadas, o presidente atualmente lidera o país como um feudo pessoal: expropriando empresas ao bel prazer e decidindo quem vai para a prisão. Juízes que decidem contra os desejos do governo são rotineiramente demitidos, e um já foi preso. O socialismo estilo Chávez parece como o pior dos dois mundos: tanto mais autoritário e menos efetivo em reduzir a pobreza do que a alternativa brasileira.
E a região percebeu isso. O momento chave veio em abril de 2011, quando Ollanta Humala venceu a presidência peruana. Há muito visto como o mais radical da nova leva de líderes da América Latina, o Sr. Humala concorreu em 2006 com um projeto ao estilo de Chávez, e perdeu. Ano passado, ele viu o rumo em que o vento estava soprando, se refez à imagem de um moderado brasileiro, venceu o pleito e passou a governar – até aqui, com sucesso – em um molde brasileiro.
Agora, numa indignidade final, o Sr. Chávez está enfrentando uma corrida de reeleição apertada contra Henrique Capriles Radonski, um governador progressista de 40 anos que exalta as virtudes do modelo brasileiro.
Embora o governo de Chávez tenha feito o seu melhor para pintar uma caricatura do Sr. Capriles como um oligarca direitista à moda antiga, ele sem dúvida faz parte do modelo centro-esquerdista brasileiro: Capriles se lança como um reformador ambicioso mas pragmático, comprometido em acabar com os excessos autoritários da era Chávez.
O resto da América Latina já passou pela batalha ideológica em que a Venezuela continua presa. No geral, as outras nações fizeram sua escolha. A verdadeira questão na eleição de amanhã é se a Venezuela se juntará ao consenso hemisférico agora ou mais tarde.
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