Claro, só se quer acabar com a intolerância do outro lado.
Estudantes interrompem a exibição do Jardim das Aflições na UFPE, onde não cabe um filme de extrema direita. O resultado é pancadaria entre dezenas de inconformados e uns cinco expectadores. Estudantes interrompem uma aula na UERJ sobre a Revolução Russa, propaganda marxista. Gritando, foram removidos pelos seguranças da instituição. Os dois casos ocorreram na semana passada.
Gostaria de estar chocado com essas e outras ocorrências recentes, como alguns amigos e conhecidos meus, mas não estou. Não me faz sentido chocar-se com o que não é novo e, ainda por cima, é um costume.
Sim, o MBL, por boicote, conseguiu cancelar a exposição no Santander Cultural. O MBL também mobilizou as redes contra uma performance de gosto duvidoso no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Esses eventos motivaram artistas engajados em passeatas contra a intolerância. Em circulação há alguns dias, há um abaixo assinado, subscrito por centenas de milhares de pessoas, para cancelar uma palestra de Judith Butler em São Paulo. A frequência dos casos nesse semestre faz com que alguns se preocupem com o avanço da intolerância ou, como queiram, do fascismo no Brasil.
Os surpresos de agora, como os traídos, foram os últimos a saber do problema. Digo, saber do avanço da intolerância; do fascismo não digo, porque no Brasil é só uma interjeição. Casos assim, até meados deste ano, eram uma peculiaridade da esquerda e não surpreendiam ninguém. Os artistas e intelectuais que se preocupam agora, em maior ou menor grau ligados a pautas de esquerda, só descobriram o problema porque os atinge e a suas causas. Uma surpresa que o narcisismo lhes trouxe.
Fora da bolha, ativistas de movimentos sociais praticam há anos a coação de quem nomear seu antagonista ou a supressão do que fira suas sensibilidades. Qualquer pessoa pública que desagrade os missionários da justiça social é coagida a arrepender-se ou calar-se na fogueira das problematizações. Quando Yoani Sánchez veio ao Brasil, sua passagem arrastou consigo multidões de militantes que a acompanhavam apenas para calá-la. O paralelo entre os casos da filósofa globalista e da agente da CIA não precisa de maiores demonstrações. As duas precisam ser caladas.
Os casos vindos da direita chamam a atenção também porque são novidade. Aqueles da esquerda já nos levaram ao fastio e vemos como certa banalidade. Banalidade ao quadrado, diga-se de passagem. Primeiro, os casos acontecem quase toda semana. Segundo, as manifestações dos ativistas sociais incidem sobre qualquer coisa. Chegamos ao ponto em que ativistas sociais problematizam a sério uma publicidade de papel higiênico.
Ativistas de direita ainda precisam avançar muito para chegar a esse ponto – e não duvido que cheguem rápido. Tomemos o caso da performance no MAM. Não vou entrar no mérito dessas manifestações, em nome dos valores cristãos, serem capitaneadas por um ator pornô de filmes com transexuais. O fato é que os ativistas preferiram dar sobrevida à performance – e o artista agradece. Se tudo corresse normalmente, nem mesmo o artista se lembraria da performance dali a alguns dias. Quem se lembra de Macaquinhos, aquela homenagem, creio, ao exame de próstata?
Os intelectuais e artistas, a casa já pegava fogo enquanto dormiam o sono dos justos. Há anos, coisa de uma década talvez, praticamos as virtudes intelectuais da coação e do constrangimento. De exposições em museus a papel higiênico, nós as aplicamos a tudo. À direita e à esquerda, nas menores banalidades da cultura, ativistas se empenham em silenciar tudo o que não gostem.
Agora que o problema bate seus brios, as artes e a inteligência descobrem a intolerância e que ela precisa parar. De vez em quando o ego propicia um mínimo de lucidez. Claro, só se quer acabar com a intolerância do outro lado, que é cheio de ódio. O nosso lado é só amor.
Meus amigos se preocupam com isso. Eu, por minha vez, rio – de nervoso.
Daniel Torres
Advogado, bacharel pela UFRJ.
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