Três poemas do novo livro de Ana Rüsche
por Ana Rüsche
*
anotação
esse amor demais vai acabar te matando, ana
escuta, presta a atenção
vê se espreme esse coraçãozinho
pra ver se surgem um par de bolas embaixo
vai ser homem na vida
e para com isso, essa coisa toda,
essa bobageira.
tem dias que a gente só quer
que nos tirem para dançar
*
eu própria sou a vida no outro planeta
V.
Ontem, para o jantar, preparei-me à mesa
posta com as costelas de carne viva e toucinho
penteado bem bonito e roupas são as que
consegui comprar
fico desconsolada a olhar para o avental, tão
prático
Coloquei as bonecas para dormir
limpei os guardanapos e travesseiros
tirei sujeiras invisíveis dos copos
E bati no liquidificador uvas
engrossei com açúcar, raspa de limão e no fundo
da panela
uma geleia quente
lambuzei os lábios até ficarem rubros com bolhas
de beijar
Nas mãos há magia demais e ainda ingredientes e
ainda poemas
Mas não se vai nem até o umbral da porta
sem se ter coisa alguma pra enfeitiçar
Aqui, invariavelmente chove, e as pessoas não
têm vontade de sair de casa.
*
A Intrometida
: queria te escrever um poema assim
mas era tanto tanto que nunca seria escrito
sabe?
exatamente o que se perde é o que se
gostaria de estar ali
a poesia só consegue cantar
(nesse pobre estado de permanente saudade)
sobre tudo que já não está mais ali
como essa areinha fina que faz cócegas nas
calçadas
como esses poços escuros entre as estrelas que
me olham, tuas pupilas de leitor
* Ana Rüsche, São Paulo-SP, é mestre em Direito e doutoranda em Letras Inglesas, ambos pela USP. Esses poemas são de seu quarto livro, Nós que Adoramos um Documentário (Editoria Ourivesaria, 2010). Site: anarusche.com.
Amálgama
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