A hegemonia, que realmente ocorre, não se mantém pelos casos de doutrinação, mas por motivos pragmáticos, talvez até existenciais
A hegemonia da esquerda nas ciências humanas é um fato, e não vejo polêmica em reconhecê-lo. Basta observar bibliografias, frequentar eventos, conversar com as pessoas, inteirar-se da política acadêmica, dos princípios que prevalecem. Autores que não sejam de esquerda raramente ocupam o centro dos debates. Autores de esquerda, considerando as suas diferentes linhas, orientam a maior parte do que se pensa, fala e escreve nos departamentos de humanas no Brasil.
Isso significa que há doutrinação? Pela minha experiência, depende do contexto. Se doutrinação quer dizer uma ação orquestrada de professores para arrebanhar alunos e obrigá-los a “ser de esquerda”, conheci poucos casos que eu classificaria assim em 12 anos de vida acadêmica.
Se conheci professores que só fazem “política de esquerda” em vez de trabalharem seriamente? Sim, conheci alguns. Apesar de barulhentos e de caráter duvidoso, eles sempre foram minoria. Em relação a estes, estou certo que conheci um número muito maior de professores que não “ousam” discordar da esquerda por pura conveniência, apatia intelectual ou simples desejo de construírem em paz as suas carreiras. Antes de serem “de esquerda”, as ciências humanas no Brasil são frágeis, dependentes e colonizadas — e a má qualidade da educação escolar apenas piora o quadro.
Dadas as condições, ser de esquerda é muito mais fácil. Romper com a esquerda, quando se sabe que virão pela frente rituais decisivos (aprovação em mestrado, aprovação em doutorado, concursos públicos, projetos avaliados por pares…) não é apenas muito mais difícil, mas também um risco.
A hegemonia da esquerda nas humanas, que realmente ocorre, não se mantém pelos casos de doutrinação. Ela se mantém por motivos pragmáticos, talvez até existenciais. Ser de esquerda é possuir uma carteirinha que facilita o pertencimento ao clube. E a universidade, frágil que é, funciona ainda como um grande clube: para fazer parte, é preciso ser admitido como um igual; para ser um igual, é recomendável não distanciar-se das práticas correntes (“é ‘obrigatório’ citar aquele autor”, “nunca questione o seu orientador”, “escreva o que for necessário e resolva logo a sua vida” etc.).
A esquerda merece continuar hegemônica nas ciências humanas? A direita merece equilibrar o jogo e conquistar mais espaço? Essas são as questões mais importantes, que dependem das duas partes para serem respondidas.
Do meu lado, acredito que o melhor princípio de qualidade para a educação é que ela não seja refém da política. A partir daí, a pluralidade é essencial. A esquerda autista e verborrágica que domina hoje não tem valido a pena. Uma direita interessada apenas em inverter o sinal da moeda, menosprezando a universidade ou tratando-a como um mero território a ser conquistado, também não.
Rodrigo Cássio
Professor e pesquisador. Autor de Filmes do Brasil Secreto (Ed. UFG).
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