Talvez o maior vitorioso nestas eleições tenha sido o PSOL.
Eu fiquei tuitando sobre as eleições ontem, e reuni todas as bobagens que escrevi no calor da hora em um post que aproveita a ferramenta do WordPress para incorporar tuítes. Está tudo aqui. Não preciso ficar me repetindo, então vou para uma análise mais geral, que não repita o que já foi dito pela multidão de analistas mobilizados pela mídia desde ontem.
A primeira pergunta que está na cabeça de todo analista é: quem ganhou as eleições?
Não existe uma resposta simples para isso. Em primeiro lugar, porque os partidos não têm posição definida no espectro político. Todos eles servem de legenda de aluguel em maior ou menor grau, e todos os políticos se aproveitam da extrema permissividade da nossa legislação partidária e eleitoral para driblar o eleitor e mudar de lado conforme o que lhe traga maiores benefícios na carreira. Chefes de executivo tendem a sacrificar os próprios partidos para aumentar seu poder, barganhando acordos espúrios com partidos pequenos. Isso explica porque o PT e o PSDB, que dominam a presidência da República e a discussão macro política desde 1994, não lideram nas eleições municipais. Pelo viés contrário, o PMDB continua sendo o maior partido nos municípios, justamente porque abre mão de um protagonismo nacional em prol das peculiaridades regionais. É uma federação de partidos locais, à qual não interessa ter um projeto nacional muito consistente.
Estes três partidos saíram como os maiores desta eleição, como demonstram as interessantes estatísticas do Estadão. O PMDB recebeu 13,9 milhões de votos no primeiro turno, elegeu 1020 prefeitos em primeiro turno, que governarão municípios que somam 20,9 milhões de eleitores. Além disso, colocou 16 candidatos no segundo turno, que em caso de vitória agregam mais 5,7 milhões ao eleitorado governado por seus prefeitos. Mas o PMDB encolheu. Tinham sido 18,7 milhões de votos no primeiro turno de 2008, com 1.193 prefeitos. Parte deste encolhimento se explica pelas mudanças de partido – fator que também tinha sido decisivo no bom resultado de 2008, quando o PMDB acolheu diversos lulistas que não eram de seus quadros históricos.
O PSDB encolheu muito mais. De 14,7 para 9,5 milhões de votos no primeiro turno, comparando 2008 e 2012. O número de prefeitos eleitos em primeiro turno caiu de 787 para 692. Qualquer avaliação mais significativa sobre o papel do PSDB nesta eleição vai depender do resultado que será obtido por José Serra no segundo turno em São Paulo. E o interessante é que, do ponto de vista da política nacional, qualquer resultado será ruim pra ele: ganhar prejudica suas ambições presidenciais, mas perder praticamente acaba com elas.
Na verdade, as derrotas do PSDB são mais significativas se pensarmos o aspecto qualitativo. Em Minas Gerais, o partido encerrou seu ciclo de liderança política. Quando Anastasia terminar seu mandato em 2014, o PSDB só terá um candidato do PSB para lançar, e que foi construído a partir da coligação do PT, quando Aécio manipulou corretamente a ambição de Fernando Pimentel. A capacidade de construir a candidatura de Patrus Ananias em cima da hora foi uma grande demonstração de força do PT de Belo Horizonte. É preciso lembrar que, até um dia antes do registro das candidaturas, o PT ainda estava na chapa de Lacerda. A ruptura partiu de uma ordem da Aécio, mas quem ganha é a democracia.
Talvez a principal derrota do PSDB tenha sido no Paraná. O governador Beto Richa tentou essa manobra de minguar o próprio partido para fortalecer sua liderança pessoal. Deu errado. O cálculo feito era o seguinte: isolar Gustavo Fruet no PSDB, porque interessava mais ter um prefeito títere como Luciano Ducci (PSB) do que um correligionário mais capacitado. O problema para Richa é que Fruet foi mais esperto: recusou uma secretaria estadual e não ficou esperando ser fritado. Saiu do PSDB e costurou uma candidatura pelo PDT, aliando-se tanto ao PV (com apoio de Marina Silva) quanto ao PT (com apoio de Lula e Dilma, mas principalmente da ministra Gleisi Hoffman, que receberá retribuição em 2014 como candidata ao governo do estado). A vitória contra Richa em Curitiba é também o resultado de todo o trabalho de Lula para convencer Osmar Dias em 2010. Por pouco ele não esteve com o governador do PSDB, e só aquela dissidência lá permitiu a aliança com Fruet agora.
A derrota de Ducci foi inesperada, pois era um prefeito bem avaliado nas pesquisas e contava com as máquinas da prefeitura e do governo do estado – usadas sem a menor cerimônia, como sempre foi por aqui. A derrota de Ducci tem um profundo significado democrático, quando pensamos a história política do Paraná e de Curitiba no aspecto da longa duração — um estado profundamente conservador, que nunca rompeu com a política do Regime Militar, exceto por dois governos municipais do PMDB (Maurício Fruet entre 1983-85, e Roberto Requião entre 1986-88). A volta de Jaime Lerner em 1989 marcou o início de uma seqüência de 24 anos sem alternância política. Dá pra imaginar o que significa isso em termos de sequestro da estrutura pública por grupos privados e interesses escusos?
O fato é que as gestões conservadoras conseguiam manter sua aura pela qualidade da organização do espaço urbano em Curitiba, que sempre havia colocado a cidade como destaque em relação a outras capitais. Mas agora ficou evidente como nem mesmo a gestão urbanística está funcionando. Curitiba ainda vive do planejamento estruturado por Jaime Lerner nos tempos em que era prefeito biônico nomeado por Ney Braga. Evidente que a estrutura planejada na década de 1970 já entrou em colapso, e não existe nenhum tipo de planejamento em seu lugar.
PMDB e PSDB perderam espaço, mas nada que prejudique seu protagonismo nacional. Continuarão sendo respectivamente o principal aliado do governo do PT e o principal partido de oposição. O mais relevante é que o PT recuperou certo dinamismo nas eleições municipais, comparável somente ao obtido naquela “onda vermelha” das eleições de 2000 — isto é, quando se olha a importância das prefeituras conquistadas ou das cidades em que estará no segundo turno; em relação ao número absoluto de votos, o PT regrediu em comparação com o primeiro turno de 2008, caindo de 16,6 para 12,1 milhões de votos. Parte do fenômeno pode ser explicado pelo que aconteceu em Curitiba: o PT preferiu apoiar um candidato capaz de furar a hegemonia do grupo de Beto Richa a partir de uma dissidência interna. É uma coisa mais ou menos inevitável em coalizões tão amplas. Cedo ou tarde, alguém de dentro do grupo acaba virando adversário.
É o que parece estar acontecendo com o PSB de Eduardo Campos. A vitória em Belo Horizonte acaba sendo mais uma vitória do governador de Pernambuco que de Aécio Neves. É o que afirma a análise de Marcos Nobre – o PSB inverteu a lógica, e pode vir a ser a dissidência do lulismo a ser apoiada pelo PSDB em 2014 ou 2018. O PSB foi o partido que mais cresceu, aproveitando-se do tino de Eduardo Campos para romper alianças com o PT em Belo Horizonte, Recife e Fortaleza. Em número de votos, o Partido Socialista saltou de 5,7 para 7,1 milhões. O número de prefeitos eleitos em primeiro turno saltou de 308 para 433, e o eleitorado a governar saltou de 5,6 para 11,3 milhões. Ou seja, em importância das cidades que irá administrar, o PSB praticamente dobrou de tamanho. Há duas consequências possíveis: o PSB ganha mais status na coligação de Dilma, o que só poderia acontecer com o sacrifício da posição de partidos menores, ou o PSB aproveita o cacife para construir uma alternativa consistente já em 2014. Quem viver verá.
Outros protagonistas assumem muita importância a partir destas eleições. O recém-criado PSD já se posiciona como 5º maior partido, tendo recebido 5,2 milhões de votos e elegido 493 prefeitos que governam um eleitorado de 7,5 milhões. Já pensaram se o partido resolve apoiar alguém do PSB em 2014? Mas talvez o maior vitorioso nestas eleições tenha sido o PSOL. No Rio de Janeiro, Marcelo Freixo foi um fenômeno somente comparável ao de Marina Silva em 2010: fez muito mais votos do que seria de se esperar de sua estrutura de campanha. O PSOL elegeu quatro vereadores na cidade maravilhosa, e pode-se esperar que eles sejam a base de uma mobilização saudável na rediscussão de um espaço urbano completamente falido como estrutura. O PSOL também tem dois candidatos no segundo turno em capitais — Belém e Macapá.
No cômputo geral, considero possível perceber dois grandes movimentos: em primeiro lugar, há uma demanda por melhoria da qualidade dos espaços urbanos, que o eleitor tentou forçar movimentando-se em direção ao melhor que estava à sua disposição. Os partidos continuam a sofrer de um caciquismo míope, fazendo conchavos e oferecendo um mero rebotalho. O eleitor pega o que lhe oferecem e bagunça tudo, procurando dar uma mensagem explícita.
Ninguém provavelmente fez isso mais do a tal “nova classe C”, que vem ascendendo com as políticas de distribuição de renda. Os fenômenos de Russomano em São Paulo, Paes no Rio de Janeiro e Ratinho em Curitiba podem ser creditados a esse eleitorado, que é conservador porque está em ascensão. Todo o preconceito médio-classista contra esse tipo de político já está sendo destilado vigorosamente no Facebook, especialmente em Curitiba.
Mais do que xingar os hábitos bregas dos trabalhadores pobres em ascensão, será preciso um movimento político que saiba captar seus anseios políticos e culturais. Quem souber dialogar com as novas massas terá a chave política para ser relevante nos próximos anos. As eleições de 2012 podem ser consideradas muito importantes como movimentação neste sentido.
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Edu
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http://andreegg.org André Egg
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Monka
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JOSé AERTON RODRIGUES DA SILVA
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http://www.vozdotrovao.wordpress.com Gabriel Cavalcante