Arranjos institucionais precários respondem pelo subdesenvolvimento da África, por exemplo.
O clássico Instituições, mudança institucional e desempenho econômico, lançado em 1990, foi recentemente publicado no Brasil. Temos enfim a oportunidade de acessar as lições do economista Douglass North sobre o papel essencial das instituições para mudanças econômicas, políticas e sociais. O texto possibilita o estudo relativo às funções dos alicerces institucionais em vários países, a fim de responder a problemas que se colocam diante de nós todos os dias, como o questionamento das razões por que o Brasil, a despeito das infindáveis legislações e regulamentações equivalentes, não se transforma em uma Suécia tropical.
A existência de instituições exsurge da necessidade dos indivíduos programarem suas vidas, e elaborarem planos em razão de regras compartilhadas. As sociedades mais prósperas, conhecidas também por sociedades de confiança, são aquelas em que os indivíduos conseguem florescer por possuírem garantias de que as regras que seguem hoje dificilmente serão alteradas amanhã. As instituições, formais e informais, perfectibilizam a produção de regularidades indispensáveis à busca dos mais diferentes propósitos, em oposição às arbitrariedades do governo, e também de nossos semelhantes.
No indispensável artigo “Sete Enigmas do Desenvolvimento em Douglass North”, publicado em 2011, Bruno Meyerhof Salama elaborou cuidadoso testamento dos principais conceitos de North, também examinados desde outros textos e livros publicados pelo autor. Enuncia Salama:
A chave para se entender o progresso econômico é a existência de organizações eficientes na sociedade. O surgimento dessas organizações – o estado moderno é uma delas – seria a razão da ascensão do ocidente nos últimos séculos. As teorias tradicionais do crescimento econômico utilizam variáveis como acumulação de capital, tecnologia e economias de escala. Para North, esses fatores não são as causas do crescimento econômico, mas apenas partes inerentes ao processo de desenvolvimento. As causas do crescimento econômico dizem respeito à ordem institucional da sociedade e em particular à existência de organizações eficientes e à habilidade da sociedade de implementar arranjos institucionais que façam com que os retornos para os indivíduos sejam igualados/aproximados dos retornos para a sociedade.
Arranjos institucionais precários respondem pelo subdesenvolvimento da África, por exemplo. A despeito da enxurrada de auxílios financeiros que lá aporta, a África não obtém o correspondente e necessário incremento civilizacional. Conforme North, a razão decisiva para esses fracassos são políticas baseadas na crença de que somente reformas econômicas – e criação de mercados, conseguem responder pelo desenvolvimento. North defende que o aludido Consenso de Washington minimiza o impacto das instituições políticas que limitam o governo, a fim de proteger as liberdades individuais e garantir direitos de propriedade. No continente africano bastam cinco minutos de despotismo para esfacelar a melhor teoria econômica, e a história não oferece exemplos de sistemas de mercado avançados que não estejam embutidos em sistemas políticos bem desenvolvidos. Com efeito, mesmo sob o apartheid, a África do Sul prosperou em relação ao resto da África por causa do rule of law (por mais desagradáveis e discriminatórias que fossem algumas leis).
North é categórico quanto à impossibilidade de Mercado independente da Política e suas respectivas instituições, ou o sentido que o termo laissez-faire assumiu em países como a França, consoante detalhou o economista austríaco Friedrich Hayek. O funcionamento eficiente dos mercados pressupõe a garantia do cumprimento de contratos, e direitos de propriedade, tanto por indivíduos quanto por organizações. Caso não exista a figura da autoridade garantidora do cumprimento de contratos, será frequente o comportamento oportunista dos agentes. O resultado inevitável, como Thomas Hobbes advertiu no Leviatã, serão níveis muito baixos de transações advindos de seus altos custos. Além disso, deve existir confiança quanto à autoridade dos indivíduos, ou organizações, para coagir os agentes a observarem seus mandamentos, papel por excelência dos Governos.
A tendência orgânica dos seres humanos às trocas espontâneas, como teorizou Adam Smith, soma-se a outro comportamento igualmente orgânico: o uso dos meios políticos, ou coercitivos, para espoliar riquezas produzidas por terceiros. A partir disso, o grande problema do desenvolvimento econômico consiste em canalizar as políticas governamentais para apoiarem os mercados, ao contrário de destruí-los. Segundo North, o desenvolvimento requer instituições políticas que limitem as arbitrariedades do Governo, e também dos indivíduos. Muito embora North não renda os necessários tributos a Hayek, as teorias do economista austríaco emolduram todo o texto de North. Da lição de Hayek: “existe apenas um princípio que pode preservar as sociedades livres: a limitação da coerção às regras abstratas, gerais e igualmente aplicáveis a todos”.
Reconhecer o papel decisivo dos incentivos advindos das instituições formais e informais, no entanto, depende da não ingenuidade em perceber que, no final das contas, são os indivíduos os responsáveis pela existência de incentivos bons ou ruins. Desse modo, se não existirem limites devidamente interiorizados no coração dos homens, não se pode pretender que caiam das nuvens e iluminem as comunidades políticas. Na Libéria, por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos foi copiada. Todavia, o país não conta com governo limitado e, por consequência, com mercado eficiente. A elaboração de leis e Constituições depende de indivíduos virtuosos. Tanto Aristóteles quanto John Stuart Mill enxergavam, nas virtudes individuais e sociais, os alicerces de qualquer ordem moral ou política.
Os pensadores não adeptos da escola construtivista, a exemplo de Burke, Tocqueville e Hayek, sempre enfatizaram que a liberdade nunca produziu bons resultados na ausência de convicções morais firmemente arraigadas, ou tradições apropriadas, e que a coerção somente poderia ser reduzida a um mínimo do momento em que se pudesse esperar que os indivíduos, de modo geral, observassem voluntariamente determinados princípios. Para esses autores, instituições como as Religiões, o Mercado, a Moral, a Família etc. são importantes na compensação do caráter marcadamente coercitivo dos poderes políticos.
Nesse rumo, North teoriza que o funcionamento das leis – instituições formais – depende de arranjos informais (tabus, costumes e tradições), a exemplo de um povo educado e com senso de dever cívico. Além disso, nenhuma tentativa de reforma econômica prospera sem a necessária, e anterior, reforma política. Nas palavras do autor:
Precisamos saber muito mais sobre as normas de conduta de procedência cultural e sobre o modo pelo qual elas interagem com as regras formais para que obtenhamos melhores respostas para tais questões. Estamos apenas começando a estudar as instituições a sério. Aí está o que há de promissor. Pode ser que jamais tenhamos respostas definitivas para todas as nossas indagações, mas podemos fazer avanços.
Desvelar as normas de conduta culturais que possibilitam o florescimento humano (e, por consequência, o crescimento econômico) depende, sobretudo, do estudo da rede de processamento de dados que une os Sapiens: a epistemologia e a psicologia evolucionárias que viabilizaram a revolução cognitiva, descrita por Yuval Noah Harari, na obra Sapiens: uma breve história da humanidade. Por sua vez, a formação de tais redes depende, invariavelmente, da compreensão quanto ao sentido de “ordem” e de “desordem”, tanto na sociedade, quanto no coração dos homens, uma vez que o desabrochar da indispensável responsabilidade individual sobrevém do cultivo de virtudes.
Nesse cenário, as instituições mais desejáveis são aquelas que ensejam o desabrochar das melhores potencialidades humanas. E a liberdade é “o único dispositivo conhecido que permite a busca do melhor que há em nós; é a garantia de que o novo poderá ser buscado sem sofrer restrições impostas pelo dirigismo cerceador empregado por arrogantes autoridades ou ineptos burocratas”, na lição do filósofo Alberto Oliva.
Renata Ramos
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.
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