“Porra!”
por Otávio Dias – Quantas e quantas vezes não fomos levados ao riso por um termo tão pequeno, aqui na terra brasilis, logo após uma piada qualquer de Dercy Gonçalves e tantos outros comediantes conhecidos e desconhecidos? E quanto ao humor de bordão, tão familiar, em que a mesma piada é recontada centenas de vezes com micro-variações, em situações levemente diferentes, como no caso do homem traído, ou do tiozão que se irrita com a conversa do carinha ao telefone? Tudo funcionando quase como um transe hipnótico, ainda na mesma praça, no mesmo banco… Situações bem diferentes daquelas em que um personagem é construído – com seus tiquis e taquis – e é colocado em situações variadas pra gerar o riso.
A comédia é motivo de estudos (e risadas, pelamor) há pelo menos dois milênios: em sua Poética, Aristóteles já tratava a teoria do assunto; infelizmente esta parte da obra aristotélica se perdeu nos rios do tempo, inspirando o belíssimo (e suficientemente engraçado) O Nome da Rosa, de Umberto Eco. Teorias à parte, a comédia sobreviveu em culturas e formas diferentes, quer seja simplesmente divertindo, quer seja levando à catarse.
Humorísticos de TV, piadas de boteco. Fazer comédia não é fácil. Ainda mais quando elevado ao status de profissão. Claro, há uma pegada de improvisação, jogo de cintura, necessidade de pensamento rápido, mas há mais: há trabalho, e trabalho muito árduo. Assim o diz Jerry Seinfeld [ao lado] e tantos outros figurões do humor no documentário Os Bastidores da Comédia; não muito diferente do que já transparecia no filme Chaplin – lembram-se de como Carlitos veio à tona pela primeira vez, no quarto de roupas? Boas observações e muitas horas de filtragem.
Mas que filtragem? Hoje vivemos uma certa repressão: o politicamente correto está em todas as paredes, em todas as TVs. 70% das pessoas que conheço querem manter um nível de bom mocismo e, ainda assim, afirmam gostar de Chaves: uma série em que se tira sarro em tempo integral de pobres, gordos, burros e mimados. E Chaves é divertido pacas. Os Trapalhões também eram, por motivos não muito diferentes. Sério: essa onda de ser certinho só torna a vida do comediante mais difícil (e nossas vidas menos divertidas), porque há momento pra tudo, até pro riso desajuizado.
Pra quem saiu do humor de palavrão e vem descobrindo o stand-up, como nós… Ok, não é bem verdade, isso, porque esse tipo de humor já era velho conhecido de nossos pais: José Vasconcelos, Chico Anysio e Jô Soares, entre outros, realizam esse tipo de apresentação – ao vivo, em seus espetáculos que viajam o mundo – há quatro décadas. Nos Estados Unidos, esse tipo de apresentação é praxe há muito tempo e parte integrante da cultura. Bill Cosby, Jerry Lewis, Steve Martin e Robin Williams são estrelas do stand up que se tornaram próximos de todos nós, por causa de seus filmes e séries especiais e divertidas.
Até que chegou um tal de Seinfeld potencializando a arte do stand up a um nível de arte nunca alcançado antes. Seu programa, pós-moderno, exibiu facetas e sutilezas para milhões de pessoas – coisa que outros comediantes faziam em pequena escala. O cara uniu o melhor de dois mundos: podia tratar o tema que fosse (não importando quão incorreto pudesse parecer) através dos detalhes, das pequenas situações. Como o faz também, em seu próprio estilo, cheio de personagens, o Marco Luque; ou o camarada Santi Lee, que por mais sujo e devasso que possa ser, nunca terminou uma piada, desesperado pelo riso, soltando um “porra!”
E eu adoro isso. Longa vida às transformadoras sutilezas.
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