Livro reúne 15 artigos de fôlego e de leitura obrigatória para quem se preocupa em oxigenar o debate sobre a reforma político-eleitoral no Brasil.
O debate sobre a reforma político-eleitoral no Brasil parece ter atingido um ponto de saturação no qual os principais atores encastelam-se em suas posições como as únicas virtuosas, adjetivando as posições adversárias de “fascistas”, “antidemocráticas”, ou “elitistas”; apesar da existência de diversas pessoas, das mais diversas orientações políticas, alertando para a inexistência de uma configuração ideal, isto é, de como as propostas devem ser estudadas nos seus diversos efeitos (tanto pretendidos como colaterais).
Enquadrando-se neste último grupo de pessoas – o daquelas que desejam fugir dos maniqueísmos da vida político-partidária nacional – estão os autores dos artigos do recém-lançado livro da Civilização Brasileira, Reforma eleitoral no Brasil, organizado pelo professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão.
A história do livro é interessante. Em 2014, a FGV Direito Rio e o jornal O Estado de S. Paulo firmaram uma parceria para lançar um blog no portal eletrônico do jornal chamado Conexão Eleitoral. A intenção era conjugar a reflexão acadêmica brasileira sobre os problemas relativos às eleições brasileiras com aqueles desafios que a imprensa enfrenta na sua cobertura. O blog ficou em atividade entre julho e novembro de 2014, contabilizando-se 57 postagens publicadas no período. Assim, a partir desse material, o professor Joaquim Falcão reuniu diversos professores (muitos dos quais já haviam colaborado com textos no blog) para aprofundarem as reflexões lá realizadas em 15 artigos de maior fôlego – além de dois “textos especiais”, a apresentação e um intermezzo – tendo como parâmetro a realização de reformas político-eleitorais, isto é, a mudança das regras que regem as eleições no Brasil.
E podemos dizer que o resultado é um livro extremamente agradável de ler, além de apresentar análises que, acreditamos, se tornarão essenciais para o debate da reforma no Brasil. Ao leitor fica a impressão de estar lendo trabalhos realizados por pessoas que sabem do que estão falando, buscando furtar-se de maniqueísmos e apresentar os diversos prós e contras das questões, sempre tentando inovar no modo de ver (ler) os problemas. Dois exemplos do modo como os autores tratam os problemas podem ser dados a partir dos artigos sobre a obrigatoriedade do voto e sobre o financiamento de campanha.
No primeiro artigo, o professor Fernando Fontainha propõe o fim do voto obrigatório no Brasil. Entretanto, ele realiza a reflexão a partir de uma interessante comparação com a situação francesa tendo como ponto de análise a abstenção eleitoral. Inicia o artigo com uma reflexão sobre a natureza da sanção no Direito, podendo ser resumida na seguinte pergunta (provocação): “é a existência ou a efetividade das sanções do Direito Eleitoral à abstenção não justificada que determinam se o voto em um país é compulsório ou facultativo”? Isto é, considerando que a França é tida como um exemplo de país cujo voto não é obrigatório por vasta literatura tanto francesa como brasileira, mas levando-se em conta que, na realidade, a inscrição eleitoral e o voto são tidos como deveres dos cidadãos, apenas não existem sanções para aqueles que não votam; considerando-se ainda que as sanções existentes para aqueles que não votam no Brasil são irrelevantes (possibilidade de justificativa, multa de valor desprezível, etc.); podemos perguntarmos se o voto realmente é obrigatório no Brasil.
A partir dessa provocação, Fontainha constrói uma comparação da abstenção eleitoral na França (onde não existem sanções) e no Brasil (onde as sanções são irrisórias). E o resultado é que a abstenção eleitoral é praticamente igual nos dois países. A conclusão do autor pelo fim da obrigatoriedade envolve, assim, uma crítica ao modo como o voto é “sentido” dentro da sociedade brasileira. Muito interessante.
O outro artigo, do professor Michael Freitas Mohallem, aborda alternativas para o financiamento de campanhas no Brasil após a declaração de inconstitucionalidade pelo STF do financiamento eleitoral por empresas privadas – o que era apenas uma perspectiva quando da escrita do texto. O autor faz uma comparação com a utilização de recursos individuais em diferentes países, especialmente os EUA, e mostra como essa espécie de doação pode crescer no Brasil. Neste sentido, mostra como nossa legislação eleitoral inviabiliza a utilização de métodos mais modernos de captação de recursos através da internet, como o uso de páginas específicas para isso, conhecidas como sistema de financiamento coletivo (crowdfunding). Utiliza-se desse raciocínio para recusar de plano a adoção do financiamento exclusivamente público de campanha, embora não enfrente os argumentos favoráveis ou contrários a esse sistema de modo direto – apontando um caminho poucas vezes aventado no debate sobre o financiamento das campanhas em nosso país.
Outro exemplo do modo de pensar exposto no livro é o artigo que o abre. Neste artigo, Joaquim Falcão coloca em questão a necessidade de uma reforma completa e radical, utilizando a reforma do Judiciário realizada em 2004 como exemplo. Tal qual naquela ocasião, argumenta o autor, existia um consenso acerca da necessidade da reforma – embora ela estivesse tramitando havia 16 anos – que só foi tornada possível a partir de pequenos acordos políticos informais. Logo, conclui o autor, o essencial é realizar uma reforma, ainda que parcial e que possa ser completada no futuro, isto é, uma reforma por etapas.
O livro é tão bom em sua proposta, com diversos artigos essenciais e de leitura obrigatória para quem se preocupa em oxigenar o debate sobre a reforma político-eleitoral no Brasil, que o único ponto negativo é o seu tamanho: com pouco mais de 200 páginas, fica o desejo de que os textos fossem maiores ou que outros textos abrangendo mais aspectos dentro da temática do livro, com o mesmo espírito, fossem produzidos.
Portanto, apenas podemos torcer que o livro desempenhe seu papel em fomentar o debate e possibilitar verdadeiras reformas no quadro político-eleitoral brasileiro – não o arremedo que foi produzido pelo nosso congresso.