Pautas trazidas pelo PT naturalmente geraram uma oposição conservadora
De partida, o título deste artigo certamente causou algum estranhamento aos que estão acostumados à gramática política do establishment intelectual brasileiro, por vezes, mais militante do que analista. No entanto, a nova composição da Câmara expressa cada vez mais a maneira como a maioria dos eleitores percebe a política e a sociedade.
Em geral, o brasileiro prefere um pouco com mais de estado na economia, e é mais conservador em assuntos morais. Em que pese a dificuldade com a definição dos conceitos, na última pesquisa Datafolha a respeito do tema verificou-se um leve predomínio da esquerda relacionado a assuntos econômicos, com mais participação do estado e com políticas públicas, mas também um grande predomínio conservador em assuntos culturais. A maior parte dos brasileiros é esmagadoramente contra a legalização do aborto ou das drogas e a favor da diminuição da maioridade penal, além do enrijecimento de leis penais.
Nas eleições para o Executivo, que lida mais com a administração pública, ainda se sobressaem temas mais caros à esquerda. Entretanto, para o Legislativo, a população vota cada vez mais de acordo com sua opinião incisiva contra temas que estiveram em pauta nas últimas legislaturas.
O PT é um partido que possui organicidade, com uma atuação legislativa ainda muito ligada a pautas históricas do movimento que lhe formou. Quando ele ascende ao poder no âmbito federal, ganhando mais espaço e protagonismo no congresso, traz também certas pautas ao debate. E cria, naturalmente, uma reação a estes temas, havendo um trabalho de reorganização do campo político oposto, desmantelado após a ditadura militar, onde ser de direita significava tê-la apoiado.
No Executivo, este movimento político mais alinhado a uma direita conservadora ainda deposita seus votos nos tucanos (que não o representa), mas, no Legislativo, há um crescimento dessas bancadas, fruto das pautas trazidas ao debate e ao conhecimento que o eleitor vem fazendo delas. A bancada evangélica é cada vez maior porque os cidadãos que professam tal religião estão cada vez mais antenados com esse embate político no congresso. Desde meados de 2009, houve uma intensificação deste trabalho de informações feito entre pastores e fiéis, criando uma ampliação do conhecimento desta fatia do eleitorado a respeito de projetos legislativos.
A intensificação desses embates e a politização do eleitor médio, tomando mais contanto com eles, resultou numa bancada que representasse mais a sua visão de mundo. No Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Santa Catarina, o deputado federal mais votado foi um notório conservador — respectivamente, Luis Carlos Heinze (PP), Jair Bolsonardo (PP), Fraga (DEM), Esperidião Amim (PP). Em outros estados, muitos pastores e notórios conservadores (às vezes folclóricos) também tiveram um expressivo aumento do seu eleitorado. Em contraposição, o PSOL cresceu na outra ponta, elegendo cinco deputados federais.
Quando observamos a nova composição da Câmara, há um crescimento do “baixo clero”, da “bancada ruralista”, e da “bancada evangélica”. Em contraposição, o PT caiu bastante, e o PMDB segue a mesma tendência. Notamos, ainda, um crescimento de partidos ligados a segmentos do meio evangélico, como o PSB, o PR e o PRB.
Se antes o PT já chegou a ser o partido preferencial de um terço do eleitorado brasileiro, nas novas pesquisas ele aparece com apenas 16%. Este elemento, somado a onda antipetista, gerou um efeito cascata, com péssimos desempenhos em estados importantes (São Paulo, Paraná, Goiás, Rio Grande do Sul) e uma bancada diminuta. O PT perdeu quase vinte deputados. Por sua vez, a ótima votação de Aécio Neves e de alguns aliados levou o PSDB a eleger dez deputados a mais. O PSD de Kassab caiu, e o PSB do finado Eduardo Campos, cresceu puxado pela votação presidencial.
Um elemento extremamente preocupante para a governabilidade é a pulverização dos partidos. Agora, vinte e oito deles possuem representação na Câmara. Alguns, como DEM, SD, PROS e PCdoB, perderam cadeiras consideráveis. Neste sentido, a cláusula de barreira partidária seria fundamental para junção de muitos partidos, podendo, junto com uma reforma política, realinhá-los até mesmo de maneira programática. Partidos como DEM, PP, PSD e PR poderiam perfeitamente formar um único partido, mais coerente programaticamente e defendendo uma fatia importante do eleitorado.
O Senado ainda está mais próximo do perfil das eleições executivas do que para a Câmara Federal. O partido que elegeu mais senadores foi o PMDB. No entanto, houve uma confirmação da tendência de pulverização. PMDB e PT perderam um senador em sua bancada, os tucanos perderam dois. O PSB ganhou três, PDT e DEM ganharam um senador.
Seja como for, a eleição para o congresso foi uma derrota, sem dúvida, para a esquerda. Ela pode chiar sobre esta nova composição, mas é fato que esta expressa a vontade do eleitor e sua politização, principalmente em alguns ambientes de sociabilidade. O diálogo está aberto para o convencimento, mas todos possuem o direito à palavra. Democracia não é monólogo de posições políticas, nem de poderes. Se a esquerda quiser voltar a crescer, terá que parar de falar frente a espelhos. No entanto, pode ter certeza que opositores não irão faltar. Este equilíbrio tensional é a democracia.
Elton Flaubert
Doutor em História pela UnB.