E lá vamos nós de novo

por Lucas Baqueiro (26/10/2018)

O caldo requentado das experiências com Jânio Quadros e Fernando Collor, dois outros salvadores da pátria, poderá entornar.

Estamos a poucas horas do segundo turno da eleição presidencial. Na noite do domingo, metade dos brasileiros estarão comemorando com alegria e fervor a eleição do seu presidente – que muito provavelmente será Jair Bolsonaro -, enquanto outra metade lamentará com amargor. Com os ânimos acirrados como estão, falta lucidez para uma necessária conversa sobre o nosso futuro. Conversa, aliás, que bem deveria ocorrer antes de depositarmos nas urnas as nossas frustrações e esperanças.

Do Partido dos Trabalhadores, já bem conhecemos o largo rol de vícios e crimes que são useiros e vezeiros. Sabemos o que esperar de um eventual governo de Fernando Haddad. Disso, não escondem o petismo e sua corriola. O petismo tem representado progressivamente, desde o segundo governo Lula, gigantesco retrocesso na democracia brasileira, gerando ódio e divisão entre o povo desse país. Não por acaso é que explodimos sonoramente em 2013, nos protestos que diretamente desembocaram, depois de postos em animada suspensão, na loucura eleitoral que estamos vivenciando neste ano.

O eleitor que pressionará o número do PSL na urna, no próximo 28, geralmente passa longe da catilinária sobre o fascismo que hoje brada a esquerda. Os barulhentos, radicais e acéfalos que os acompanham, e acham que são opressores – quando sequer têm coordenação motora para limpar a própria bunda – são uma minoria entre  seus eleitores. Quem vota em Bolsonaro, geralmente, é gente de bem, legitimamente preocupada com o agigantamento da violência no país. São cidadãos que cansaram de ter os seus impostos roubados para alimentar e engordar uma corja xexelenta. É o cansado brasileiro que quer, e exige, verdadeiro golpe de timão na velha política. Não estão movidos pelo ódio, como pinta a campanha oposta, mas pelo amor à sua família, à sua estabilidade, tendo em mente a preservação mais básica da sua dignidade constante dos seus direitos na Carta Magna. É o cidadão de bem – sem aquele uso pejorativo e babaca que o necrogovernismo mais cretino quis dar ao termo.

Boa parcela daqueles que fazem a opção pela candidatura de Jair Bolsonaro, para além disso, estão magoados e ofendidos. Sentiram-se enganados, depois de acreditarem que a esperança venceria o medo, em 2002, e verem que a vitória final foi a da corrupção. Sentiram-se humilhados ao ver o petismo promover um amplo discurso contra a classe média, pronunciado com toda a bílis que escorria da boca de Marilena Chauí, sob gargalhadas volumosas do presidente Lula. O estado de bem-estar social que tanto sonhavam, e acreditavam que viria sob os auspícios da estrela vermelha, foi um engano: o que se viu foi uma crise econômica sem precedentes, da qual o engodado eleitor absorveu os impactos, perdendo seu emprego e sua renda. Não é por menos que resolveu dar o troco, alijando do poder a quem o ludibriou.

A grande maioria se lixa para o discurso cretino de defesa da família e dos costumes, sempre pronunciada pela boca de ávidos surubeiros, inclusive. Só querem um pouco de paz, sossego e sinceridade da classe política. Os psicopatas que bradam a respeito de perseguir e matar homossexuais ou cassar seus direitos igualitários (e não privilégios, como enganosamente tenta empurrar o seu mito, durante suas falas), são minoria que não representa, nem de longe, o escopo geral do eleitorado do capitão do Exército. Mas, esses não fazem medo: com a revogação do Estatuto do Desarmamento, não serão apenas os defensores da família que estarão armados. Os veados, as travestis e as putas, se ameaçados, também poderão sacar suas Berettas .38 e dar um belo tirambaço no cocuruto de quem os ameace – e é o que farão, porque é preciso ter muita hombridade ou hembridade para enfrentar a sociedade, como já fazem aqueles que forçosamente são marginalizados.

O eleitorado quer tranquilidade em suas vidas, em resumo. Quer um país mais ou menos ordeiro, como nos tempos de Fernando Henrique Cardoso, quando tínhamos um mínimo de serenidade. O cidadão quer segurança para sair de casa sem ser assaltado, para depois ver o criminoso liberto. Não há nada de errado com esse sujeito que acredita, piamente, em Bolsonaro como a panaceia para todos os problemas deste desolado rincão sul-americano.

Problemático, porém, é saber que as coisas não se resolvem num passe de mágica. Pior é saber que o caldo requentado das experiências com Jânio Quadros e Fernando Collor, dois outros salvadores da pátria, poderá entornar.

No eixo da segurança pública, por exemplo, nada se resolverá num passe de mágica. Ignoramos a força e o poder das organizações criminosas. Nominalmente cito, por exemplo, o Primeiro Comando da Capital, o Comando Vermelho e a Família do Norte, que dividem e dominam presídios e áreas, nas capitais e interior, onde impera a mais completa vulnerabilidade social. E por que o faço? Porque elas nasceram e cresceram como redes de solidariedade diante do mais absoluto descaso com as penitenciárias e cadeias públicas em todo o Brasil – e, assim, expandiram seu verdadeiro império. Como reagirão a um presidente que usa as instituições correcionais e massacres dos presídios de Pedrinhas, Alcaçuz e Manaus como modelos, prometendo torná-los verdadeiros campos de concentração? Acreditamos mesmo que aceitarão pacificamente serem mortos? Não resta nem sombra de dúvida, aliás, de que ampliarão o escopo da inclemente guerra contra o poder público que hoje travam. O mortícinio será grande e atingirá a todos, desde o pacato cidadão que contempla sua vista da praia de Ipanema, ao sacrificado ribeirinho que pesca seu peixe nas margens do Rio Tapajós.

Como tempero adicional desse indigesto prato, não nos esqueçamos das milícias, de quem Jair Bolsonaro, de forma audaz, é orgulhoso apoiador. As milícias concorrem, em reino de terror e vasta trilha de criminalidade, com o tráfico de drogas de igual para igual. Não haverá paz para ninguém, e o império da lei – que propaladamente o futuro presidente se propõe a instaurar – será um distante sonho.

E do combate à corrupção, que poderemos dizer? Vemos associado à figura de Bolsonaro corruptos de grande monta ou pessoas que não têm exatamente a ficha mais limpa, como Roberto Jefferson, Magno Malta, Luciano Bivar (aquele, frise-se, que pagou propinas à CBF para convocar à seleção um jogador do time que presidia), Onyx Lorenzoni, Alberto Fraga e um sem-número de pessoas. Resolveu caminhar junto de si a banda mais podre do Centrão, que não hesitou em compor os governos Lula e Dilma, e dele bem se servir. Sua camarilha oficial não se escusa dos pequenos atos de corrupção, valendo-se de auxílios-moradias irregulares e outras firulas para engordar o bolso, como bem ensinou o seu candidato a governador no Rio, o ex-juiz federal Wilson Witzel.

Mesmo para aqueles que acreditam, na pequenez de suas almas, que os bons costumes reinarão sobranceiros, nada mudará. O casamento entre pessoas do mesmo sexo continuará existindo, por força normativa (a bem da verdade, usurpada) do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. A homossexualidade não será e não poderá ser criminalizada. As paradas gays não deixarão de existir. As organizações LGBTs também não serão extintas, e continuarão atuando normalmente, por mais que acreditem os mais renhidos conservadores. Os propalados livros que ensinam crianças a fazer sexo não serão banidos das escolas públicas, sequer, porque jamais existiram, jamais se fizeram presentes. Tudo fica igual nessa seara.

Talvez, excepcionalmente, Bolsonaro cumpra uma promessa: a de acabar com os medicamentos gratuitos para o HIV/AIDS, o que foi prometido numa curta entrevista ao CQC. Assim, quem sabe, extermine 0,5% da população brasileira – quase um milhão de pessoas – que convivem com o vírus e a doença decorrente dele. São pessoas que sequer você imagina que possam conviver com isso, como os professores do seu filho, sua empregada, seus primos, seus pais, seus avós, seus amigos, uma multidão de conhecidos. O problema disso, para aquelas pessoas que não se sentem muito empáticas com gays, lésbicas e travestis, é que isso diz respeito a todo o mundo. Primeiro, diz respeito porque a segunda população que mais cresce entre pessoas infectadas pela doença é composta especialmente por mulheres heterossexuais de meia-idade, que se contaminam por intermédio de seus maridos. Segundo, porque o que nos impede de virar um país subsaariano, com um quarto da população vivendo com o vírus, é o fato de que o uso constante dos remédios torna o portador do HIV intransmissível (mesmo fazendo sexo sem preservativo), uma vez que o vírus deixa de existir no sêmen e no sangue em quantidade significativa. Com o fim do programa, além dos que morrerão em decorrência das doenças oportunistas da AIDS, uma grande parcela da população estará sujeita a contaminar-se. Afinal, de contas, intimamente confessemos ao pé do ouvido: poucos são os que vivem, inclusive heterossexuais e religoiosos, na mais absoluta castidade.

Se os pontos fulcrais do programa de governo do capitão Bolsonaro, que são a segurança pública, o combate à corrupção e a defesa da “família” – curioso conceito que ressona dos lábios de um homem que se divorciou três vezes, não tem religião, e diz usar auxílio-moradia para “comer gente” – não serão cumpridos, que diferença positiva fará para quem nele decidiu votar?

O Brasil já está na mais absoluta merda. O Partido dos Trabalhadores representa um grande mal para a nossa história política e social, tendo nos denegado treze anos de desenvolvimento e riqueza. Como disse, no início, já sabemos o que dele esperar, e coisa boa não é. O grande problema consiste no que poderemos esperar de Jair Bolsonaro. Pode ser muito pior. É por isso que, antes de acreditarmos num conto de fadas absoluto, pensemos duas vezes na decisão que tomaremos no dia 28.

Sou, como todos os que me conhecem bem sabem, uma pessoa que não se pode dizer comunista, socialista, petista. Fui às ruas lutar pelo impeachment de Dilma, uma das figuras mais canalhas, pusilânimes e execráveis que existiram nesse país. Sou antipetista até a medula. Não tenho nenhuma simpatia com a esquerda, mesmo aquela mais democrática. Nunca depositei um voto num candidato do Partido dos Trabalhadores, ou que com este tivesse qualquer ligação.

Mas, neste domingo, não votarei 17. E, mais: votarei contra Jair Bolsonaro e o futuro horroroso que representa para o Brasil. O petismo, se não entrar na linha do centrismo, é chutado para fora do governo pelo parlamento, como foi em 2016. O capitão Jair e o general Mourão, por sua vez, deixam-me inúmeras incertezas sobre sua submissão às leis, sobre o futuro, mas outras tantas certezas tenebrosas, que aqui elenquei.

Pense duas vezes você também.

Lucas Baqueiro

Bacharel em Humanidades pela UFBA. Editor de política e atualidades da Amálgama.

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