Os ataques a judeus em Jerusalém e outras partes não se baseiam na frustração palestina sobre assentamentos, mas em algo mais profundo.
Jeffrey Goldberg, na The Atlantic
Em setembro de 1928, um grupo de judeus de Jerusalém colocou um banco em frente ao Muro das Lamentações do Monte do Templo, para a comodidade de fieis idosos. Eles também trouxeram uma partição de madeira, para separar os sexos durante as rezas. Os líderes muçulmanos de Jerusalém viram a introdução de mobília no local como uma provocação, parte de uma conspiração judaica para aos poucos tomar de conta de todo o Monte.
Muitos dos líderes dos muçulmanos da Palestina acreditavam – ou alegavam acreditar – que judeus haviam fabricado uma série de conexões históricas e teológicas com o Muro das Lamentações e o Monte, local da mesquita al-Aqsa e da Cúpula da Rocha, apenas para avançar o projeto sionista. Tal crença desafiava a história muçulmana – a Cúpula da Rocha foi construída pelos conquistadores árabes de Jerusalém no lugar do Segundo Templo Judaico para que se venerasse sua memória (antes, o local havia sido desonrado pelos líderes cristãos de Jerusalém, como uma espécie de reprimenda ao judaísmo, a desprezada religião mãe do cristianismo). Os próprios judeus consideram o Monte o local mais sagrado de sua fé. O Muro das Lamentações, um grande muro de retenção da época do Segundo Templo, é sagrado apenas por tabela.
O líder espiritual dos muçulmanos da Palestina, o mufti de Jerusalém, Amin al-Husseini, incitou os árabes na Palestina contra seus vizinhos judeus, argumentando que o próprio islã estava ameaçado. (Husseini depois se tornaria um dos mais importantes muçulmanos aliados de Hitler.) Os judeus na Palestina sob ocupação britânica responderam à ofensiva muçulmana pedindo mais acesso ao Muro, às vezes fazendo manifestações no local sagrado. No ano seguinte, a violência contra judeus se tornou mais comum: agitadores árabes tiraram a vida de 133 judeus naquele verão; as forças britânicas mataram 116 árabes na tentativa de controlar os tumultos. Em Hebron, um devastador pogrom foi lançado contra a antiga comunidade judaica da cidade, após oficiais muçulmanos distribuírem fotografias fabricadas mostrando uma Cúpula da Rocha danificada, espalhando o rumor de que os judeus haviam atacado o templo.
A “Intifada do esfaqueamento” atualmente ocorrendo em Israel – um quase-levante em que jovens palestinos vêm tentando, às vezes com sucesso, matar judeus com facas – é motivada em boa parte pelo mesmo tipo de manipulação das emoções que acenderam as manifestações antijudaicas dos anos 1920: um profundo desejo da parte dos palestinos de “proteger” o Monte do Templo dos judeus.
Quando Israel capturou a Cidade Antiga de Jerusalém em junho de 1967, em resposta a um ataque jordaniano, o primeiro impulso de alguéns israelenses foi garantir os direitos no Monte. Entre 1948, o ano da independência de Israel, e 1967, a Jordânia, poder que então ocupava Jerusalém, baniu judeus não apenas do Monte – que é conhecido para muçulmanos como Haram al-Sharif, o nobre santuário – mas também do Muro das Lamentações logo abaixo. Quando paraquedistas tomaram a Cidade Antiga, eles ergueram a bandeira israelense no topo da Cúpula da Rocha, mas o ministro da defesa israelense, Moshe Dayan, ordenou que ela fosse retirada, e logo depois prometeu aos líderes muçulmanos nominalmente responsáveis pela mesquita e o santuário que Israel não iria interferir em suas atividades. Desde então, sucessivos governos israelenses têm mantido o status quo estabelecido por Dayan.
No entanto, existe um outro status quo associado ao Monte do Templo, e ele vem mostrando sinais de enfraquecimento. É um status quo religioso. Por muitos anos, a visão rabínica convencional tem sido a de que judeus não devem caminhar no Monte, sob o risco de pisarem no Santo dos Santos, o santuário no interior do Templo que, de acordo com a tradição, abrigou a Arca da Aliança. O Santo dos Santos é um quarto onde a mais alta autoridade judaica pronunciou o Tetragrama, o inefável nome de Deus, no Yom Kippur.
A localização exata do Santo dos Santos não é conhecida, e autoridades muçulmanas proíbem arqueólogos de conduzir quaisquer escavações no Monte, em parte por medo de que tais explorações revelem mais evidências de uma presença judaica pré-islâmica. Essa visão rabínica convencional a respeito do Monte – de que ele deveria ser uma direção para preces judaicas, ao invés de um local de preces – tem historicamente facilitado a vida das autoridades temporais de Jerusalém, ao manter fieis muçulmanos e judeus separados.
Em anos recentes, entretanto, pequenos grupos de inovadores religiosos radicais que se opõem à visão rabínica convencional vêm tentando fazer do Monte, novamente, um local de preces. (Aqui, minha matéria na New York Times Magazine sobre esses grupos radicais.) Esses ativistas ganharam simpatizantes entre algumas figuras da extrema-direita em Israel, embora o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não tenha alterado o status quo de separação das religiões.
Convencer os palestinos de que o governo israelense não está tentando alterar o status quo no Monte tem sido difícil porque muitos dos líderes palestinos atuais, semelhante aos líderes palestinos dos anos 1920, ativamente mercadejam rumores de que o governo israelense deseja firmar no Monte uma presença judaica permanente.
Os comentários do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas – que por consenso é tido como o mais moderado líder da breve história do movimento nacional palestino – têm sido particularmente duros. Embora Abbas tenha autorizado os serviços de segurança palestinos a trabalhar com seus homólogos israelenses para combater a violência extremista, sua retórica apenas inflama as tensões. “Cada gota de sangue derramado em Jerusalém é puro, cada mártir alcançará o paraíso, e cada pessoa ferida será agraciada por Deus”, disse ele no mês passado, quando circularam rumores sobre o Monte do Templo. Ele disse na sequência que os judeus “não têm o direito de profanar a mesquita com seus pés sujos”. Taleb Abu Arrar, um árabe-israelense membro do Knesset, o parlamento judaico, argumentou publicamente que os judeus “profanam” o Monte do Templo com sua presença. (Quatorze anos atrás, Yasser Arafat, então líder da Organização para a Libertação da Palestina, me disse que “as autoridades judaicas estão falsificando a história quando dizem que o Templo ficava no Haram al-Sharif. O templo delas está em outro lugar.”)
Comentários desse tipo, combinados com a violência das duas últimas semanas – incluindo o saque e queima de um santuário judeu próximo a Nablus – sugerem uma trágica continuidade entre os anos 1920 e a atualidade. Para quem acredita não apenas na necessidade, mas na possibilidade prática de uma solução de dois estados para o conflito israelense-palestino – e, em particular, para quem acredita que o projeto de assentamentos pós-1967 é a raiz do conflito – os eventos recentes são desanimadores.
Uma das tragédias do movimento de assentamentos é que ele oculta o que pode ser a verdadeira causa do conflito no Oriente Médio: a falta de vontade de muitos muçulmanos palestinos para aceitar que os judeus são um povo original à terra que os palestinos acreditam ser exclusivamente sua, e que o terceiro local mais sagrado do islã é também o local mais sagrado de outra religião, uma cujos adeptos rejeitam a noção muçulmana de supersessionismo. O status quo no Monte do Templo é prudente e deve permanecer. Ele salva vidas, vidas que radicais judeus fundamentalistas arriscariam para avançar seus sonhos milenares. Mas ele é o subproduto da intolerância dos líderes muçulmanos de Jerusalém.
Quando violência contra judeus ocorre dentro de Israel, ou na Cisjordânia, analistas e líderes políticos externos tendem a chegar rapidamente ao consenso de que tal violência representa a consequência inevitável da ocupação e assentamento israelenses em território palestino. John Kerry, o secretário de Estado dos EUA, disse em um evento recente em Harvard que “o que acontece é que, a menos que comecemos já, uma solução de dois estados pode concebivelmente ser roubada de todos. E tem havido um massivo aumento de assentamentos no curso dos últimos anos.” Ele em seguida disse que “agora você tem essa violência porque existe uma crescente frustração, e uma frustração entre os israelenses que não veem qualquer movimentação.”
Às vezes é difícil para políticos como Kerry, que tem despendido tanto tempo e energia em busca de uma solução para o impasse árabe-israelense, reconhecerem o poder de uma narrativa palestina particular, uma que elimina a possibilidade de uma solução que permita aos judeus igualdade nacional e religiosa. No Haaretz, o cientista político de centro-esquerda Shlomo Avineri descreve uma importante desconexão, que frequentemente passa despercebida, mesmo em tempos como esses: muitos palestinos acreditam que “isso não é um conflito entre dois movimentos nacionais, mas um conflito entre um movimento nacional (o palestino) e uma entidade colonial e imperialista (Israel).” Ele então escreve que “de acordo com essa visão, Israel acabará como todo fenômeno colonial – perecerá e desaparecerá. Além disso, de acordo com a visão palestina, os judeus não são uma nação, mas uma comunidade religiosa, e como tal não tem direito à autodeterminação nacional que é, afinal de contas, um imperativo universal.”
A violência das últimas semanas, encorajada por fornecedores de rumores que agora têm sangue israelense e palestino em suas mãos, não está enraizada na política de assentamento israelense, mas numa visão de mundo que rejeita os direitos nacional e religioso dos judeus. Não haverá paz entre israelenses e palestinos enquanto parte dos dois lados do conflito continuarem a negar os direitos nacional e religioso do outro lado.