Mano Brown não mudou de ideia, obviamente. Continuará defendendo o PT.
“Malicioso e realista, sou eu, Mano Brown”, dizia o líder dos Racionais Mc’s no primeiro sucesso do grupo, “Fim de semana no parque”, de 1994, rap que sei de cor, pois era fã dos caras. Passei boa parte da minha adolescência e início da fase adulta os ouvindo, quando vivia num bairro de periferia parecido, guardadas as devidas proporções logicamente, com os que retratavam em sua arte. Um dos motivos que, com certeza, me fizeram ser eleitor do PT e ter ajudado a colocar o Lula no poder, afinal o meu até aquele momento ídolo fazia campanha para o ex-líder sindical e hoje presidiário.
Um pouco disso já falei no meu primeiro texto aqui no Amálgama, “Mano Brown dixit”, em que tratava de um discurso do rapper paulista afirmando que a população da favela, manipulada pela mídia, principalmente a Rede Globo (odiada por esquerda e direita, mas sempre no topo) havia virado as costas para a presidente afastada Dilma. Que a favela, enfim, seria a culpada por perder para a elite o lugar que havia conquistado.
Agora, pelo visto, as ideias de Mano Brown tomaram um rumo diferente. Em outro discurso de ar messiânico, típico de seus shows, só que dessa vez na frente do candidato à presidência pelo PT, Fernando Haddad, em comício no Rio de Janeiro, apontou que o partido que se diz dos trabalhadores virou as costas para o povão e que, ao não falar a língua do povo, irá perder as eleições. Fazendo jus aos seus versos de início de carreira, frisou: “Não estou pessimista, sou realista”. Atrás dele, viam-se políticos e artistas (os baluartes da MPB e os atores, vejam só, da tão odiada Globo em destaque) constrangidos, gesticulando, inquietos, sem saber o que fazer, pois esperavam um discurso otimista de um MC que lançou recentemente um trabalho solo falando apenas de amor e baladas. Um Mano Brown paz e amor que passou a aceitar ser entrevistado e até sorri para as câmeras.
O autor de “Diário de um detento” continuou sua pregação afirmando que não podia achar que as pessoas do seu dia a dia, que o amam, lavam seu carro, servem seu café (assumindo, de certa forma, que hoje ele é a elite que tanto atacava), sejam monstros porque vão votar no outro candidato, Bolsonaro. Dessa vez, não são essas pessoas as culpadas por tudo que está acontecendo, mas sim a comunicação “do pessoal daqui falhou”, disse apontando o dedo para trás, não conseguindo falar a língua do povo e que por isso vão “pagar o preço”.
Depois de ser vaiado, não sem antes mandar um “foda-se”, disse que não estava ali para ganhar voto, porque tudo já está decidido. Depois deixou Caetano Velos assumir o microfone rapidamente para caetanear, tentando desvirtuar o discurso, alegando complexidade do momento (ou não) e afirmando que a culpa de certa imbecilidade que nos assola é de filósofos que “falam palavrão” (só Mano Brown pode falar, ora essa), mostrando que não entendeu (ou não quer entender) o alerta do rapper. Como diz o Homer Simpson, “a culpa é minha, então eu boto em quem eu quiser”.
Mano Brown não mudou de ideia, obviamente. Continuará defendendo o PT, apesar de dizer que política não lhe interessa, salvo se os xingamentos de que está sendo vítima nas redes sociais o façam perceber que a independência de um artista é fundamental para poder realizar sua obra. Em se tratando de alguém com um histórico de militância, é bem improvável que tenha essa lucidez.
A propósito, as letras do álbum Sobrevivendo no inferno, dos Racionais Mc’s, lançado em 1997, estarão na lista de leituras obrigatórias no vestibular da Unicamp de 2020. A Companhia das Letras não perde a deixa e está lançando um livro com a reprodução dos quilométricos versos de músicas como “Capítulo 4, versículo 3” e “Mágico de Oz”. Se são relevantes como poesia, é uma discussão ainda a ser feita. Fica, porém, para um próximo artigo.
Cassionei Petry
Professor e escritor. Seu novo livro é Cacos e outros pedaços.
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