Premiar alguém que seja escritor num sentido mais tradicional, alguém com menor projeção midiática, faria mais sentido.
A Academia Sueca anunciou hoje, dia 13 de outubro, o cantor e compositor Bob Dylan como vencedor do Prêmio Nobel de Literatura 2016. Dylan chegou a lançar 37 discos de estúdio e 11 ao vivo, além de publicar os livros Tarântula, Writings and Drawings by Bob Dylan e Crônicas – Vol.1. Mas, apesar destes, aparentemente suas canções foram o motivo principal da premiação. Sara Danius, secretária-geral da Academia, declarou que Dylan foi escolhido “por criar novas expressões poéticas dentro da grande tradição da música americana”; e ainda foi citado que “Dylan tem o status de um ícone” e que “sua influência na música contemporânea é profunda”.
Apesar de seu nome ser recorrentemente cotado como um possível ganhador do prêmio, o anúncio de hoje deixou muita gente surpresa: Dylan merecia ou não? Letra de música é literatura?
Letra de música não é necessariamente poesia – mas pode ser. A confusão está aí. Letrista de música não é necessariamente poeta (no sentido de fazer algo literariamente interessante), mas também pode ser encarado como tal. No final das contas, um mau letrista não vai ser encarado como poeta (talvez um péssimo poeta), enquanto um bom letrista pode – por que não? – ser encarado como bom poeta. O que é (boa) poesia e o que é (boa) letra de música? Quando uma coisa está nas duas categorias e não apenas em uma? Difícil de se chegar a alguma conclusão.
No entanto, no caso em questão, tirando a discussão do se “ele merecia ou não”, creio que seja mais válida a de se “fazia sentido ou não”, se “ele precisava ganhar ou não”: eu, particularmente, acho que não. Bob Dylan é um compositor super reconhecido, consagrado, mainstream, totalmente ao alcance das pessoas “comuns”. Não precisava desse tipo reconhecimento da Academia Sueca. Como mostra a matéria publicada hoje na Folha de S. Paulo, Bob Dylan é o único ser humano laureado com os prêmios Oscar, Grammy (doze premiações) e Globo de Ouro, além do Pulitzer e o Príncipe das Astúrias.
Premiar alguém que seja escritor num sentido mais tradicional (ou seja, alguém cujo valor maior para a sociedade seja o fato de ser escritor e não cantor/compositor), alguém com menor projeção midiática (de forma que o ajude a se consagrar mundialmente e, quem sabe, se popularizar), faria mais sentido. O anúncio de hoje parece demonstrar certo desespero da Academia Sueca em ser popular e moderninha, de mostrar que não está engessada (o que, quem sabe, não seja de todo mal).
Caso existisse um Prêmio Nobel específico para música, a premiação de Dylan teria sido mais plausível. E, ainda assim, haveria a discussão entre se premiar a dita música “séria/erudita/acadêmica” ou uma música “popular/comercial”. Por que premiar Dylan e não Steve Reich ou Arvo Pärt? Ou então John Williams ou Ennio Morricone, para ficarmos em compositores mais populares/comerciais? Ou seja, seria algo questionável de qualquer forma.
Rafael Sperling
Compositor e produtor musical formado pela UFRJ. Autor, entre outros, de Festa na usina nuclear (Ed. Oito e meio, 2011) e Um homem burro morreu (Ed. Oito e meio, 2014). Algumas de suas histórias foram publicadas em veículos como Folha de S. Paulo e Jornal Rascunho, e traduzidas para várias línguas.