Proteste Já, a produção: entrevista com Raphael Cerqueira
a Dowglas Lima e Daniel Lopes – Proteste Já, o quadro, é um sucesso dentro do sucesso que é o programa CQC – Custe o Que Custar (Band – às segundas, 22h15; e sábados, 23h45). Denunciando malfeitorias e desserviços do poder público, sem descuidar do sempre presente bom humor, os vídeos do Proteste têm enorme e imediata audiência em canais como o YouTube – muitos, levados até lá pela própria Bandeirantes.
São dois os principais cabeças do quadro: Rafinha Bastos, o apresentador (que é blogueiro, caso você não saiba), e seu quase xará Raphael Cerqueira, o produtor. É com este sujeito em lua-de-mel com seu trabalho que o Amálgama bateu um papo.
*
Amálgama – Como está a recepção ao Proteste, Raphael? Imagino que no começo poderia haver alguma estranheza da parte da audiência, por se tratar se um segmento “sério” em um programa majoritariamente de assuntos “leves”. Mas hoje sabe-se que ele é um dos grandes sucessos…
Raphael Cerqueira – Acredito que a recepção ao Proteste Já foi boa desde o primeiro programa. Uma das evidências dessa constatação foi a grande quantidade de e-mails e críticas aprovando o formato. A matéria de estréia do quadro foi sobre algumas estações de tratamento de esgoto da cidade de São Paulo que estavam construídas e prontas para operar já fazia uns 4 ou 5 anos, mas por algum motivo (leia-se descaso e inoperância) estavam inativas. Era um investimento alto da companhia de águas e esgoto que estava literalmente jogado na lama. Então mostramos o esgoto da região sendo despejado na represa Billings, uma das grandes fontes de água que abastecem a cidade de São Paulo.
A denúncia foi feita por um ambientalista independente da região. Então começamos o que eu chamo de “modus operandi Proteste”. Ou seja: ir atrás dos responsáveis, a companhia responsável pela construção e operação da água e esgoto, e fazer com que alguém se comprometesse a explicar o porquê das estações não funcionarem. Mas sobretudo – e essa é uma das grandes virtudes do Proteste Já – colocar um prazo para que a operação que trata o esgoto funcionasse.
Fomos então atrás da companhia. Descobrimos o endereço onde ficava o responsável pela operação daquela determinada área e, sem qualquer aviso prévio, agendamento de entrevista e adiantamento da pauta para assessoria de imprensa, já chegamos filmando na portaria e procurando pelo tal diretor da empresa. Em momento algum a câmera é desligada. Num primeiro momento, ninguém entendia que tipo de jornalismo era aquele e a forma incisiva e direta de abordagem. Uns dias depois o diretor de comunicação aceitou nos receber. Fizemos as perguntas de praxe para o caso e levamos um pouco da água de esgoto numa jarra para que ele visse com seus próprios olhos e sentisse com seu nariz o cheiro do esgoto. Após a entrevista, por mais argumentos que teve o entrevistado, ficou claro que nada justificava o absurdo de algumas estações de esgoto estarem inoperantes. Então firmou-se um compromisso de ativá-las o quanto antes. Quem quiser pode assistir a matéria completa no YouTube.
Mas voltando à pergunta. O que faz do CQC um programa jornalístico-humorístico e ao mesmo tempo sério é uma combinação bem balanceada entre esses dois ingredientes: humor, ironia fina e assunto sério. Mas não apenas o Proteste Já é sério. Muitas vezes fazemos reportagens sérias, abordando temas delicados (Caixa 2 dos políticos, por exemplo) usando da mesma cara de pau e ironia de que os entrevistados costumam fazer uso. Com relação ao sucesso do quadro, atribuo isso a um largo trabalho de toda uma equipe de produção, edição, pós-produção e um talentoso jornalista e humorista que é o Rafinha Bastos. E algo importante a ser destacado: quando se trata de uma reportagem sobre o setor público, por exemplo, os telespectadores se identificam, por serem usuários e vítimas de serviços mal prestados (e de impostos muito bem coletados por parte do governo) e geralmente não terem a quem reclamar. Então se sentem representados pelo repórter que vai apurar o assunto, sempre com o objetivo final de resolvê-lo da melhor forma possível, sem a formalidade do jornalismo convencional.
O quadro também existe nos CQCs de outros países (como o Caiga Quien Caiga, da Argentina) ou é um quadro especificamente criado para o CQC Brasileiro?
O quadro também existe na Argentina e Chile, por exemplo. Trata-se do mesmo formato, com as peculiaridades de cada repórter e temas de cada país. Há também esse quadro na Espanha. É curioso perceber como são diferentes as pautas da América do Sul em relação às da Europa. Aqui geralmente reclamamos que não há hospitais, serviços médicos, pavimentação, esgoto, estradas, escolas. Já na Europa reclama-se, por exemplo, dos guard-rails da estrada, que são como guilhotinas para motociclistas. Isso mostra claramente as demandas dos países e a diferença entre o Primeiro e Terceiro Mundo. Imagino que na Suécia seria muito difícil fazer Proteste Já.
O que foi determinante pra escolha do Rafinha Bastos para fazer o Proteste?
Não posso responder essa pergunta pois não estive envolvido no processo. Mas creio que o Rafinha tem características que, trabalhando com ele, pude perceber. Por exemplo: antes de ser um comediante, ele era jornalista e já trabalhava com televisão. Além disso, por ser um grande comediante de stand-up, é muito rápido seu raciocínio para lidar com os entrevistados. É um cara que costuma estudar a pauta que sugerimos, vive sugerindo pautas, é atento às demandas do público. Sempre traz boas idéias e é muito antenado com o que se produz aqui no Brasil e fora do país. Além disso, ele tem 2 metros de altura. Isso também ajuda.
Um quadro polêmico como esse necessita, sem dúvida, de uma boa equipe de produção no processo de busca das informações. Isso, sem dúvidas, têm trazido a você novas experiências. Qual delas seria a mais interessante?
Sem dúvida que a parte de produção é essencial ao quadro. Trazer informações precisas para conflitar um entrevistado, por exemplo, é fundamental. Uma das experiências interessantes, na minha opinião, é estar na rua quase que em tempo integral. Então posso estar num ônibus na periferia de uma cidade e ninguém imaginar que estou produzindo uma matéria que será exibida em rede nacional. Passo como mais um na multidão, pois não apareço na “telinha”.
Além disso, é uma experiência de jornalismo investigativo que diria ser das melhores escolas. Pelo fato de o programa fazer muito sucesso, isso acaba abrindo muitas portas. Então um dia me vejo numa reunião com um líder comunitário na periferia da cidade. Na mesma semana faço uma reunião com o prefeito de uma cidade, um deputado, um juiz, promotor, etc. Costumo manter uma diversidade de contatos e usar muito o telefone. Mas o mais curioso é você saber distinguir o joio do trigo. Aquilo que é realmente uma boa pauta daquilo que querem lhe vender como uma boa pauta. Muitas vezes você tem que “sacar” qual a intenção da pessoa que está te passando uma informação e avaliar o peso daquilo. O tempo todo me questiono se determinada pauta realmente deve ser levada adiante ou não. Procuro entender os mais diversos assuntos e pesquisar sobre o tema.
Transformar uma sugestão de pauta em matéria não é uma decisão minha, isolada. Há toda uma discussão entre direção do programa e equipe de produção. Mas geralmente acabo filtrando as milhares de sugestões de pauta que chegam por semana. São cerca de três mil e-mails por semana. Além disso, eu sou praticamente um andarilho. Ando muito por São Paulo. Teve épocas que percorria cerca de 15 quilômetros diários de caminhada. Sou também muito observador, então andar a pé ajuda muito a perceber os problemas e ver boas pautas. Sempre que estou andando é um tempo que tiro pra observar, pensar e sentir a cidade. Muitas vezes vou para lugares que não conheço, atrás de uma pauta.
A melhor forma de entender a cidade/bairro/país que não se conhece é andar pela rua e principalmente, na minha opinião, bater papo com o povo. Essa é uma das coisas interessantes do jornalismo. Já aconteceu de eu estar numa cidade sem saber por onde começar a produzir uma matéria. Então começo a andar pelas ruas. Converso sempre com balconista ou um garçom. São pessoas muito bem informadas devido à rotatividade e diversidade de perfis que ali tomam seus cafezinhos e comem no balcão e mesa. Às vezes entro num táxi e o motorista me leva exatamente atrás daquilo que estava procurando.
Sem dizer que a leitura (jornal, revista, livros) é um grande instrumento pra compreender problemas. Faz quase um ano que trabalho com o CQC e percebi que esse ano gastei bastante as solas dos meus sapatos atrás de matéria e rodando pelas ruas, sempre com um jornal na mochila, um livro e os fones de ouvido tocando música. Não é uma experiência legal? A maioria das pessoas que conheço passam suas 8, 10, 12 horas de trabalho diários dentro de seus escritórios, isoladas do contato com as ruas. Acho que não conseguiria ficar trancado o tempo todo num escritório.
Agora vamos ao entretanto. Não há a percepção de que o quadro está muito concentrado no Sul-Sudeste? Afinal de contas, políticos enroladores, por exemplo, é o que não falta no Norte-Nordeste.
Concordo com a sua pergunta. Como todos da nossa equipe – eu, minha colega de produção,Vanessa Alcântara, e o chefe de produção, o argentino Gaston Turiel) –, acho que precisamos sair do eixo São Paulo-Rio-Brasília. Recentemente gravamos em Curitiba. Mas ainda é insuficiente diante do tamanho do nosso país. Ano que vem queremos mais pautas pelo Brasil afora. E estamos realmente abertos às sugestões mais variadas. Basta enviar um e-mail para e contar o problema que iremos atrás (para este ano as pautas já estão fechadas; ano que vem, a partir de meados de janeiro, voltamos a avaliar sugestões). Pois como diz o bordão do CQC, “Eles estão à solta, mas nós estamos atrás”.
Pingback: Daniel via Rec6()
Pingback: danielsl no diHITT()
Pingback: domelhor.net()
Pingback: Anônimo()
Pingback: CQC Blog’s » Blog Archive » Proteste Já: A produção()