Mauro Iasi está errado, na poesia, na política e na história
Mauro Iasi, secretário geral do Partido Comunista Brasileiro (ou o que restou dele), sentiu cair sobre si uma onda de indignação após declamar, em um evento da central sindical Conlutas, um poema que incita a violência política. Trata-se de um poema de Brecht, “Interrogações a um homem bom”, cuja íntegra em português insiro abaixo:
Avança: ouvimos
dizer que és um homem bom.
Não te deixas comprar, mas o raio
que incendeia a casa, também não
pode ser comprado.Manténs a tua palavra.
Mas que palavra disseste?
És honesto, dás a tua opinião.
Mas que opinião?
És corajoso.
Mas contra quem?
És sábio.
Mas para quem?
Não tens em conta os teus interesses pessoais.
Que interesses consideras, então?
És um bom amigo.
Mas serás também um bom amigo de gente boa?Agora escuta: sabemos
que és nosso inimigo. Por isso
vamos encostar-te ao paredão. Mas tendo em conta os teus méritos
e boas qualidades
vamos encostar-te a um bom paredão e matar-te
com uma boa bala de uma boa espingarda e enterrar-te
com uma boa pá na boa terra.
Antes de citar o texto acima, Mauro Iasi faz uma introdução cândida:
É assim que nós enfrentaremos os conservadores, é assim que vamos enfrentar os conservadores: radicalizando as lutas de classes. Mas qual vai ser nosso diálogo com esse setor, o setor conservador? Veja, o setor conservador é perigoso porque lança sua garras na consciência da classe trabalhadora. É nela que nós temos que nos defender contra essa ofensiva conservadora, e não o diálogo com eles. E eu espero contribuir com isso com o que Gramsci chamava de intransigência com um pequeno “poeminha” final do Brecht, do Bertold Brecht.
Mauro Iasi está errado. Completamente errado. Está do lado errado da história, ao defender a herança de Stalin. Está errado ao defender o confronto e a divisão da sociedade como estratégia política. E está errado ao tentar se proteger atrás deste texto de Brecht.
“Interrogações a um homem bom” (Verhör des Guten, no original) é um poema político escrito por Brecht em 1935. O homem bom a que o poema se refere é ninguém menos que as vítimas de Stalin, perseguidas, torturadas e brutalmente assassinadas durante o processo de Moscou. São esses os bons homens desinteressados de Brecht, aos quais ele promete o paredão. Afinal, parecem boas pessoas, mas se opõem à revolução operária.
O poema foi ressuscitado por Slavo Zizek em Violência, no qual ele direciona a crítica de Brecht ao “comunista-liberal”, isto é, “grandes executivos que recuperam o espírito da contestação, ou, para colocar de outra forma, são geeks contraculturas que se apoderaram de grandes companhias. Seu dogma é uma versão nova e pós-moderna da velha mão invisível do mercado de Adam Smith.”
Ou seja, trata-se de um posicionamento contrário não ao conservadorismo acusado por Iasi, mas à ideia de democracia e liberalismo. Chego a me perguntar quem é o conservador aqui, uma vez que Zizek acusa justamente aqueles que querem dar algum retorno à sociedade dentro das regras do capitalismo. Se a contraposição a isso é a violência revolucionária à Stalin, os trabalhadores têm o dever de condenar os Iasis e Zizeks, pelo bem de sua própria sobrevivência. São essas as verdadeiras garras que oprimem a consciência dos trabalhadores.
Diferentemente de Iasi, não acredito que um homem como ele mereça ser executado com boas balas de boas espingardas. Um homem como Iasi tem o direito de dizer as bobagens que quiser dizer. E arcar com as consequências de usar uma poesia ruim e mal-intencionada para incitação ao crime. Inclusive a consequência de ser criticado e isolado por isso.
Mas Mauro Iasi não entende a crítica. Afinal, o modelo que ele defende é aquele no qual bons homens são executados por fazerem críticas.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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