Garota Exemplar, filme de David Fincher
O que não sai da cabeça em nenhum momento do filme é um insistente e perturbador sarcasmo.
Garota exemplar vem angariando aplausos tanto da crítica especializada quanto da não-especializada. Não há dúvidas de que é um excelente filme, eu concordo. Mas preciso dividir com vocês um aspecto que, percebi, poucos textos têm apontado em suas análises – e foi justamente o que mais me chamou a atenção.
Antes disso, devo já alertar que nem vou me estender muito sobre o enredo, pois o trunfo deste filme está nele e jamais vou entregá-lo, pois vale muito a pena assistir e sentir por vocês mesmos. Resumindo: em uma bela e comum manhã, no dia do aniversário de seu casamento, Nick Dunne descobre que sua esposa Amy desapareceu em situação obviamente suspeita, e que ao longo da investigação ele pode vir a ser incriminado. Paro por aqui.
O roteiro é uma adaptação do romance de mesmo nome (Gone girl) feita pela própria autora Gillian Flynn. A direção é de David Fincher, certamente conhecido de vocês por filmes excelentes como Seven: os sete pecados capitais, Clube da luta e O curioso caso de Benjamin Button – todos na minha lista dos top 1000. Portanto, vocês já notaram que uma das marcas registradas de Fincher é um roteiro inteligente, intrigante, polêmico, perturbador, e jamais morno ou indiferente. Ele não é dado a muitos efeitos especiais; confia mais na interpretação realista dos atores que se entregam totalmente e não se cansam de suas inúmeras repetição de cenas, dizem. Alguns sites especializados de cinema, com o Imdb, categoriza seus principais sucessos como neo noir devido ao uso de suspense, polícia, tempo chuvoso e as cores azul e verde cinzentos dando um ar escurecido às cenas.
Garota exemplar possui todas essas característica, porém difere dos filmes famosos que citei acima por ter um ritmo um pouco mais lento. Mesmo assim estimula igualmente no espectador a contemplação vista em O curioso…, a rapidez insana de Clube da luta e os vários pontos polêmicos a serem debatidos em Seven…. Diz Fincher que é assim mesmo, ele gosta de misturar o estilo Kubrick com o Spielberg de dirigir: uma hora fazendo o espectador só observar, em outra fazendo-o entrar na trama e quase ser um outro personagem que a sente. Quanto ao assunto, o ponto central é sim o casamento, mas por ele passam outros aspectos secundários que contribuem para o questionamento desta tal “instituição falida”. A obra já está cotada para arrebatar prêmios nas categorias de melhor roteiro adaptado, melhor diretor e melhor atriz. Aliás, Rosamund Pike está espetacular em sua caracterização da exemplar Amy.
Curiosamente, aquilo que jamais saiu da minha cabeça em nenhum momento do filme – pelo contrário, só parecia aumentar em intensidade até o final – foi um insistente e perturbador sarcasmo. Tenho percebido que as pessoas que opinaram sobre o filme foram hipnotizadas pelo suspense e pelo absurdo das ações dos personagens, mas pareceram não ser tocadas pelo senso de humor negro ali presentes. Não posso dizer que isso tenha sido proposital por parte do diretor, mas já senti o mesmo em outros de seus filmes. Dizer que não há sarcasmo e ironia em Clube da luta é bastante imaturo, devo salientar, e se você não sentiu isso, veja de novo.
Talvez por isso a composição do personagem Nick Dunne tenha sido em ressaltar seu jeito bonachão, com um sorriso bobo para tudo o que acontecia, justamente para instigar no espectador essa agonia que nos causa nervoso ou que diz “desculpa, estou rindo porque está demorando para ‘cair minha ficha’”, no mínimo. Gosto desta sensação agoniante, para ser bem sincera. E a escolha do blasé Ben Affleck foi adequada, já que ele é um ator abaixo da média em atuação e tem mesmo um jeito meio bobo quando ri. Caiu-lhe bem o personagem.
Sim, vá ver Garota exemplar. É um filme excelente. Só não espere finais redondinhos, especialmente se você já conhece o estilo de Fincher. Se é impressionável, tente não ver antes de ir dormir.
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