Leonardo Da Vinci fez, com sua derradeira pintura, o que Huizinga queria realizar em sua obra histórica.
O caos arcaico (I)
O caos arcaico (II)
O caos arcaico (III)
“Nas sombras do amanhã: um diagnóstico da enfermidade espiritual de nosso tempo”, de Johan Huizinga (Caminhos, 2017, 234 páginas) | “Leonardo da Vinci”, de Walter Isaacson (Intrínseca, 2017, 640 páginas)
“O vazio nasce quando a esperança morre.”
Leonardo Da Vinci, Pensamentos
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Porém, antes de enfrentarmos Bento Prado, Jr., o “príncipe da filosofia uspiana”, temos de recuar um pouco mais – e por duas razões. A primeira é para abordarmos o centro da questão em torno do dilema que há entre as visões metafísica, crítica e poética apresentadas por Alfonso Berardinelli; a segunda é que, se quisermos entender melhor a tensão entre conhecimento e experiência, é fundamental elucidar o fracasso do secularismo na nossa imaginação contemporânea.
Para isso, vamos voltar a dois nomes distantes do nosso tempo, mas que ainda ecoam na discussão pública, mesmo que de maneira cifrada: Johan Huizinga e Leonardo Da Vinci.
O primeiro retorna às terras tupiniquins com o relançamento de seu testamento, Nas Sombras do Amanhã – Um diagnóstico da enfermidade espiritual do nosso tempo, bela edição da editora Caminhos, com tradução e acabamento gráfico caprichados – e, não à toa, com uma capa baseada em um dos inúmeros desenhos de Goya sobre “os desastres da guerra”. Com este livro, escrito em 1935, à beira do surgimento das forças nazistas e fascistas na Europa, Huizinga não pretende dar margem a uma desesperança que, no fundo, levaria o leitor ao quietismo político. Pelo contrário: ele quer fazer um diagnóstico correto da situação em que se encontra para que o leitor faça a única ação necessária – a de aceitar que “vivemos em um mundo possesso”, repleto de demônios ocultos dentro de nós mesmos, os quais não temos condições de identificar porque ficamos obcecados com a restauração a um mundo que não existe mais, uma restauração que, segundo a “mente naufragada” a tomar conta da nossa imaginação (não só nos anos 1930, mas também neste anno domini de 2018), nos impediu de percebermos que a única certeza é que “um completo retorno [a um passado ideal] é impossível”.
Se nas suas obras-primas anteriores – e que lhe deram fama mundial –, como O Outono da Idade Média (1919) e Homo Ludens (1938), Huizinga quer decifrar o passado do continente europeu, em Nas Sombras do Amanhã ele pretende encontrar um fio comum que conecte o que já aconteceu com o que acontecerá na sua própria biografia e na biografia do continente europeu. Talvez a solução disso está na epígrafe que abre o livro, retirada de São Bernardo de Claraval – “Tem este mundo as suas noites, e não são poucas”. Contudo, isto não o faz um reacionário, naquele sentido que Mark Lilla parece querer classificar qualquer um que faça parte de uma sensibilidade conservadora:
“A mente reacionária é uma mente naufragada. Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o reacionário enxerga os destroços do paraíso passando à deriva. Ele é um exilado do tempo. O revolucionário vê o futuro radioso que os outros não são capazes de ver, e com isto se exalta. O reacionário, imune às mentiras modernas, vê o passado em todo o seu esplendor, e também se sente exaltado. Sente-se em mais forte posição que o adversário por se julgar guardião do que de fato aconteceu, e não profeta do que poderia ser. Isso explica o desespero estranhamente arrebatador que permeia a literatura reacionária, seu palpável senso de missão […]. A combatividade da sua nostalgia é o que torna o reacionário uma figura tipicamente moderna, e não tradicional”.
De qualquer maneira, Huizinga não é um “exilado do tempo”. Para sermos mais exato, ele faz parte daquela tradição humanista da “terceira força” da qual Erasmo de Rotterdam foi um dos pioneiros, cuja principal meta é interpretar os fatos históricos dentro de uma perspectiva que inclua, antes de tudo, a possibilidade de uma liberdade interior que faça o pensamento individual escapar de qualquer espécie de totalitarismo, seja político, cultural ou religioso. Ainda assim, ele percebe que a própria modernidade se encontra numa crise oriunda dos próprios fundamentos metafísicos que a transformaram em um triunfo – entre eles, a mesma “terceira força” humanista que sustenta o próprio trabalho de Huizinga, como historiador e como guia de um mundo que não consegue mais encontrar um exorcismo adequado para expulsar os demônios criados por essas mesmas virtudes.
Entretanto, apesar de estar aparentemente perdido neste emaranhado de tensões, Huizinga chega a tocar o dedo na ferida do problema que contamina a nossa imaginação, ao encontrar o nó górdio que amarra, quase de maneira inviolável, as vertentes crítica, técnica e metafísica ainda presentes no nosso discurso público, mesmo que não saibamos disso. Segundo sua perspectiva, “o problema central da crise civilizatória” é “o conflito entre conhecimento e existência”. Assim, “a insuficiência essencial do nosso conhecimento foi constatada desde o início da filosofia. A realidade em que vivemos continua fundamentalmente inconhecível [sic], impossível de ser explorada por meios intelectuais, totalmente separada do pensamento. Na primeira metade do século XIX essa velha verdade, conhecida já de um Nicolau de Cusa, foi retomada por Kierkegaard e posta, na forma de oposição entre existência e pensamento, no centro de sua filosofia, o que o levou a estabelecer um alicerce ainda mais sólido para a sua fé. Foram os seus sucessores que, tendo percorrido por conta própria um caminho semelhante, privaram a ideia original de sua orientação para Deus, fazendo com que naufragasse quer no niilismo e no desespero, quer no culto da existência terrena. Nietzsche tentou resgatar o ser humano de seu trágico exílio do reino da verdade ao supor, detrás da vontade de conhecer as coisas, o fundamento mais profundo do desejo vital, concebido como vontade de poder. O pragmatismo privou o conceito de verdade da pretensão à vaidade absoluta, enquadrando-o nas tendências particulares de cada época. Verdade seria aquilo que tem um valor essencial para os que a professam. Algo é verdadeiro quando e na medida em que for válido para determinada época. Qualquer espírito menos cultivado poderia facilmente intervir: tal coisa tem validade, logo é verdadeira. Bergson pavimentara o caminho para o anti-intelectualismo que fatalmente desembocaria numa espécie de igualitarismo intelectual e moral, na abolição de toda a distinção de hierarquia e valor entre as ideias. Sociólogos, entre os quais Max Weber, Max Scheler, Oswald Spengler e Karl Mannheim, viram na Seinsberbundenheit des Denkens (‘vinculação do pensamento à situação em que existimos’) uma premissa que os pôs na vizinhança imediata do materialismo histórico, a filosofia antinoética por excelência. E assim, aos poucos confluíam as forças antinoéticas do século numa poderosa torrente, que em breve romperia os diques da cultura tidos por inquebrantáveis”.
É uma reviravolta do espírito que se torna, enfim, “o processo que domina de fato em que nos encontramos”, em um “anti-intelectualismo, tanto sistemático e filosófico quanto pragmático, como o que testemunhamos atualmente” que “é, com efeito, algo inédito na história da civilização humana. Sem dúvida ocorreram por diversas vezes na história do pensamento guinadas em que o abuso do primado dos conceitos foi sucedido pela afirmação da vontade. Uma guinada desse tipo ocorreu, por exemplo, quando, por volta do século XIII, o pensamento de João Duns Escoto sucedeu ao de São Tomás de Aquino. Tais mudanças não afetavam, contudo, a vida prática nem a condição terrena, mas sim a fé, o desejo de um alicerce mais sólido para a existência. E isso sem que deixassem de admitir a irracionalidade de tais convicções. A opinião atual confunde levianamente intelectualismo com racionalismo. Ora, mesmo as filosofias que, preterindo a reflexão e a compreensão lógicas, quiseram, através da intuição e da contemplação lógicas, atingir o que era inacessível ao conceito, não o fizeram senão precisamente em nome do conhecimento e da verdade. A palavra grega gnosis ou a indiana jnana mostram claramente que mesmo a mais etérea mística não deixa de ser uma forma de conhecimento. Trata-se ainda do espírito movendo-se dentro da esfera do inteligível. Aperceber-se da verdade sempre foi o ideal. Civilizações que descartassem o conhecimento em seu sentido mais amplo ou que renegassem a verdade são um fenômeno inédito”.
Huizinga dava este diagnóstico em 1935, mas ele também se aplica perfeitamente neste início do século XXI, com o mesmo tipo de atitude de recusa diante do “instrumento lógico”, de um desprezo da “razão”, em favor de alguma faculdade “suprarracional” que renega completamente a “inteligência mesma, e isso em favor do sub-racional, das pulsões e dos instintos. Optam, desse modo, pela vontade, mas não aquela voltada para a fé, no sentido de Duns Escoto, senão aquela vontade de poder, a ‘existência’, o ‘sangue e pátria’, em lugar do ‘conhecimento’ e do ‘espírito’”.
Podemos discordar de algumas opiniões do historiador holandês a respeito de alguns filósofos que podem ou não terem detonado este problema civilizacional – como é o caso dos citados Bergson e Kierkegaard –, mas não conseguiremos fugir do fato de que a sua análise é, além de ser sintética e precisa, absolutamente correta. O “caos arcaico” se tornou um sistema tão harmonizado nas entranhas da nossa imaginação que, infelizmente, não conseguimos pensar de outra maneira. O que Huizinga propõe é encarar a noite deste mundo com uma coragem insuperável. O único problema dessa empreitada é saber se ainda estamos no meio de um “julgamento das nações”, ou se ele já se exauriu de tal forma que a única estratégia que nos resta é nos escondermos em uma caverna e esperarmos para que a união entre conhecimento e experiência ressurja plena, numa quimera tão óbvia que a melhor opção passa a ser mais um “possesso” em um cosmos já ocupado de demônios indomados.
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Neste ponto, talvez não seja um exagero encontrarmos na figura de Leonardo Da Vinci (1452-1516) – especialmente no modo como ela é apresentada na biografia recentemente publicada de Walter Isaacson –, como o indivíduo que representa fielmente o início desta tensão entre o que podemos conhecer pela experiencia concreta da realidade e o que realmente experimentamos por meio do conhecimento conceitual. Ele é, sem dúvida, o artista que melhor comprova o começo desta era de um “mundo possesso”. Há algo demoníaco em suas pinturas – em especial, os retratos femininos –, em seus desenhos sobre a mecânica das coisas e do corpo humano, em seus esboços de quadros (entre eles, o inigualável A Adoração dos Magos e o retrato de São Jerônimo), nas esculturas que jamais foram feitas e naquele afresco imperfeito que é A Última Ceia.
Mas não se trata de uma possessão como a que depois identificaríamos, por exemplo, em Goya ou Francis Bacon. Leonardo é um possesso mais por uma ideia clara, de “obstinado rigor”, sobre o que ele sabe exatamente o que deve ser feito em sua obra, do que propriamente por uma possessão de algo indefinido ou ambíguo. É nítida a busca suprema dele para unir o conhecimento com a experiência – uma busca que, no final, terminará em um conjunto repleto de fragmentos e pedaços, que só adquirem sentido se percebermos que Da Vinci, como bem observou Martin Kemp em seu fundamental livro Leonardo – The Marvellous Works of Nature and Men, era um seguidor da famosa tradição dantesca do dolce stilo nuovo, o doce novo estilo da poesia italiana que buscava, mais do que qualquer outra coisa, uma unidade plena entre as paisagens da natureza e os “movimentos da alma” interior a serem dramatizados em gestos, olhares e – sobretudo – sorrisos.
Ocorre que o Leonardo retratado por Isaacson não está muito preocupado com isso. Para o biógrafo de Benjamin Franklin, Albert Einstein e Steve Jobs, seu fascínio pelo artista italiano ocorre porque ele seria “o exemplo definitivo do tema central” dos seus livros anteriores: “como a habilidade de conectar disciplinas – artes e ciências, humanidades e tecnologia – é a chave para a inovação, imaginação e genialidade. Benjamin Franklin […] era um Leonardo de sua época: sem educação formal, aprendeu sozinho a se tornar o polímata criativo que foi o melhor cientista, inventor diplomata, escritor e estrategista comercial do Iluminismo norte-americano. Ele demonstrou, empinando uma pipa, que raios contêm eletricidade, e inventou um bastão capaz de armazená-los. Criou as lentes bifocais, instrumentos musicais fascinantes, lareiras menos poluentes, estudos sobre a corrente do Golfo e o peculiar estilo de humor popular dos Estados Unidos. Albert Einstein, quando ficava empacado com a teoria da relatividade, pegava seu violino e tocava Mozart, o que o ajudava a se reconectar com a harmonia do cosmos. Ada Lovelace, cujo perfil escrevi para um livro sobre inovadores, combinou a sensibilidade poética do pai, Lord Byron, com a paixão da mãe pela beleza da matemática para visionar um computador de uso geral. Steve Jobs encerrava as apresentações de seus novos produtos com uma imagem de placas de sinalização mostrando o cruzamento entre as artes liberais e a tecnologia. Leonardo era seu herói. ‘Ele enxergava beleza tanto na arte quando na engenharia’, disse Jobs, ‘e a habilidade em combinar as duas foi o que o transformou em um gênio’.
Tudo leva a crer que as biografias anteriores de Isaacson convergiram para este trabalho em torno de Leonardo. E ele, de fato, faz o livro da sua vida. É notável o modo como a pesquisa que fez aborda praticamente todo o “estado da questão” anterior sobre o tema e também como ela acompanha o que há de mais atual. Na bibliografia, podemos encontrar as referências a Martin Kemp, autoridade máxima no criador de La Gioconda; não deixa de lado a belíssima (e infinitamente superior) biografia de Charles Nicholl (The Flights of The Mind); baseia-se no pioneiro estudo de Kenneth Clark; sequer se esquece de livros menores, de divulgação, escritos por Toby James (O Fantasma de Da Vinci), Dianne Hales (Mona Lisa – A Mulher Por Trás do Quadro) e Ross King (Leonardo e a Última Ceia) – ou então de uma óbvia baboseira como a tese a lá “Nova Era” criada por Frijoft Capra (A Ciência de Leonardo Da Vinci). Enfim, tal como o próprio personagem do seu livro, Isaacson praticamente devorou tudo o que já foi publicado sobre Da Vinci.
Entretanto, ele esqueceu-se de dois nomes: Paul Valéry e Alexandre Koyré. No seu célebre ensaio Introdução ao Método de Leonardo Da Vinci (1894), o poeta francês faz uma meditação bem peculiar sobre o que representa o grande artista do Renascimento italiano, não só para a sua própria obra poética bem idiossincrática, mas também para a modernidade como um todo. Fascinado por René Descartes, fica claro que, neste livro e nos outros que escreveria na sua longa vida, Valéry é um homem completamente obcecado – se não for um exagero afirmar que era também um “possesso” – pela divisão entre conhecimento e experiência. Se os diversos Leonardos retratados na história têm a característica em comum da “genialidade” e da “busca pela inovação” – como quer Isaacson em sua biografia –, o Leonardo analisado por Valéry é alguém que pretende reduzir a unidade do mundo em um conceito muito específico da arte como um mecanismo que emocione e comova. Para ele, eis aí o mistério deste artista: ele conseguia transformar o “caos arcaico” do cosmos em algo perfeitamente ordenado, simétrico, belo, sem destruir o enigma inerente a tudo o que não conseguimos compreender somente pela experiência das nossas ideias.
É isto o que o tornava inumano. A procura por um fio comum que liga os redemoinhos das águas, os cachos de cabelos, os contornos do rosto, os meneios dos olhares, a corrente dos rios, a violência da guerra e a mão que aponta para a luz que vem do alto – tudo isso, segundo Valéry, faz parte de uma “dupla vida mental” de um homem que, para realizar todos esses feitos, foi obrigado a ver (e a decifrar) a existência como “um sonho de um dormidor acordado”, que “reduz o pensamento comum”, na tentativa quase patética de entender que “a sucessão desse sonho, a nuvem de combinações, de contrastes, de percepções, que se agrupa em torno de uma pesquisa ou que se esgueira indeterminada, conforme o prazer, desenvolve-se com uma regularidade perceptível, uma continuidade evidente de máquina”.
A referência ao conhecimento da existência como se ela fosse um sonho não é por acaso. Valéry está citando a famosa passagem cartesiana a respeito do “Gênio Mau” – a de que o mundo concreto não passa de uma ilusão produzida por um demiurgo que quer nos enganar ou então nos manter presos em nossas certezas igualmente quiméricas. Se há alguma ordem, ela não passa de um resultado da nossa própria mente, da nossa própria razão. A verdade é que, no coração da natureza, há apenas o tal do “caos arcaico” – e nada mais. Ao conectar Leonardo com essa “dupla vida mental” do sonho, Valéry quer transformá-lo em uma espécie de “proto-Descartes”. Contudo, sabe que esta é uma empreitada fadada ao fracasso. Da Vinci não era um racionalista; era um empirista, um experimentador que só poderia solidificar o seu conhecimento por meio da experiência – a mãe de todas as outras disciplinas. A teoria vinha depois da prática – e o orgulho de Da Vinci ao afirmar a todos os outros eruditos renascentistas de que era “um homem sem educação” mostra como ele gostava de lembrá-los que conseguia fazer todos os seus feitos sem recorrer a um pedantismo acadêmico ou conceitual.
É nesta tensão que Valéry trabalha o tempo todo em seu ensaio – algo que depois seria aprofundado, sem o gosto da imaginação poética, mas com maior rigor filosófico, na análise feita por Alexandre Koyré em seu antológico artigo intitulado “Leonardo Da Vinci 500 anos depois”, publicado na década de 1950. Para o filósofo russo, depois naturalizado francês, a tal da “dupla vida mental” que Valéry repetia ad infinitum era, na verdade, a metáfora para uma existência ainda mais trágica, na qual Leonardo era um ser literalmente dividido em dois: um dos lados era o da figura pública, cujo destino foi duro para diversas obras que deveriam ser amostras plenas de uma perfeição ao alcance dos seres humanos, como o que aconteceu com o afresco de A Última Ceia, carcomido pelo tempo e pela própria incompetência de Leonardo ao experimentar com um material que, à época, poderia ser “inovador”, mas prejudicou como a obra seria vista no futuro; ou então com o painel de A Batalha de Anghiari, que conhecemos hoje em dia somente pelas precárias cópias feitas por Rubens – sem contar o monumento feito em homenagem ao pai de Ludovico Sforza, um cavalo que sobrou apenas em um modelo de argila o qual, na invasão de Milão pela França em 1498, foi destruído pelas flechas dos soldados inimigos. Todas essas desgraças podem fazer parte da “mística” atual de Leonardo como uma espécie de “gênio incompreendido”, mas é de se acreditar que elas foram um fardo para um artista que precisava viver de suas encomendas realizadas a contento e assim sobreviver.
Já o outro lado – o do homem interior, o do homem secreto – não era somente alguém “que conhecia melhor do que ninguém a escultura, a pintura e a arquitetura, mas também e, acima de tudo, um grande filósofo; o homem que havia enchido de notas e de ensaios filosóficos e científicos inumeráveis folhas de papel e as tinha coberto de desenhos geométricos, mecânicos, anatômicos, projetos de livros a serem escritos e de máquinas a serem construídas; o homem que escreveu essas notas e esses ensaios em caracteres invertidos, decifráveis somente diante de um espelho para protegê-los de olhares indiscretos, e que, além disso, os manteve em segredo e nunca os mostrou a alguém ou, pelo menos, muito raramente”.
Este código – que fez as alegrias de um Dan Brown e é o sustento daquilo que são os chamados “Leonardo loonies” – é logo tratado displicentemente por Isaacson como uma maneira mais “prática” de escrever, uma vez que Da Vinci era canhoto e a letra invertida deveria ser o modo como encontrou para a tinta da pena não manchar a sua mão ao tocar o papel. Em todo caso, a opinião de Koyré ainda se mantém, pois o entendimento deste “homem secreto” colaboraria para vê-lo como um “elo – o elo mais importante – entre a Idade Média e os Tempos Modernos, restabelecendo, assim, a unidade e a continuidade do desenvolvimento científico”.
Apesar desta ideia ser de Pierre Duheim, e não do próprio Koyré, ainda assim ela é interessante porque inverte os pressupostos sobre os quais tanto Valéry como Isaacson veem Leonardo – os de que ele seria o paradigma de uma modernidade que ainda engatinha ao unir o conhecimento com a experiência. Contudo, o elemento de “sonho” e o mito da “inovação” perduram no nosso imaginário quando falamos no sujeito que nos deu o sorriso de “Mona Lisa”. O que Koyré quer ressaltar é que, antes de tudo, a “dupla vida mental” prova que Leonardo era um ser humano normal, não o super-homem que Giorgio Vasari quis criar na primeira biografia oficial deste personagem, no seu épico Vidas Ilustres dos Grandes Artistas.
Eis aqui a importância de insistir na expressão “homem sem educação” – uomo senza lettere. Da Vinci não é um intelectual, que substituiu o conhecimento pela experiência e vice-versa. É alguém que apreende a tensão existencial entre os dois – e, neste ponto, é um autêntico platônico, já que reconhece como poucos, por meio dos símbolos e das imagens, a visão do metaxo que Platão sempre afirmou ser a própria estrutura luminosa da realidade. É a tensão do eros, a tensão que depois seria a base para o dolce stilo nuovo decifrado posteriormente por Martin Kemp, a tensão de quem consegue ver o cosmos em uma unidade dolorosa – mesmo que ela seja filtrada por meio de um devaneio, de um sonho, no qual ele se transforma não em um “‘homem de letras’, um humanista, que lhe faltava cultura literária, que jamais fez estudos universitários, que não sabia grego e latim, que não podia utilizar o italiano precioso e requintado da Corte dos Medicis, ou dos Sforza, ou dos membros da Academia [Platônica de Marsílio Ficino]. Certamente, tudo isso é verdadeiro. De fato, segundo o último editor dos escritos [de Da Vinci], sua linguagem é a de um fazendeiro ou de um artesão toscano; sua gramática é incorreta, sua ortografia é fonética. Em suma, isso significa que ele aprendeu tudo por si próprio. Mas autodidata não significa ignorante e uomo senza lettere não se pode traduzir por pessoa iletrada, sobretudo o caso em questão. Portanto, não devemos admitir, porque ele não podia escrever em latim, que tampouco pudesse ler. Talvez não muito bem. Entretanto, se pôde ler Ovídio, o que seguramente fez, pôde ser-lhe muito menos difícil ler um livro de ciências – geometria, ótica, física ou medicina –, assuntos que conhecia perfeitamente”.
Da Vinci pôde entender a tensão do metaxo como poucos – mais até do que o seu rival, Michelangelo Buonarroti – porque ele sabia que o seu próprio trabalho, de forma paradoxal, conquistaria a sua permanência por meio da imperfeição e da precariedade. E é isso o que o torna mais próximo de nós – e, sobretudo, mais comovente. Sua mania de retocar e adicionar detalhes em obras-primas tardias como São João Batista e Mona Lisa não se deve a uma “possessão” do perfeccionismo, mas sim porque ele incorporava – e, mais, aprendia – com os erros que fez durante a sua trajetória, os mesmos erros que fez enquanto via o mundo como um sonho desperto, os mesmos erros que percebeu em si e nos outros, os quais o impediu de ser mais um que, como diria Nassim Taleb, desejava “ensinar os pássaros a voar”.
Estes diferentes prismas de um homem que conquistou sua grandeza graças à glória outorgada pelo futuro (o qual também previu em minúcias, conforme reconhecemos em seus desenhos visionários sobre o “voo mecânico”, algo descrito em detalhes na biografia de Charles Nicholl) mostram que a perspectiva adotada por Walter Isaacson – a de que Leonardo, se não é um “proto-Descartes”, transforma-se no nosso tempo numa espécie de “proto-Steve Jobs” – é um tanto limitada. Mas seria mais do que isso: ela é fruto do mesmo dilema apontado por Johan Huizinga – e desenvolvido posteriormente por Alfonso Berardinelli – entre o conhecimento e a existência. Se Leonardo já tinha consciência deste problema, isto é algo que veremos em breve, uma vez que ele tinha um álibi histórico a seu favor; entretanto, por mais que Isaacson seja filho da “imaginação liberal” (a expressão é cortesia de Lionel Trilling), sua obrigação é de não permitir, ao querer retratar uma vida tão enigmática como a de Da Vinci, que este mesmo dilema contamine os seus escritos.
Infelizmente, é o que acontece. Ainda assim, Isaacson acerta em um detalhe que, posteriormente, seria também esquecido no decorrer do seu livro, mas que, se for bem analisado, pode nos ajudar a fazer a conexão correta entre o pensamento de Leonardo e o trágico diagnóstico feito por Huizinga. Trata-se da visão apocalíptica de Da Vinci, perfeitamente articulada nos chamados “pensamentos”, nas tais das “profecias” e nas assustadoras descrições de dilúvios e de cavernas misteriosas que o chamavam por meio de sussurros perturbadores. É a sensibilidade de alguém que, conforme escreveu Christopher Dawson, tem a plena consciência de que se encontra em um mundo onde há um permanente “julgamento das nações”.
Este sentimento das “últimas coisas” talvez seja a conexão que faltava naquela análise de Alexandre Koyré sobre o fato de que Leonardo fosse o elo mais significativo entre a reviravolta espiritual ocorrida entre o fim da Idade Média e o surgimento do Renascimento – aquele período repleto de indefinições que, na falta de nome melhor, chamamos de “humanismo”. Todavia, quem melhor captou este tipo de sensibilidade na obra de Leonardo não foi Isaacson, Koyré ou Valéry, muito menos o grande especialista que é Martin Kemp. Quem fez tal feito foi ninguém menos que o cineasta russo Andrei Tarkovsky, com seu filme-testamento O Sacrifício (1986).
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A presença de Da Vinci – e do Renascimento como uma forma estética de ver as coisas deste mundo – é também mais uma “possessão” na filmografia de Tarkovsky. Desde o sublime Andrei Rublev (1966), o cineasta é alguém completamente obcecado com o dilema entre conhecimento e experiência – e, de forma mais específica, como isto é articulado pelo artista em um mundo que não se importa mais com a vida do espírito. Leonardo surge explicitamente, pela primeira vez, no filme O Espelho (1975), considerado por muitos a autobiografia cinematográfica do próprio Tarkovsky. O quadro em questão é o retrato de Ginevra de´Benci, composto entre 1478 e 1480, provavelmente encomendado pelo amante da modelo, o diplomata Bernardo Bembo; depois, outros desenhos surgirão no decorrer da película, entre eles um estudo do perfil de Cristo, um outro retrato de outra mulher (no caso, Isabella D´Este), um esboço para uma moça desconhecida (datado de 1483 e que nos fascina porque Leonardo faz uma distorção proposital entre os olhos dela, justamente para que o espectador possa vê-la por completo) – até chegar ao cartão inacabado que é A Virgem e o Menino com Sta. Ana e S. João Batista, desenhado entre 1499 e 1500, justamente o momento histórico em que, por virtude da grande revolução intelectual vivida na Europa, as nossas noções conceituais do que seria o conhecimento e do que seria a existência foram completamente embaralhadas.
O esboço do desenho da Virgem também antecipou uma variação de outro quadro inacabado que Tarkovsky finalmente usaria com todas as suas forças em O Sacrifício. Trata-se do “mais-do-que-sublime” A Adoração dos Magos, iniciado em 1482 e abandonado completamente no ano seguinte, sem explicações, provavelmente porque Leonardo trocou sua cidade natal, Florença, por Milão, onde finalmente encontraria seu sucesso após anos de árduas tentativas para se estabelecer como pintor e engenheiro. Não são meras referências pictóricas ou devocionais, no sentido de que cada artista quer provar ao seus respectivos públicos que são crentes à religião cristã ou fiéis à Igreja Católica. São referências definitivamente apocalípticas; tanto Leonardo como Tarkovsky estão preocupados com as primeiras e as últimas coisas neste mundo, e os simbolismos da anunciação, da natividade e da ceia que sintetiza o significado da Paixão, são sinais evidentes de um fim de um mundo que, sem dúvida nenhuma, se aproxima (para eles, é claro). No caso de Da Vinci, era um milenarismo que, em Florença, foi representando pela figura de Savonarola; já no de Tarkovsky, o mesmo fenômeno espiritual ocorre com a expectativa de uma guerra nuclear e com a possibilidade imediata da extinção da raça humana.
Em A Adoração dos Magos, Leonardo descreve o início deste novo mundo que surge com o fim do velho – um tema apocalíptico por excelência. No centro do desenho, a árvore da vida que, por sua vez, já antecipa o lenho da Cruz, protegendo Maria e o Menino Jesus. Os magos estão prostrados, e seus semblantes mostram uma perturbação semelhante ao que Da Vinci faria no desenho sobre São Jerônimo: há uma quase deformação a comprovar uma angústia inatingível, impalpável. Afinal de contas, estamos falando da maior revelação de todos os tempos – o surgimento do Messias.
Andrei Tarkovsky parte do quadro inacabado de Leonardo para realizar uma leitura pessoal em O Sacrifício. José seria o ator Alexander, interpretado por Erland Josephson (figura carimbada nos filmes de Ingmar Bergman, outro cineasta com preocupações apocalípticas), Maria seria a empregada da casa onde se passa o cenário da trama, quiçá uma feiticeira – e Jesus seria o filho mudo de Alexander. A primeira imagem da película é a de um detalhe de A Adoração, ao som da ária “Erbarme Dich” da Paixão Segundo São Mateus, de Johann Sebastian Bach (cuja tradução em português, feita por Amancio Cueto Júnior, é “Tem piedade de mim/ meu Deus, veja minhas lágrimas!/ Olhe aqui, coração e olhos choram por você/ amargamente”). Está aí tudo o que o espectador precisa para decifrar o sentido dessas três obras: Tarkovsky une o sacrifício de Bach com o nascimento de Da Vinci e assim fala da dor que envolve o fim do seu próprio mundo – uma vez que, como se soube, o próprio cineasta foi vítima de um câncer que o mataria meses após as filmagens.
A ameaça da extinção pessoal e coletiva é concretizada, no filme, com o temor de uma guerra nuclear que dizimará a todos. Alexander é um cético sobre qualquer espécie de salvação do espírito, mas na hora que sente o momento se tornar absolutamente sufocante, não hesita orar. Pede a Deus que consiga salvar a humanidade mais uma vez. A solução – anunciada por um amigo seu, um carteiro que pode ser também uma espécie de mago que lhe traz o presente da revelação – é dormir com a empregada, suspeita de ser uma feiticeira. Não tendo outra solução, Alexander faz precisamente o que lhe foi aconselhado. E, então, acorda de um sono profundo – e percebe que o mundo jamais viveu tal possibilidade de desgraça.
Tarkovsky e Leonardo sempre trabalham na brecha entre o que é a realidade e o que seria um sonho – enfim, na brecha do que é o conhecimento autêntico e o que podemos apreender da experiência concreta. Ambos não têm nenhuma resposta para isso – o que significa que eles aceitam este “mundo possesso” tal como se apresenta diante dos nossos olhos. Ou seja, repleto de mistério. Contudo, a visão apocalíptica de um Tarkovsky só é superada porque ele sabia, por estar à beira da morte, que a salvação do homem se dá por meio da consciência de que, “no princípio, era o Verbo”. E mais: como diria a criança muda no arrebatador final de O Sacrifício, esta certeza é complementada pela seguinte pergunta – “Por que é assim, Papai?”
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Já Leonardo persistiu nesta visão milenarista – e a incorporou nos seus estudos sobre a natureza e sobre a própria essência da realidade. A prova disso estão nos dois relatos que deixou em seus manuscritos. Eles mostram uma psicologia atormentada por um fim de um mundo que poderia ser o seu, mas que ele se recusa a aceitar, justamente porque sabe que tem o poder de manobrar a experiência no “voo da mente” o qual a encaixaria perfeitamente em um conhecimento repleto de simetrias. São descrições de um cosmos que vai romper, a qualquer momento, o sonho perfeito criado pela sua “dupla vida mental”.
O primeiro relato é o de um dilúvio digno do episódio de Noé no Gênesis, no qual ele descreve detalhadamente, com toques de filme de horror, a reação desesperada das pessoas que foram surpreendidas por este ataque da natureza. Na visão de Leonardo, “quantos lamentos; quantos apavorados se jogavam dos penhascos! Viam-se os grandes galhos dos imensos carvalhos, carregados de homens, serem arrastados no ar pela fúria dos ventos impetuosos. Muitos eram os barcos revirados e em muitos, estando inteiros ou em pedaços, havia gente que se esforçava por salvar-se, com ações e movimentos dolorosos, prenúncio de morte espantosa. Outros, com atos desesperados, tiravam suas próprias vidas, não tendo esperança de poder suportar tanta dor. Alguns deles se jogavam dos altos penhascos; outros se esganavam com as próprias mãos; alguns pegavam os próprios filhos e com grande ímpeto os socavam na terra; outros se feriam com suas próprias armas e se suicidavam; outros, deixando-se cair de joelhos, encomendavam-se a Deus. Quantas mães choravam seus filhos afogados, segurando-os no colo, elevando os braços abertos para o céu, emitindo vozes que mais eram gritos de queixa contra a ira dos deuses. Outra, com as mãos unidas e os dedos entrelaçados, mordia-os e com sanguinárias dentadas os devorava, arqueando-se até tocar os joelhos com o peito, por causa da imensa e insuportável dor”.
Se a tese de Martin Kemp estiver certa – a de que Leonardo era o último exemplo da tradição do dolce stilo nuovo, cristalizado pela lírica amorosa de Dante Alighieri –, então não seria exagero afirmar que a longa descrição acima é herdeira direta de um dos círculos do Inferno que tornaram célebre a Divina Comédia do poeta florentino. Essa descida ao Hades psíquico e espiritual seria novamente articulada em um breve fragmento, mas igualmente perturbador – o momento no qual Da Vinci conta que, ao encontrar uma gruta no meio de suas caminhadas pelas florestas e pelos morros da Toscana, foi “impelido pela minha ávida vontade, [e] desejoso de ver a grande abundância de formas variadas e estranhas feitas pela engenhosa natureza, andando à roda um pouco entre os rochedos sombrios, cheguei à entrada de uma grande caverna. Na sua porta, ficando um estupefato e sem saber o que era, arqueando-me, firmei a mão cansada sobre o joelho e com a direita tapei os olhos, ficando às escuras. E muitas vezes me abaixei aqui e ali para ver se avistava alguma coisa, mas era impedido pela escuridão que havia lá dentro. Estando um pouco ali, dois sentimentos me sobressaltaram: medo e desejo; medo pela ameaçadora e escura caverna; desejo de ver se lá dentro havia algo extraordinário”.
Nestes dois trechos, Leonardo faz a ponte entre as duas visões que, de certa maneira, moldaram a nossa imaginação ocidental: a do inferno dantesco e a da caverna platônica. Poucos compreenderam esta conexão – exceto Andrei Tarkovsky em O Sacrifício. Ao sobrepor o quadro A Adoração dos Magos com a melodia da Paixão Segundo São Mateus, o russo conseguiu realizar a síntese entre o renascimento alucinado de Da Vinci e o ascetismo minucioso de Bach, entre a explosão infernal de Dante e a clareza metafísica de Platão. O fato da sua história se passar no final do século XX acentua ainda mais a sua afinidade com Leonardo ao ver este mundo como o palco de um grande “julgamento das nações”, cujo resultado será ou a redenção de todos nós, ou a nossa perpétua danação.
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Aqui, a citação ao livro do historiador inglês Christopher Dawson – editado no Brasil pela É Realizações e com uma bela tradução de Márcia Xavier de Brito – não é por acaso, pois ele tem a mesma abordagem de Nas Sombras do Amanhã, de Huizinga. Ambos os livros foram escritos em momentos de grande tensão internacional, ambos foram concebidos por homens preocupados com o passado e com o futuro da Europa – e ambos possuem a mesma solução para o problema civilizatório que diagnosticam: o ser humano precisa realizar, acima de tudo, uma reviravolta interior para redescobrir o caminho rumo às integrações (e às integridades) psíquica, física e espiritual. Mas como fazer isso? Para Leonardo, que já testemunhava o início desta tragédia, ele viveu o dilema de assistir impassivelmente o dilúvio ou o temor de entrar na caverna do conhecimento, sabendo que “o vazio nasce quando a esperança morre”, como escreveu em um dos seus pensamentos mais célebres.
Este vazio foi plenamente aceito por Tarkovsky, interpretando o abandono metafísico como o único caminho possível, uma vez que a falência do mundo ocidental não se deve ao fracasso da religião cristã, como muitos supõem, mas sim à falência plena do secularismo como a única pseudo-metafísica que poderia sustentar uma humanidade já combalida. O “sacrifício” deve vir da própria “imaginação liberal” que molda nossos pensamentos mais íntimos, pois, segundo as palavras afiadas de Dawson, “o que vemos, hoje, todavia, não é o colapso da cultura tradicional do cristianismo, é a catástrofe da cultura secular que a substituiu. Por ter um horizonte limitado ao secular e por não poder responder aos anseios mais profundos da humanidade, o liberalismo fomentou um vácuo espiritual, um coração de trevas e caos sob a ordem mecânica e a inteligência científica do mundo moderno. Por isso a requisição de uma nova ordem, de uma solução total para nossos problemas sociais, de um replanejamento da sociedade que transformará a vida humana e reconstruirá o próprio homem. Há, de fato, sintomas de uma necessidade espiritual fundamental – experimentada nas novas formas que correspondem à cultura puramente secular em que surgiram. Mas se, como argumentamos, o fracasso da civilização moderna está diretamente direcionado ao seu secularismo e à perda dos valores espirituais, é inútil criar esperanças em remédios, por mais drásticos, que ignorem esse problema fundamental. Portanto, há mais oportunidade do que antes de afirmar a alternativa cristã de renovação e de ordem espirituais, pois é aqui e não na região da organização política e econômica que deve ser encontrado o verdadeiro centro do problema”.
Pode-se dizer que Dawson, neste longo trecho, está sendo um otimista. Mas esta nossa desconfiança ao que o grande historiador britânico escreve se deve mais ao fato de que não temos mais o conhecimento e a experiência de entendermos quais são as diferenças essenciais entre o cristianismo e o liberalismo – sendo que este último é certamente uma consequência do primeiro. Se não compreendemos mais nem um, nem o outro, haveria então uma terceira via? A resposta continua sendo afirmativa; porém, ela não significa necessariamente que seja a melhor para todos nós. Na verdade, essa “terceira via” se apresenta como uma substituta religiosa dos dois fenômenos citados anteriormente, com o adendo de que, segundo os seus seguidores, ela é a única experiência religiosa que merece ser conhecida – e todas as outras que vieram antes não passaram de modelos ultrapassados que já não acalantam mais a alma humana.
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Esta nova religião é a do “tecnohumanismo”, reduzida ao eufemismo do chamado “mito da inovação” – e do qual Walter Isaacson, por meio das suas biografias sobre Benjamin Franklin, Albert Einstein, Steve Jobs e Leonardo Da Vinci, se tornou um dos seus apóstolos mais ardorosos. Não é por acaso que Isaacson é incapaz de desenvolver o seu próprio insight a respeito da perspectiva apocalíptica de Leonardo; afinal de contas, o seu pragmatismo o impede de entender adequadamente a própria experiência cristã na qual Da Vinci estava profundamente imerso. Para o ex-jornalista da revista Time, Leonardo era uma espécie de estoico esteticista – e as imagens e os símbolos religiosos que permeiam toda a obra dele eram apenas meras convenções artísticas, feitas para agradar os mecenas que encomendavam seus quadros ou suas esculturas.
É neste ponto que é sempre bom relembrar um ensaio de Joseph Epstein (publicado no volume Essays on Biography) sobre Malcolm Gladwell, escritor que não passa de uma versão de segunda classe de Isaacson, pois ambos sofrem do mesmo problema existencial. De acordo com Epstein, os escritos de Gladwell – autor de best-sellers como Blink! e Outliers – estão repletos do anseio de interpretar o mundo tão somente por meio da técnica e da exatidão pretensamente científica. Sua função, no mundo das belas letras, seria explicar tudo o que existe de maneira minuciosa e cristalina, sem deixar nenhum espaço para aquelas áreas cinzas que chamamos de “misteriosas”. No fundo, há também o nítido temor de deixar o mundo um pouco mais inteligível, um pouco mais fora deste “caos arcaico” que parece possuir a nossa imaginação. É uma ciência de segunda mão, que parasita o conhecimento surgido com a observação da experiência. E mal pode ser chamada de “cientificismo” porque é muito provável que Gladwell sequer foi a um verdadeiro laboratório de pesquisa – exceto, claro, se você acreditar que a baia de uma redação de jornal seja algo similar.
Ora, Isaacson sofre dos mesmos problemas que Epstein aponta nos escritos de Gladwell: ele é dono de uma prosa que não exige imersão porque também não exige nenhuma complicação na mente do leitor. O mundo é visto como algo desprovido de enigmas, uma vez que a única coisa que existe é o progresso do conhecimento. A prova disso está no final da biografia sobre Leonardo, no qual Isaacson resolve “resumir” – se isto for possível – todos os feitos de Da Vinci em uma lista de dez pontos, como se o florentino não fosse mais um “proto-Steve Jobs”, mas sim um Dale Carnegie avant la lettre.
Esta incompreensão de que a grandeza de um homem não pode ser reduzida a uma classificação fácil, quando não grotesca, tem origem naquela busca pelo novo – e sua variação mais recente, a tal da “inovação” –, sem saber que ela é uma força irresistível que só conquista adeptos devido ao seu apelo retórico. Como bem observou Hans Jonas, a ciência que se presume realmente inovadora cria esta aura porque, no fundo, a sua técnica permite que nós fiquemos encantados com a capacidade de previsão que se apresenta à sociedade, igual a uma “força normativa”. Contudo, independentemente do argumento retórico de que seus dados são cientificamente exatos, o que temos, na verdade, é uma “força preditiva”, uma “extrapolação” surgida dos seus “estados finais” de uma pesquisa indefinida. São extrapolações que, por estarem no domínio das ciências sociais, “podem no máximo ser persuasivas”, apesar de desejarem, acima de tudo, ter a exatidão da astronomia, da mecânica e da física.
O apelo retórico do novo é o impulso fundamental da força persuasiva da previsão exata da realidade. O rótulo de ser uma “novidade” para “uma crescente variedade de empreendimentos – na arte, na ação e no pensamento – marca a grande virada” do pensamento ocidental. O que temos, a partir daí, segundo Jonas, é um sentimento moral de “um cansaço, mesmo uma impaciência, com as formas já há muito dominantes no pensamento e da vida, um espírito irreverente e revisionista, [e que] seduzem-nos na elevação do mundo para um adjetivo de louvor. O respeito pela sabedoria do passado é substituído pela suspeita do erro e pela desconfiança de uma autoridade inerte. Aliadas a isso caminham uma nova atitude de autoconfiança, uma forte convicção de que nós modernos estamos melhores equipados do que os antigos – certamente melhores do que nossos predecessores – para descobrir a verdade e aperfeiçoar muitas coisas”.
Esta percepção alterada da natureza humana tal como conhecíamos trata a própria modernidade como um valor em si mesma. É a ruptura pela ruptura – e não à toa que disruption (traduzido em mau português para “disrupção”) é a palavra de ordem do momento. Jonas continua a argumentar que, mesmo assim, “a ruptura não foi um evento. Em todas as outras grandes rupturas da história – entre elas a maior de todas, a irrupção do cristianismo no mundo antigo –, a autoridade dos revolucionários descobridores logo se cristalizou em uma nova ortodoxia. A ruptura no início da era moderna incorporou em si mesma um princípio da inovação que fez de sua posterior ocorrência constante algo obrigatório. Como consequência, a relação que restou de cada fase com o próprio passado que a precedeu – ele mesmo uma fase da revolução – foi uma relação de crítica e superação no sentido de novos avanços. Sob o signo do progresso permanente, toda história se torna aquilo que Nietzsche mais tarde chamaria de ‘história crítica’. Esta, como sugerimos, pode ser ela mesma um tipo de ‘ortodoxia’, isto é, uma rotina estabelecida, mas certamente uma de tipo muito dialético. Ela tornou a revolução permanente, não se importando se seus agentes ainda eram revolucionários”.
A revolução permanente tornou-se tão normalizada no comportamento humano que ficou extremamente difícil, por exemplo, separar as inovações sociais, políticas e religiosas que ocorreram nos séculos XVI e XVII – as que aconteceram justamente na época de Leonardo Da Vinci – das inovações tecnológicas e econômicas que se tornaram a norma no final do século XIX e no início do século XX – e que agora permeiam o nosso cotidiano.
Um exemplo dessa confusão conceitual – talvez uma outra variação do “caos arcaico” – é o modo como não conseguimos compreender a subversão política intrínseca que fundamenta as conexões informais das redes sociais, sempre na crença retórica de que estas últimas são sempre baseadas na tecnologia. Porém, ao contrário do que muitos imaginam nesses tempos de Facebook, Twitter e Instagram, as redes sociais (networks) não existiam só porque Silicon Valley permitiu isso. Na verdade, segundo o historiador escocês Niall Ferguson, em seu livro The Square and the Tower – Networks and Power, from the Freemasons to Facebook, elas sempre foram uma constante na história da Civilização Ocidental. As networks podem ser encontradas nas sociedades secretas (como os Illuminati e os Rosa-Cruzes, incapazes de criar alguma conspiração política, como muitos supõem, mas fundamentais para estabelecerem uma estrutura flexível de informação), na mudança de pensamento provocada pela criação da imprensa por Johannes Gutenberg, na revolução religiosa atiçada por Martinho Lutero – e que, nos nossos dias, seria o equivalente à criação do Facebook por Mark Zuckerberg –, e na era das Grandes Navegações (fundadoras da nossa noção do mundo globalizado).
Para Ferguson, o contraponto histórico às redes sociais são as hierarquias de comando e de conhecimento – cujas amostras mais sinistras foram os regimes totalitários de Hitler e de Stalin, mas também podemos colocar nesse mesmo grupo as grandes corporações capitalistas, o estado administrativo burocrático que se alimenta das decisões democráticas e as organizações supranacionais que tentam minar a cultura particular de cada nação. Por meio de decisões que sempre surgem de cima para baixo, as hierarquias querem controlar esses organismos descentralizados, pelo simples motivo de que estes últimos desestabilizam qualquer espécie de poder autossuficiente.
Todavia, não se trata de um conflito tão simples assim. A partir da imagem da Piazza del Campo, localizada no Palazzo Pubblico da cidade de Siena, onde podemos ver a imponente Torre del Mangia que, com sua sombra, sufoca a praça de comércio logo abaixo, o historiador escocês argumenta que existe uma dinâmica peculiar entre as hierarquias e as redes sociais, na qual as primeiras podem absorver a novidade das segundas, principalmente para fortalecer ainda mais o seu domínio absoluto sobre a sociedade civil. Por outro lado, o mesmo pode ocorrer com as networks, que não hesitarão criar uma nova hierarquia para justamente mudarem o fluxo e o centro do poder que antes pertenciam às hierarquias corporativas.
Ora, este fundo histórico reconstituído por Ferguson é justamente a extrapolação política e tecnológica do dilema entre conhecimento e experiência já antevisto por Huizinga em Nas Sombras do Amanhã. É por isso que, infelizmente, a análise histórica de Niall Ferguson é também vítima do encanto retórico pelo novo. Ele não consegue perceber, graças a esta variação da revolução permanente, que começamos a mudar nossas atitudes em função de um futuro que ninguém sabe mais como será, exceto por meio da técnica – um comportamento que Walter Isaacson tenta encaixar na vida e na obra de Leonardo Da Vinci. Não à toa que se, no passado, todos queriam ser médicos, engenheiros ou advogados, agora todos querem ser o próximo Steve Jobs, o empreendedor que enfim trará o futuro tão prometido na start-up perfeita e que precisa ser, antes de tudo, “inovadora” e “disruptiva”, esquecendo-se que, antes da tecnologia, o próprio Jobs se inspirava em Leonardo para entender, como poucos, a frágil unidade que há entre a arte e a técnica.
Porém, os bien–pensants – o grupo do qual fazem parte Isaacson e Gladwell – mal sabem o verdadeiro significado desse termo. Assim, se Ferguson comete o equívoco metodológico e epistemológico de não se questionar sobre o “mito da inovação” ao construir sua narrativa histórica, o scholar canadense Benoît Godin (1958), pesquisador e professor do Institut Nacional de la Recherche Scientifique (INRS), de Montreal, elucida esse problema com seus livros Innovation Contested e Models of Innovation. Godin mostra que o termo “inovação” é um aglomerado de vários movimentos preocupados com a busca pela liberdade (daí o seu fascínio) e, por isso mesmo, os sujeitos que a praticam sempre têm a iniciativa de introduzir algo novo ou diferente em uma sociedade dominada pelas hierarquias corporativas.
Entretanto, como já dissemos, a inovação não está delimitada no âmbito tecnológico. Ela possui, antes de tudo, um sentido religioso e político – e, não à toa, era o termo secularizado para “heresia”. Aqui, a ação inovadora se contrapõe à contemplação do real, criando um conflito entre tradição e novidade, o que prejudicou o sentido positivo dado à palavra inovação até meados do século XX, quando ela enfim se tornou a moda do momento – e um processo técnico que depois facilitaria a pesquisa e o desenvolvimento comerciais do mundo moderno.
Em seu livro, Ferguson sequer se refere à inovação como algo negativo, em especial quando aborda as épocas da Renascença e do Protestantismo, períodos que, segundo Godin, ela era citada como se fosse a Peste Negra, pois se opunha ao tipo de ortodoxia tradicional que seria substituída mais tarde pelo novo princípio da revolução permanente. Para o escocês, a única coisa importante é a tensão narrativa entre as redes sociais e as hierarquias; já o canadense reconhece que, conforme a técnica foi aperfeiçoada no curso da História, a solução inovadora não passa de um modelo provisório sobre o qual ninguém tem um conceito ou um método definidos, apenas opiniões superficiais ditas para agradarem o público leigo – no caso os acadêmicos que jamais empreenderam coisa alguma e a classe jornalística ávida por um novo slogan para vender suas publicações em uma grande mídia que, como qualquer hierarquia, não conseguiu compreender corretamente o impacto das redes sociais.
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Este equívoco recorrente – talvez a característica central de quem pretende seguir a “terceira via” do “tecnohumanismo” como uma nova forma de religião neste início de século XXI – fica ainda mais cristalino quando lemos um outro livro de Isaacson, Os Inovadores, cujo tema é justamente os homens que fizeram este drama da “revolução permanente”. Ele acredita – tal como Malcolm Gladwell – que há uma fórmula a ser encontrada quando ocorre o que seria uma descoberta inovadora. O problema é que ninguém sabe de nada quando uma novidade se impõe na nossa realidade. Ninguém sabe se aquilo é realmente novo. É muito provável que um dos motivos de Leonardo ter ficado com seus quadros favoritos no final da sua vida – entre eles, a Gioconda e o São João Batista –, ao morrer na França graças à benevolência do rei Francisco I, foi que ele não sabia o quão revolucionários eram. Por isso, retocava-os sem parar, igual a um maníaco. Este seria o “rigor obstinado” ao qual Valéry se referia – o rigor do artista e do cientista que sabem que uma descoberta tecnológica ou uma obra-de-arte nunca são plenos e acabados. São apenas objetos abandonados naquele “caos arcaico” que, no fim, é a matéria da qual os nossos sonhos são feitos.
Quando comparamos, por exemplo, Os Inovadores, de Isaacson, com outro livro sobre o mesmo tema e o mesmo tipo de abordagem – Idea Makers, de Stephen Wolfram –, entendemos perfeitamente o que Joseph Epstein quis dizer com a “utopia do progresso do conhecimento”. Por mais que Wolfram tenha uma paixão pela ciência como a explicação definitiva da realidade – o que o aproximaria no limite do cientificismo –, ele sabe muito bem como se dá a dinâmica imprevisível de um experimento, algo que Isaacson não tem a mínima noção porque, afinal de contas, ele é mais um ardoroso idólatra da inovação, do novo, da revolução permanente, filhas do secularismo e da “imaginação liberal”.
Na verdade, a incompreensão de Isaacson diante do seu objeto de biografia – um Leonardo que é o próprio profeta do que significa viver o tempo todo no centro do “caos arcaico” – se deve porque ele não quer entender, ao contrário de Johan Huizinga, que “a salvação não há de vir de uma simples retomada da ordem. As bases da cultura são de natureza diversa daquilo que pode ser estabelecido ou mantido pelos órgãos da sociedade enquanto tais, sejam povos, Estados, igrejas, escolas, partidos ou associações. O que é preciso é uma purificação interior dos indivíduos. Deve haver uma mudança da própria condição das pessoas, das suas disposições imediatas e permanentes, noutras palavras, do seu habitus espiritual”.
Leonardo Da Vinci fez, com sua derradeira pintura, o que Huizinga queria realizar em sua obra histórica, ao ser justamente o profeta que anunciou a novidade de uma ordem transcendente aqui na Terra e que uniu o conhecimento e a experiência. Estamos falando, é claro, do retrato de São João Batista, concebido entre 1513 e 1516. Vestido como um Baco, e com o mesmo sorriso enigmático da Gioconda, emoldurado pelos cachos que remetem aos redemoinhos dos rios e dos mares pelos quais o florentino era obcecado desde a juventude, ele faz o famoso gesto imortalizado por Da Vinci – o dedo indicador da mão direita apontando para cima. Contudo, o mais fascinante no quadro é que o dedo indica a luz que surge do céu, contra um fundo completamente imerso na escuridão. É a perspectiva apocalíptica em sua forma mais refinada – e, por isso mesmo, imperceptível aos olhos da nossa imaginação secular. O “caos arcaico” está ali, atrás, acima e embaixo do Batista, enquanto a luz vem de alguma fonte superior desconhecida e ilumina a própria percepção de quem contempla a obra. O dedo indicador apenas aponta algo que nós deixamos de perceber há muito tempo: o de que um novo mundo sempre está a surgir, por mais que nós nos esquecemos disso no nosso cotidiano atribulado.
É a esperança que combate o vazio que nasce em todos nós. Entretanto, tanto no caso de Leonardo Da Vinci como no de Johan Huizinga, ela veio com um custo altíssimo. No primeiro exemplo, surgiu após a purificação de uma “dupla vida mental” que, de sonho em sonho, percebeu que a verdadeira realidade só pode ser apreendida por uma luz que não é deste mundo, jamais pelo vislumbre equivocado de que há um Gênio Mau, como acreditava René Descartes; e no segundo, o historiador holandês não teve tempo de ver a tal mudança de “habitus espiritual” porque as mesmas sombras do amanhã que diagnosticou o engolfaram numa morte lenta, dolorosa e trágica ocorrida na cidadezinha de De Steeg, em 1945, ao ser impedido pelos nazistas de retornar à Leiden que tanto amava. Entre os dois eventos, o conhecimento e a experiência foram transformados em pura alucinação – uma alucinação com um mecanismo extremamente preciso, na certeza de que a única forma de escapar deste manicômio espiritual onde estamos é se sacrificar, sem pensar em nenhuma espécie de timidez metódica a governar as nossas vidas.
Martim Vasques da Cunha
Autor de Crise e utopia: O dilema de Thomas More (Vide, 2012) e A poeira da glória (Record, 2015). Pós-doutorando pela FGV-EAESP.