Quanto de novidade a inesperada aliança entre Marina Silva e Eduardo Campos traz para o cenário político brasileiro?
1.
Na última eleição, Marina Silva tinha recém-saído do PT para ser candidata a presidente pelo PV. Tinha pouca estrutura partidária e nenhum tempo de TV. Uma biografia política sólida e um discurso mais idealista típico dos candidatos que não têm chance de ganhar. Mas ela tinha chance de ganhar, tanto que beirou chegar à segunda colocação e superar José Serra por uma vaga no segundo turno. E o segundo turno só ocorreu por causa dos votos que Marina tirou de Dilma. Ela foi, por exemplo, a mais votada em Belo Horizonte, cidade natal da candidata que acabou eleita em 2010 (39% dos votos válidos, contra 30% de Dilma e 28% de Serra). Ficou em segundo lugar no município do Rio de Janeiro, com larga vantagem (43% para Dilma, 31% para Marina e 21% para Serra).
Pouco tempo depois da eleição, Marina se viu com a dura tarefa de sobreviver politicamente na estrutura mofada do PV, um partido tão ruim como todos os que existem no Brasil – ou melhor, um partido que está entre os piores em termos de caciquismo e falta de democracia interna.
A solução vislumbrada pelo maior fenômeno político recente do país foi sair do PV e começar o movimento para criar um partido novo. Não era apenas mais um partido como todos os montes que já temos. Era para ser um partido diferente – surgido da mobilização, e não uma estrutura burocrática feita para acomodar cargos e interesses na máquina pública. Alguém poderia dizer que aí existem semelhanças com o PT dos anos 1980, mas vamos lembrar que o PT surgiu com grande presença na máquina sindical sustentada por imposto obrigatório e unicidade, duas características de inspiração fascista que Getúlio colocou na nossa legislação sindical, e um dos muitos entulhos autoritários que ainda não conseguimos desmanchar.
Por outro lado, a militância espontânea (e não sustentada por imposto sindical) que havia no início do PT era na maior parte devido à esquerda católica, e se beneficiava de toda a estrutura legada pelos anos de Vaticano II, Puebla e Medellín, e um clero formado pelas ideias da Teologia de Libertação. Sobrava ainda um caldo de militância profissional oriunda do antigo Partido Comunista (rachado em PCB e PCdoB desde 1962 e diluído na estrutura de vários movimentos contra o regime militar e em parte existindo como estruturas clandestinas dentro do MDB).
A proposta de criação da Rede Sustentabilidade não tinha grande semelhança com este caldo histórico que formou o PT. Exceto que o novo partido proposto por Marina ia sendo construído com a colaboração de vários políticos desejosos de sair de partidos como o PT, o PV ou o PDT para militar numa nova estrutura de esquerda mais arejada. Além deles, existiam todos aqueles “marineiros” espontâneos que formaram novas expectativas políticas na eleição de 2010, que não tinham militado em nenhum dos partidos existentes, cansados da mesmice PT-PSDB que vem dominando a política nacional há bons 20 anos.
Para entender um pouco do que seja a proposta de criação deste novo partido, é interessante assistir a entrevista de Marina para o Roda Viva em fevereiro último (primeiro bloco aqui) – programa no qual ela passou a maior parte do tempo tentando explicar para entrevistadores comprometidos com a mesmice porque, mesmo o Brasil já tendo tantos partidos, ainda era necessário criar mais um.
Que o partido de Marina era mesmo bem diferente, atesta-o o fato de que sua criação tenha sido barrada na burocracia cartorial dos tribunais eleitorais. Que uma liderança política, da magnitude dos seus 20 milhões de votos, não consiga ter sua mobilização reconhecida, é um ridículo que só aumenta pelo fato de partidos como o Solidariedade ou o POS não terem problemas para surgir e aumentar a miríade de partidos que já estão aí e não servem para nada.
Aliás, isso faz lembrar que a única coisa que merece reforma na legislação eleitoral brasileira é justamente a parte inexistente para garantir funcionamento minimamente democrático dentro dos partidos (ver também neste sentido o recente texto de Hugo Silva aqui no Amálgama). Neste debate sobre reforma política promovido pelo Departamento de Ciências Sociais da UFPR, foi levantada a questão de que o Brasil é muito grande para se ter a exigência de que todos os partidos sejam obrigatoriamente nacionais. Demétrio Magnoli também escreveu sobre esta questão dos partidos e a dificuldade de Marina num editorial para a Gazeta do Povo, que é praticamente o único texto dele com o qual eu já concordei na vida.
2.
Bem, o fato é que ficou definido inapelavelmente pelo TSE que Marina não poderia ter seu partido registrado. Sabe-se lá por qual bondade eles decidiram isso na quinta-feira, ou seja, Marina ainda teria a sexta para se filiar a algum partido a tempo de disputar as eleições de 2014.
Durante todo o processo de criação da Rede, um fracasso anunciado e previsto por muitos analistas ao longo do processo, Marina descartou sempre a existência de um plano B. Em todos os momentos o PPS estava acenando com a oferta de candidatura presidencial pelo partido (oferta também feita a José Serra, é verdade – mas o ex-governador de São Paulo esperava para decidir sobre uma eventual candidatura presidencial conforme os movimentos de Marina; afinal, dois candidatos de oposição ao PT eram necessários para provocar um segundo turno ano que vem, mas três seria muita gente para disputar o mesmo eleitorado).
Soou bastante oportunista o fato de Marina ter levado um dia para conversar com Eduardo Campos e decidir por uma inesperada filiação no PSB. Ainda é cedo para compreender este movimento, mas dá para arriscar uma análise.
Em primeiro lugar, o PPS é um partido de poucas possibilidades, fraco na maioria dos estados, nacionalmente irrelevante desde que se pôs a reboque da dupla PSDB-DEM. Foi o partido que mais diminuiu nas eleições de 2010 e 2012, e sua liderança centralizada na figura de Roberto Freire talvez tenha assombrado Marina na comparação com os fantasmas do PV.
O PSB já está num campo mais próximo do tipo de movimentação que Marina veio experimentando nos anos recentes. Com poucas exceções (o PSB do Paraná é uma das principais), o partido de Eduardo Campos foi aliado do PT nas últimas décadas. Está no campo da esquerda, mas vem se descolando do governo Dilma e almejando voos solo. Em 2010, Eduardo Campos abortou o que seria uma interessante candidatura Ciro Gomes para seguir o caminho mais vantajoso (para ele Eduardo Campos) de uma aliança na chapa de Dilma. Desde então, Campos vem postulando uma candidatura presidencial, apostando no erro do adversário (agora o governo Dilma do qual ele participava até dias atrás) e movimentando-se — por exemplo nas eleições municipais de 2012 — para criar alternativas que não fosse o bloco petista e o bloco tucano. (Por causa deste tipo de movimentação, Campos e Marina vêm ocupando um lugar político que a imprensa especializada vem chamando de “Terceira Via”, um nome que me parece inadequado, conforme explico numa discussão que farei mais à frente neste texto.)
Marina parece ter sido oportunista ao migrar para o PSB. Teria sacrificado sua santidade no altar de uma vaguinha em um partido que pode lhe dar condições de uma candidatura a alguma coisa. Vale lembrar que política é feita desse tipo de movimento: o cálculo e as alianças não são necessariamente espúrios, mas são necessários para viabilizar qualquer que seja a alternativa. O PT só conseguiu se tornar alternativa elegível de fato ao abandonar o discurso purista dos anos 1990 e sujar as mãos com os Sarneys e Malufs da vida para ganhar eleições e implantar partes de seu programa. Negociou demais? Pode ser (e eu sempre acho que sim), mas ninguém conseguirá determinar até onde podia ter fincado o pé e mesmo assim ter conquistado o Governo Federal – onde implantou significativas mudanças de rumo em direção ao bem-estar dos mais pobres.
Também é difícil saber o quanto de governabilidade o partido teria se tivesse feito menos concessões. Portanto, nós que esperávamos pureza ideológica do PT talvez estejamos cobrando o mesmo da nossa ex-petista, sonhando com alguém finalmente puro capaz de nos representar na política suja do Brasil.
Ocorre que as afinidades de imagem entre Marina e Campos são maiores do que as divergências: ambos representam o papel de esquerdistas modernos, que apoiaram as transformações dos anos Lula mas agora querem avanços em direção a uma imagem mais avançada ou atualizada. Curiosamente, poderíamos dizer que Lula representa o novo sindicalismo dos anos 1970 e 80, que entrou na política para lutar contra o arrocho salarial da era Geisel; enquanto Dilma representaria um retrocesso à esquerda pré-64, ainda na aliança nacional desenvolvimentista dos anos 1950-60. Por isso seu governo tem retrocedido tanto nas questões ambientais e de Direitos Humanos, tão preocupado com o PIB, a inflação e o câmbio.
3.
Seria então a aliança Marina-Campos, ou PSB-Rede, uma terceira via na política brasileira?
O termo “terceira via” me parece bastante ligado a Blair e Clinton, que pilotaram grandes partidos de esquerda sindical não comunista no mundo anglo-saxão. Ambos fizeram o Partido Democrata (norte-americano) e o Partido Trabalhista (britânico) romperem com suas bases seculares entre os trabalhadores e adotaram as práticas econômicas liberais dos rivais republicanos e conservadores. Era algo como “se vocês estão cansados de anos de governos conservadores, elejam-nos, que prometemos não mudar muita coisa do que está funcionando na economia”. A terceira via não era portanto uma alternativa entre a esquerda e a direita, era a afirmação de um pensamento único hegemônico, que terceirizou a política para os setores “técnicos” de Wall Street e da City (quem acredita que não tinham interesses políticos de nenhum tipo, só aplicavam as “leis” da economia ?). O resultado desta “terceira via” Blair-Clinton acabou de explodir com a crise de 2008, que ainda se arrasta.
Mas talvez seja o caso de pensar o conceito de terceira via para a história política do Brasil, e ver se o conceito faz sentido para ser aplicado à trajetória de Marina e Campos. A ideia é dizê-los como uma candidatura fora da polarização PT-PSDB, do tal “Fla-Flu” que se estabeleceu na política nacional, algo que escape do estigma liberal ou sindicalista.
Proponho pensar a questão desde muito antes. Voltemos aos grandes polos políticos que se formaram nos anos 1930, em tempos do primeiro governo Vargas, quando tanta coisa do Brasil moderno se desenhou do jeito que se mantém até hoje. Vargas conseguiu articular em apoio à sua subida ao poder com a Revolução de 1930 uma estranha aliança de progressismo urbano (os tenentes e a intelectualidade modernista, por exemplo) e coronelismo rural. A única oposição que realmente restou, sempre ferrenha, era a dos liberais paulistas, que lhe fizeram a guerra civil em 1932. Tem gente que resume a história do Brasil a uma luta dos paulistas para prevalecer sobre todo o restante do país, e isso não é de todo sem sentido.
Além destes grupos que formavam o “centro” da política nacional, se articularam os radicais: comunistas à esquerda, integralistas à direita. Em 1937, se articulou pela primeira vez um golpe ditatorial para evitar o radicalismo social – coisa que seria repetida com ainda mais sucesso em 1964. Após o fim do Estado Novo em 1945, o Brasil saía com três grandes partidos nacionais: PSD, UDN e PTB, representando, grosso modo, oligarquias regionais tradicionais, elites urbanas liberal-progressistas e um sindicalismo semi-controlado pelo Estado, respectivamente. O PCB viveu um curto período de legalidade em 1945-47, depois acabou sobrevivendo como estrutura clandestina dentro do PTB. Parte da intelectualidade de esquerda, insatisfeita tanto com o moralismo elitista da UDN quanto com o autoritarismo stalinista do PCB, acabou criando o PSB, que não tinha força eleitoral significativa.
Os governos de Vargas (1950-54) e JK (1955-60) foram sustentados por uma coligação PSD-PTB, com apoio dos comunistas (a aliança nacional-burguesa era louvada pelo “etapismo”). A UDN representava uma oposição liberal-modernizante e elitista, que apostava num discurso de moralização política, ao mesmo tempo que jogava sempre com a imoral ameaça de golpe. Seu maior expoente (como político, orador e publisher do jornal oposicionista Tribuna da Imprensa) foi Carlos Lacerda, pivô do incidente até hoje mal explicado da Rua Toneleiros que culminou com o suicídio do presidente em 1954.
O golpe frustrado em 1954, com o suicídio de Vargas, e em 1955 com as eficiente manobras de Kubitschek para dirimir as dúvidas jurídicas sobre sua eleição e garantir a própria posse, acabou se concretizando contra Jango em 1964. A partir daí os blocos políticos foram rearticulados em dois grandes partidos legalizados: ARENA e MDB. Imediatamente suspenso o estatuto jurídico ditatorial que suspendera a liberdade partidária, em 1980, a ARENA se articulou no PDS, que mais tarde se separaria entre malufistas (PPR, depois PPB e hoje PP, mas já sem Maluf – vá entender) e não malufistas (aí incluso o carlismo), que articularam o PFL (que quando começou a ser reconhecido pela alcunha de “Partido dos Fora da Lei” mudou de nome para DEM, até onde consta sem ter conseguido enganar muita gente com a chicana semântica).
O MDB virou PMDB, mas seu caráter de confederação de movimentos contra o Regime Militar favoreceu uma desintegração política. Primeiro com a imediata re-criação do PTB e a dissidência do PDT (uma briguinha sobre quem era o verdadeiro herdeiro do varguismo, se a sobrinha Ivete Vargas ou se Leonel Brizola – o principal líder petebista depois do presidente João Goulart, seu cunhado, já morto por esta época). Corria por fora o PT, um partido surgido do novo sindicalismo dos anos 1970, dos metalúrgicos do ABC (efeito colateral do “milagre econômico”) e dos bancários, das pastorais católicas, e assumindo boa parte do PCB que seguira clandestino desde sempre.
Na verdade, os grupos são tantos que fica difícil falar em uma polarização. Se não há polarização em duas ideias contrárias-complementares, não há como falar em terceira via. No caso anglo-saxão, a questão era a oposição clara entre liberalismo e estatismo, superada pelo consenso neoliberal que afastou o estatismo da cena (não por acaso logo após o fim da ameaça do socialismo real com a queda do muro de Berlim). No caso do Brasil, nunca houve um partido que assumisse claramente para si o discurso político conservador (que se articula com certo liberalismo econômico ao assumir que a desigualdade social é “natural” e até mesmo “desejável”). O conservadorismo vai muito bem obrigado, mas como uma massa amorfa distribuída entre vários partidos e tornando-se base indispensável para todo e qualquer governo.
Quer dizer, a verdadeira polarização está diluída. PT e PSDB são partidos de centro-esquerda, cuja intelectualidade orgânica vem da esquerda uspiana (e unicampiana) – ambos são grande projetos modernizadores democráticos, lutando para superar, por caminhos não muito distantes, a pesada herança autoritária, arcaizante e excludente que ainda pesa sobre o Brasil. É significativo que ambos nunca tenham governado nada (prefeituras, estados e Governo Federal) sem se apoiar num caldo de cultura esclerosada e conservadora que domina cada vez mais os legislativos (fator que talvez tenha se acentuado à medida que os melhores quadros tucanos e petistas foram sendo recrutados para as burocracias governamentais e deixando um vazio na máquina partidária e no jogo parlamentar).
Neste sentido, a verdadeira polarização não é entre uma direita liberal representada por PSDB-DEM (apesar de ser um quadro pintado insistentemente por certa militância petista, que se articulava no “fora FHC”) e uma esquerda lulo-petista-sindical-corrupta, pintada como dragão nas capas da Veja. A verdadeira polarização é entre os movimentos políticos que lutaram para superar o Regime Militar e o autoritarismo (PSDB e PT são parte disso) e as velhas estruturas da aliança entre oligarquia rural e empresariado industrial (que estão diluídas numa miríade de grandes, pequenos ou médios partidos políticos, que verdadeiramente controlam a máquina burocrático cartorial da política e do judiciário brasileiros). Essa massa amorfa de conservadorismo não tem mais a capacidade de articular uma candidatura majoritária à Presidência da República, e nem precisa disso, uma vez que o nosso presidencialismo de coalizão garante que ninguém jamais governe sem vender a alma à “governabilidade”, ao troca-troca, à politicagem.
4.
Neste sentido, dá para pensar em Marina-Campos como uma alternativa?
Não. Seria apenas mais uma chapa de políticos puros modernos, com grandes ideais, que teria que governar com o PMDB, o PSD, o PTB, o PP, o PR e outros mais que estarão em qualquer sopa de letrinhas chamada de coalização governista.
Por outro lado, sem pensar nos grandes grupos que dominam nossa política clientelista e cartorializada, e concentrando apenas no discurso de campanha e nos projetos que animam a militância, talvez ainda fosse possível pensar em duas grandes linhas que dividem PT e PSDB. Uma esquerda intelectual reformista sem sindicatos, que efetivamente conseguiu controlar a hiperinflação e dar cara institucional a uma democracia que funciona (governo FHC), e uma esquerda sindical e ligada aos movimentos populares que não tem um projeto muito claro, mas sabe negociar e mantém a estabilidade institucional com um viés pró-distribuição de renda e programas assistenciais (governos Lula-Dilma).
Ambos os programas de governo tiveram pouca ou nenhuma habilidade em projetar ou desenhar um novo ciclo de desenvolvimento econômico e institucional. O Brasil segue desigual, com uma infra-estrutura precária e um nível educacional muito baixo, com violência endêmica e falta de aprofundamento democrático. O desempenho de Marina em 2010 e os protestos de junho de 2013 são talvez um sintoma da consciência dessa encruzilhada em que nos metemos.
Não há consenso para avançar em reformas capazes de desmontar o arranjo institucional que dá todo o poder ao conservadorismo social. Não há capacidade orçamentária para avançar os necessários investimentos públicos em educação, saúde e infraestrutura. Não há força para fazer uma reforma tributária que coloque a conta para quem pode pagar, ao invés de continuar escorchando as atividades produtivas e a renda dos mais pobres. Não há imaginação política para estabelecer um ciclo de desenvolvimento sustentável, em que o crescimento não precise se concentrar no Sudeste à custa de suas próprias periferias urbanas ou da riqueza natural e humana da vastidão dos interiores do Brasil.
O discurso político-eleitoral de Marina toca nessas feridas mais do que os projetos de PT e PSDB vinham fazendo. É uma tentativa de implantar a consciência da necessidade de novos avanços, sem significar a superação do mínimo que já foi conquistado (estabilidade monetária e políticas de distribuição de renda).
Talvez seja muito significativo que a imaginação política mais ousada seja hoje ligada a um movimento político que o TSE mantém na clandestinidade, uma vez que a Rede de Marina não abriu mão de sua existência, e apenas optou pelo PSB pela falta de registro, como fizeram os comunistas em todo o período autoritário. No período entre 1940 e 1970 o movimento comunista alcançou tamanha hegemonia na vida cultural, que nem a perseguição dos militares conseguiu sufocar o consenso que levou à abertura democrática sob a égide de dois grandes partidos de origem marxista (estou falando de PT e PSDB, pois, por mais ridículo que possa parecer, FHC, Serra, Lula e Dilma tiveram sua formação política toda nessa corrente teórica – Lula menos do que os outros).
Talvez seja a hora da formação de um novo consenso, difuso como o modernismo que foi da Semana de 22 aos festivais de 68; mas com suficiente força para articular fortes movimentos renovadores.
Marina é a solução? É a terceira via? Não. É só a vocalização de um desconforto generalizado, que busca novas formas de superação do Brasil arcaico. Neste sentido, quanto menos pressa ela tiver de ganhar uma eleição presidencial, mais significativa será a contribuição política que dará ao Brasil.
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P.S.: Depois que escrevi este texto, percebi que todas as revistas semanais saíram com capas de Marina e Campos (umas mostrando eles mais bonitos, outras mais feios – tudo com photoshop). Acabei fazendo a leitura somente das matérias da Exame e da Carta Capital, tentando pegar os dois lados (petista e tucano).
Na Carta Capital, uma ótima matéria de André Barrocal, que foca nas dificuldades para o PSB harmonizar os dois projetos conflitantes (de Campos e de Marina), inclusive com mudanças já efetivadas nas alianças regionais que iriam dar palanques estaduais a Campos. Ronaldo Caiado, do DEM de Goiás, foi a primeira baixa. Nesse sentido, é interessante a avaliação de Ciro Gomes, colunista da revista, que afirma que a aliança inesperada está puxando tudo na eleição do ano que vem mais para a esquerda, e enriquecendo o debate que seria bem morno.
Na Exame, uma matéria com conteúdo muito parecido – uma análise das dificuldades internas da inusitada aliança e as possibilidades de sucesso eleitoral. Mas na revista, direcionada principalmente a executivos e profissionais do mercado, a reportagem assumiu o tom de perguntar se a dupla Campos-Marina conseguiria desatar o nó do excesso de intervencionismo econômico de Dilma, que vem desestimulado o setor privado a investir e não tem dado conta dos problemas de infraestrutura ou educação. Aliás, no seu editorial na outra revista, Mino Carta diz exatamente isso: que agora a mídia tradicional vai fazer o trabalho de tentar pautar a chapa para a qual ela vai direcionar sua simpatia.