David Grossman escreveu "Fora do Tempo" como uma homenagem a seu filho, morto no último conflito com o Líbano.
Um casal perde o filho na guerra. Como quaisquer pais, nunca imaginaram que seu filho fosse morrer antes deles. E como uma morte assim, prematura, inesperada, pudesse ser tão incompreensível para aqueles que ficam. David Grossman escreveu Fora do tempo como uma homenagem a seu filho, o sargento israelense Uri Grossman, morto nos conflitos do Líbano poucos dias antes do cessar-fogo que seu pai tanto apoiara. A dor da perda, imensa a ponto de não amainar depois de anos, moveu Grossman a escrever para ele, sobre a morte dele. E se há alguma beleza nesse tipo de sofrimento, ela está toda contida nesse volume de breves páginas.
Em Fora do tempo, Grossman transforma prosa em poesia. Um homem sentando na cozinha de sua casa certo dia decide ir para “lá”, para onde foi o filho morto. O diálogo que se dá entre ele e sua mulher revela logo ao leitor a intensidade da história exposta em versos: palavras milimetricamente medidas, pensadas para conter a dor e externá-la através da poesia. Um feito que, em português, já seria difícil conceber. Traduzir do hebraico para nossa língua, então, parece ser ainda mais complicado – como o próprio tradutor, Paulo Geiger, explica na nota de introdução do livro.
Acompanhando esse homem inconformado com a perda do filho está o Anotador dos Anais da Cidade, uma pessoa que a mando do Duque recolhe todas as informações sobre os habitantes do lugar. Esse homem vigia pelas janelas a vida de outras personagens que também perderam sua prole: em acidentes fatais, afogamentos, descuidos, adolescentes ou ainda pequenos. A parteira e o sapateiro. O caminhante e sua mulher. Ele mesmo e sua esposa perderam a filha. E, por último, o Centauro, um ser meio escritor, meio escrivaninha, que vive em sua casa atulhada com as lembranças do filho perdido, impossibilitado de levantar enquanto não colocar no papel, em palavras, o significado de sua morte.
DUQUE:
Ele morreu em agosto, e quando chegou
o fim
daquele mês,
pensava eu o tempo todo, como poderei
passar a setembro
se ele fica
em agosto? [p. 121]
Mesmo com breves parágrafos de narrativa convencional – a maioria escritos pelo Anotador, outros pelo Centauro –, são os versos que fazem tomar forma toda a prosa de dor e saudade das personagens de Grossman. Elas tentam reencontrar seus filhos, entender sua partida, esquecê-los para que parem de sofrer, mas sem serem desrespeitosos com sua memória. Procuram entender, ainda, como conseguem sobreviver à suas ausências, à cicatriz que a perda deixou em seus lares e vidas. Se há algum receio em encarar a poesia, ela se esvanece em Fora do tempo, e a leitura enriquece quando feita em voz alta, na entonação certa. A poesia de seus versos confere ainda mais sentimento a essa história de inconformismo, de esperança de um reencontro e incerteza de um futuro.
Nessas poucas páginas não faltaram palavras de Grossman para definir o sofrimento da perda de um filho. Ao contemplar a infância e a juventude desde, o que deseja-lhe é um futuro tranquilo e feliz, e não o fim precoce da vida. Grossman pôs em palavras toda a dor que essa morte inesperada traz – mesmo quando em guerra, a esperança é, sempre, que um filho volte vivo. Emociona e faz o leitor entender que tal dor e amor não são medidos nem em peso ou tamanho. Que essa dor não tem cura. É possível conviver com ela, colocá-la nas páginas de um livro, mas jamais esquecê-la.
::: Fora do tempo :::
::: David Grossman (trad. Paulo Geiger) :::
::: Companhia das Letras, 2012, 176 páginas :::
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aglaé