Porque, afinal de contas, tudo passa um dia
Neste mês de outubro a revista Playboy anunciou que não publicará mais imagens de nudez, mas pretende oferecer reportagens com profundidade, conteúdo female-friendly e ensaios provocantes, mas adequados à faixa etária dos 13 anos. O que era impensável há alguns anos tornou-se necessidade para um tempo em que oferecer fotos de mulheres nuas não é mais um diferencial, pois isso se encontra em qualquer site de internet.
O poder implacável do tempo, capaz de tirar a nudez da Playboy, nos faz pensar no debate acirrado que se trava em torno da chamada ideologia de gênero. O nome é a versão pejorativa da corrente de opinião que defende a autodeclaração de gênero, isso é, que nós definimos nosso gênero não pela biologia, mas por um ato de vontade.
O tema pega fogo, e é mais uma polêmica a dividir conservadores religiosos de um lado e simpatizantes da causa LGBT do outro. Polêmica impulsionada pela ausência total de alteridade, causa de frases como “Karl Marx criou a ideologia de gênero para destruir a família”, entreouvida por mim outro dia de um representante do pólo conservador.
Penso se não se está gastando saliva demais neste debate. Por exemplo, enquanto nossos resultados educacionais são desesperadores, a ideologia de gênero foi o principal tema de debate dos planos municipais de educação em todo o Brasil. Isso só pode ser o resultado da combinação entre estupidez e falta de foco, alimentada por teorias da conspiração. Do lado conservador, acredita-se em uma infiltração gay nas instituições para destruição da família. Do lado pró gênero, acredita-se em uma infiltração cristã nas instituições para fomentar a violência contra os chamados transgêneros. Haja infiltração!
Penso nos que acusavam a Playboy de ser agente de destruição da família há 50 anos atrás. Muita saliva e groselha sobre imoralidade e liberação sexual depois, a Playboy perdeu o nu não por força dos argumentos morais, mas pela destruição criativa do capitalismo. Nenhuma gota de saliva gasta nessa conversa contribuiu neste processo.
Voltemos aos tempos atuais. Combater a ideologia de gênero não vai reduzir em nada a duração desta corrente de opinião. Ela vai passar e se acabar por força de suas próprias contradições, assim como aconteceu com a campanha pela liberdade sexual.
Se puder escolher uma polêmica sobre comportamento, gaste saliva com a separação de Joelma e Chimbinha.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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