Três propostas para o caos no Rio de Janeiro


-- Policiais no alto do Complexo do Alemão (foto:EFE) --

por Bruno Cava – Quinta passada, dia 25, eu estava num barzinho depois do expediente, quando vi pela primeira vez a filmagem da fuga desabalada de moradores do morro, que corriam por uma estradinha de terra batida entre duas favelas aqui do Rio. Tentavam escapar da favela Vila Cruzeiro, que estava sendo invadida pelas forças do estado. Durante a correria,  era possível ver várias pessoas sendo alvejadas por policiais de tocaia na mata (ou em helicópteros). E ninguém ajudava, elas ficavam pra trás, desamparadas e agonizantes.

Achei triste a cena, mas as pessoas a meu redor exultavam: “bandido tem mais é que morrer”, “BOPE neles!”, “tem que botar o exército pra acabar com esses vagabundos”. Nem no atentado de 11 de setembro nos EUA, presenciei tamanho deleite da maioria diante de cenas de execução. Os espectadores chegavam a salivar. Reviravam os olhinhos. Uma catarse.

Natural que crises assim provoquem um clima de euforia pela cidade. Admito que parte de mim também se empolga em tempos de comoção. Afinal, arranca-nos da rotina e confere vibração à existência. Porém, não dá pra engolir a execução sumária televisionada ao vivo e em cores e aplaudida como se fosse uma cena do filme Tropa de Elite.

Eu sei que pedir um olhar crítico da televisão brasileira seria sonhar alto demais. Mas irritam os programas que sequer informam sobre o que está acontecendo. Tipo, pelo menos descrever os fatos. Limitam-se a exibir as cenas sob manchetes inflamadas, com direito a rostos consternados de âncoras e repórteres. A situação fica posta nos termos maniqueístas mais ignorantes, como se fosse uma guerra do bem contra o mal, do estado bonzinho versus os bandidos maus, do cidadão de bem reagindo ao traficante do mal.

O jornalismo brasileiro dos principais veículos tem que acabar. Prevalece a exaltação à violência do bem contra a barbárie do mal. Repete-se o discurso do medo e da guerra, o fundamento de toda a tirania. Moraliza-se um debate que é político. Ora, a violência urbana não é causada pela maldade na cabeça de algumas pessoas, mas por fatores sociais, econômicos, históricos, que condicionam as relações de poder e produzem a violência na metrópole.

Esse discurso midiático rasteiro, reproduzido acriticamente por tantos em suas micromídias (rodinhas, tuíter, facebook), pretende unificar a sociedade numa cruzada do bem contra um inimigo comum. Porém acerta gigantes imaginários. Porque não existe nenhuma relação de causa e conseqüência entre a) invadir uma favela e “passar o rodo nos soldados do tráfico” e b) assegurar a segurança aos cidadãos do asfalto. Não preciso me delongar nisso, porque o Luiz Eduardo Soares escreveu com pena de ouro sobre o pastiche midiático na questão da violência urbana, em texto de quarta passada (dia 24) no seu blogue.

No boteco, sem agüentar mais, me senti novamente obrigado a discordar do que todos já tinham se posto em acordo. Se não for pra isso, então não sirvo pra nada.

Como assim, tocaiar as pessoas fugindo? Isso não é pra aplaudir, mas pra vaiar. Uma coisa é responder fogo com fogo, reagir num tiroteio pra se salvar. Outra é tocaiar um grupo se retirando do campo de batalha em desespero. Os caras não foram mortos, eles foram e-xe-cu-ta-dos. Reparem que os atingidos nem carregavam fuzis. Poderiam nem ser “bandidos”, mas moradores tomados de pânico, diante da invasão dos caveiras.

O coro reagiu: ah, Bruno, nem vem, todo mundo sabe que eram da facção ou pelo menos estão envolvidos de alguma forma.

Ora, poderiam não ser bandidos, não poderiam? Em tese, poderiam não ser. E isso basta, a dúvida. Um inocente executado ali não vale a prisão de todos os culpados. Aliás, e se fossem “bandidos”? Tem bandido e bandido. Tem o chefão mandante de 50 homicídios e tem o aviãozinho de 14 anos que entrega a trouxinha. E, ainda que, hipoteticamente, sejam todos eles sem exceção assassinos sanguinários zé-pequenos que-nem-no-Tropa-de-Elite? (O que é bem diferente do que estar somente “envolvido de alguma forma”.) Mesmo assim, não há pena de morte no Brasil. E, mesmo que houvesse, não seria permitida a execução sumária — sem acusação, defesa, julgamento e apelação.

Pergunto: até onde isso não é praxe em operações assim? Invade a favela, mata-se, e depois sai na imprensa que “morreram X moradores da favela supostamente envolvidos com o tráfico”. E ponto final. A única legitimidade do estado para invadir, prender e punir reside em sua invocada superioridade moral, em relação aos criminosos. Por isso, se agentes do estado abusam, sem respeitar garantias básicas, sem seguir o devido processo legal, qualquer que seja o pretexto, deslegitimam-se. Imediatamente. Sem ponderação.

E então ouvi o inevitável: que discursinho, Bruno, mas contra o crime organizado não pode ter moleza, aquela galera ali é parte desse jogo.

Discordo. Pra mim, “crime organizado” se constitui de sofisticados grupos multinacionais, com altíssimos lucros, abundantes em conchavos e conexões com os poderosos: na política, na polícia, no sistema financeiro (para lavar o dinheiro). A molecada que toca o varejo é bucha. Mesmo os “chefões” que ocasionalmente vão presos, são só um pouquinho menos bucha. Ninguém está falando que são pobrezinhos coitados, nem que sejam forçados pelas circunstâncias a aderir às facções, por descaminho. Não são. Apesar disso, é preciso admitir que tais adolescentes e jovens são totalmente acessórios e descartáveis, e não são eles que sustentam a economia das drogas ilícitas. Na realidade, essa gente é interceptada pela cadeia produtiva, administrada e comandada pelo verdadeiro “crime organizado”. Fossem eles organizados de verdade, não estariam sendo progressivamente dizimados pelas milícias, que tendem a monopolizar o mercado.

Pronto, a essa altura, o estabelecimento inteiro me considera um sem-noção irremediável. Mas alguém tenta esclarecer este louco da verdade: veja bem, agora é guerra, a bandidagem começou, pediu e recebeu, está queimando carros, metralhando postos de polícia, com tudo isso é natural que a sociedade queira uma resposta imediata e os próprios moradores das favelas apóiam as operações.

Primeiro, é tremenda ilusão acreditar em “respostas imediatas” para problemas complexos e profundos. Desconheço questão mais espinhosa, mais pontuada de armadilhas, do que a segurança pública no Rio de Janeiro. No fundo, essas “respostas imediatas” camuflam outra coisa, bem mais preocupante: estado de exceção. Isto significa: a desativação de garantias e direitos, a tolerância de excessos e abusos, de maneira que os atos ilegais do estado não sejam considerados delituosos, que cada agente se sinta livre para aplicar todos os meios disponíveis. É um cheque em branco às operações: fazer o que for preciso pra restabelecer a ordem.

Segundo, não tem guerra coisa alguma. A rigor, guerra implica declaração formal do Presidente da República e autorização do Congresso Nacional, e pressupõe dois lados perfeitamente delineados, com uniformes, bandeiras e tutti quanti. O que se tem hoje no Rio não é sequer “guerra civil”. Não existe exército separatista, nenhuma sedição nas forças armadas, nenhum grupo querendo depor os governantes e instalar um novo regime. A menos que se aceitem vagas classificações: “guerra contra o terror”, “guerra contra as drogas”, “guerra contra o crime” etc. Porém, tudo isso não é propriamente guerra; aliás, é qualquer coisa…

Terceiro, não faço apologia aos grupos de varejo de drogas, e muito menos coloco as minhas fichas “esquerdistas” nos traficantes, como se fossem uma forma de resistência, uma forma democrática ou progressista. Não e não. As facções ocupam territórios como se fossem feudos, subjugam os moradores, impõem a lei do medo, não vão além de um governo despótico bastante precário e descontrolado.

Meu ponto é que estão fazendo as perguntas errradas. Toda a questão está mal-colocada por causa do imediatismo, do preconceito, do maniqueísmo e da pulsão da morte que a grande imprensa promove — a televisão em especial. Essa percepção oblíqua é uma das principais causas da manutenção do estado das coisas.

Nesse momento, já sem qualquer chance de travar diálogo, sabendo que falaria doravante para as paredes, fui pra casa e passei a matutar sobre a questão das questões: então, o que fazer?

Primeiro, achar uma pergunta melhor. A pergunta melhor, acho eu, morador do Rio, deve orientar-se pelas causas materiais dessa mixórdia, em que poder do crime e crime do poder (a expressão é do sociólogo Giuseppe Cocco) estão do mesmo lado da equação e se somam, tendo como resultado o massacre sistemático — e amiúde anônimo — de jovens negros em comunidades pobres, nos morros e na periferia. Pode não haver o xis da questão, a resposta definitiva, mas alguns fatores merecem atenção.

É preciso analisar a economia por trás das ilegalidades. Como o dinheiro e o poder circulam ao redor do comércio de drogas ilícitas. Quem ganha? Quem é beneficiado politicamente? Quem trafica influência? Quem define o que é tolerado e o que não é?

Existe uma gestão do ilegal que produz lucro e sustenta campanhas eleitorais e confere respaldo político a pessoas no poder, no estado, na mídia. Legalizar, pra essa turma, significaria o fim de um banquete: fim do monopólio comercial, fim do controle sobre a cadeia produtiva, bem como maior fiscalização — logo, menos dinheiro e poder. Para o esquemão, é fundamental que as drogas ilícitas mantenham-se um caso de polícia, e de polícia com toda a sua carga de abuso e corrupção. Jamais de saúde pública.

Como efeito colateral, a “guerra ao tráfico” fragmenta ainda mais a cidade. Na cidade sitiada, multiplicam-se muros, grades, portões, câmeras, alarmes. As pessoas se retraem: vão de casa para o trabalho e deste para casa — quando muito freqüentam o shopping, a academia, o clube e outras ilhas de segurança e assepsia. O cidadão é vencido pelo indivíduo. Desmobiliza-se a metrópole como organismo vivo da democracia, nos seus fluxos horizontais de práticas e discursos, no seu amor comum.

Além disso, é preciso compreender a milícia não como alternativa menos imoral e menos bárbara do que as facções tradicionais. Com efeito, a milícia é uma evolução política e econômica, uma forma mais eficiente de gestão das ilegalidades, signo do limiar cada vez mais indistingüível entre estado e crime. A milícia está vencendo porque é uma aplicação eficiente do poder: mais rendimento, menos barulho. Como escreveu Luiz Eduardo Soares: “o modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico.” A carteira de negócios da milícia não se restringe ao comércio de drogas ilegais. Abrange toda a atividade econômica no seu território: o transporte coletivo, a TV a cabo, a venda de “proteção”, as “taxas” de construção, a renda dos camelôs etc. Menos do que salvação da lavoura, como raciocina parte da imprensa, trata-se de um refinamento e aprofundamento do poder do crime (e do crime do poder), em cima da mesma economia de ilegalidades.

Por isso tudo, não existe solução técnica. Não basta pôr tantos policiais na rua, ocupar tantos morros, aplicar maciçamente as forças armadas, tudo isso para prender X jovens-negros-pobres e executar Y jovens-negros-pobres. E não adianta devassar as instituições pra “arrumar a casa”. Como se pudesse desatar o nó górdio eliminando policiais “sujos” e políticos corruptos. Ora, não é funcionando de modo mais “limpo” ou eficiente que o sistema penal passará a defender a sociedade. No Brasil, não há carência, mas exagero de punição. O sistema é assim mesmo. Trata-se das raízes da história brasileira: o poder se constituiu assim, para funcionar desse jeito. A invocação de superioridade moral participa da farsa e serve para legitimar o crime do poder.

Mas, caramba, o que é o tal sistema, cara-pálida?

Nesta questão particular, é um tripé: 1) a base histórica de desigualdade e racismo que atravessa a sociedade toda, 2) o funcionamento desigual do sistema punitivo (polícia, justiça, prisão), como fiador dessa base, e 3) a criminalização de determinadas substâncias, como motor da economia de ilegalidades, e sua produção de discurso, poder e lucro.

Em resumo: o problema é falta de democracia. Daí a solução passar, necessariamente, por mais democracia. E isso se realiza com políticas concretas, a incidir sobre causas materiais, com dignóstico da situação real, evitando cair nos vários ardis acima expostos: o espetáculo da mídia, a análise maniqueísta, o discurso do medo e da exceção, a farsa do poder constituído.

Assim, à guisa de maior desenvolvimento, arrisco apresentar três caminhos para o debate e a formulação, que possam impactar, na sua estrutura mais íntima, os processos de violência urbana no Rio de Janeiro, quiçá nas metrópoles terceiromundistas em geral:

1) Políticas de desenvolvimento/urbanização de áreas pobres (ex.: PAC das comunidades), de geração e distribuição de renda e bens sociais (ex.: Bolsa Família, Projovem, Prouni), conjugadas intimamente com ações afirmativas substantivas (ex.: cotas raciais na educação, nos concursos públicos).

2) Democratização do sistema penal, nos seus três setores: quer a polícia (ex.: polícia comunitária, partindo do projeto das Unidades Policiais Pacificadoras – UPP, que pode e deve ser melhorado como instância articuladora e mediadora entre demandas da comunidade e poderes públicos), quer a justiça criminal (ex.: criminologia crítica, constitucionalização do direito penal, quadro de juízes e promotores mais social/racialmente plural, fortalecimento das defensorias públicas, acesso à justiça), quer o complexo prisional (ex.: despenalização de condutas não-violentas, penas alternativas, revolução das cadeias como espaços de ressocialização e não como “universidades do crime”).

3) Descriminalização de todas as drogas ilícitas, sem exceção, desvinculando o uso, o porte, a produção e a venda da atenção da polícia e da justiça criminal, convertendo em problema político de saúde pública, a ser estudado, controlado e gerido por órgãos especializados que já fiscalizam fármacos, com regulamentação lúcida e democraticamente debatida e aprovada.

Amálgama




Bruno Cava

Engenheiro aeronáutico e bacharel em direito, mas gosta mesmo é de literatura e cinema. Autor de A vida dos direitos: Ensaio sobre violência e modernidade (Lumen Iuris, 2008).


Amálgama






MAIS RECENTES


  • Raphael Tsavkko

    Excelente análise, Cava! Tu não eras assim nos velhos tempos, haha!

    Contribuo:
    “Não se pode dizer que o tráfico é o resultado do trabalho de marginais mal intencionados que devem ser mortos. São pobres marginalizados suas vidas inteiras que encontram na marginalidade uma forma de reação, de rebelião. Claro, existem os que efetivamente gostam, foram feitos para o crime, mas estas são exceções.A maior parte dos soldados são simples adolescentes ou jovens com famílias desestruturadas que nunca foram considerados gente pelo estado e pelo Estado e que encontraram no tráfico uma forma de serem alguém.

    As milícias são uma resposta, mas uma resposta corrupta, com a intenção apenas moralista de substituir os antigos dominantes, os traficantes. Sai a droga, mas a violência continua a mesma, até piora. É uma reação de agentes do Estado à própria falta de ação de seus empregadores, mas com métodos tão deploráveis quanto os empregados por quem eles combatem.

    A saída violenta para o Rio apenas resulta em mais violência, por mais estúpida e óbvia que a sentença possa parecer. A resposta à exclusão, de forma violenta, faz nascer o tráfico, que por sua vez causa a resposta das milícias, também violenta. Tudo isto intercalado por ações “legítimas” do Estado, de invasões e brutalização.

    O ciclo apenas se completa, reduzindo tudo à mais pura marginalização e criminalização, em que ser pobre já é, por si só, razão para condenação.”

    http://tsavkko.blogspot.com/2010/11/rio-de-janeiro-tragedia-anunciada.html

  • Marcia Costa

    Posso apôr minha assinatura no seu texto abaixo: Pra mim, “crime organizado” se constitui de sofisticados grupos multinacionais, com altíssimos lucros, abundantes em conchavos e conexões com os poderosos: na política, na polícia, no sistema financeiro (para lavar o dinheiro). A molecada que toca o varejo é bucha. Mesmo os “chefões” que ocasionalmente vão presos, são só um pouquinho menos bucha. Ninguém está falando que são pobrezinhos coitados, nem que sejam forçados pelas circunstâncias a aderir às facções, por descaminho. Não são. Apesar disso, é preciso admitir que tais adolescentes e jovens são totalmente acessórios e descartáveis, e não são eles que sustentam a economia das drogas ilícitas. Na realidade, essa gente é interceptada pela cadeia produtiva, administrada e comandada pelo verdadeiro “crime organizado”. Fossem eles organizados de verdade, não estariam sendo progressivamente dizimados pelas milícias, que tendem a monopolizar o mercado.

    è tudo o que sempre pensei… que bom que vc escreveu! Obrigada!

  • Leo Alves Vieira

    Olá Cava.

    Muito bom seu post, mas não concordo em muitos pontos.
    Primeiro, disseste que, no bar, vias o noticiário e: “Durante a correria, dava pra ver várias pessoas sendo alvejadas”.
    R: bom, pelas imagens da TV não dava pra dizer isso… foi apenas UMA pessoa fugindo que foi alvejada.
    Segundo, na hora que os circunstantes do bar que estavas começam a dizer-lhe coisas como: “e os próprios moradores das favelas apóiam as operações”, isso não é mentira.
    R: sou ‘esquerdista’, como você. Meu avô (Mário Alves de Souza Vieira) foi revolucionário e morreu torturado (empalado) pela ditadura militar em 1970, tenho muito orgulho dele! Sou músico e trabalho em comunidades de Niterói e Rio de Janeiro há alguns anos. Quem eu conheco destes locais não só estão apoiando esta operação como estão sendo SITIADOS pelos traficantes dentro da própria morada até hoje (tenho VÁRIOS exemplos de alunos que não foram às minhas aulas por mando de traficantes como filhos de traficantes rivais sendo TORTURADOS dentro de sala de aula, na frente do professor impotente para reagir a um fuzil – isso eu não vi ‘ao vivo’). Prefiro sempre a informação NA FONTE.
    Terceiro, para terminar: sobre as questões estruturais que vocês apontam, concordo com TUDO. Acho que o caminho IDEAL seria sim, legalizar as drogas, sanear as polícias corruptas e ir atrás dos ‘graudos’ do tráfico (que tem sua origem na ditadura militar como vocês bem apontaram, e o artigo do Luiz Eduardo também) e fazer a inclusão social em todos os sentidos. Acontece que, será que dá pra esperar isso em curto, ou mesmo médio prazo como ÚNICA solução?
    Digo mais, será que a inclusão social (construir hospitais, escolas e etc.) é possível sem o ESTADO conquistar o território para tal?
    O que é pior: tolerar as intervenções policiais que foram feitas até hoje SEM PLANEJAMENTO (que aparentemente está ocorrendo agora) e que, em cada uma delas matavam mais do que estas operações juntas, ou fazer uma ocupação só, organizada, PARA FICAR?
    Neste sentido, em outras palavras: deixar as favelas sob o jugo do ‘poder paralelo’ é como se negligenciasse aquela população. Na minha atuação particular, sem me envolver com partidos ou ONG’s, procuro trabalhar em prol destas comunidades, presencialmente, onde eu posso ver e ouvir a realidade destas pessoas com meus próprios olhos/ouvidos. Mesmo assim, acho que isso é pouco. Há de se ter uma ação ESTATAL, do contrário vai se reclamar eternamente da marginalização (por à margem da sociedade) desta população. Com ESTADO, estou me referindo ao estado brasileiro, não apenas o governo estadual. Logo, sim, tem que haver a ocupação do ESTADO, com seus hospitais e escolas JUNTO às transformações estruturais.
    Esta ocupação não teria justificativa se o próprio ESTADO atual não oferecesse alguma alternativa de trabalho honesto, o que ocorre agora – a não ser que alguém me diga que nada melhorou nos últimos 8 anos.
    Só um exemplo real dos vários que presenciei de trabalhadores humildes: já ouvi de um grupo de peões de obra de Aracaju-SE, em coro: “quem não trabalha hoje é PREGUIÇOSO, oportunidade é que não falta”.
    Mesmo assim, vamos ver o desenrolar destes acontecimentos… posso “queimar minha língua” né?

    Parabéns pelo post,

    Leo Alves Vieira

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  • Nóbrega

    Colocar o símbolo do país no topo é q foi o cúmulo. O Brasil ganhou de quem? Só faltava essa, Brasiiiiiil, ame-o ou deixe-o. Que grande palhaçada da TV, só otário pra acreditar nisso.

  • Bruno Cava

    Caro Leo Alves,
    O modo como essa megaoperação está sendo traduzida, midiática e politicamente, é o pior possível, e está do lado do espetáculo, do bem x mal, do estado policialesco. Tudo o que você falou é certíssimo, partindo do princípio que a ocupação se converta, imediatamente, em iniciativa enfática e duradoura de urbanização, investimento, cidadania e polícia comunitária. Vejo a UPP como um avanço em relação à política tradicional de invasões esporádicas e sem planejamento, cujo efeito a médio e longo prazo era tão inútil quanto enxugar gelo. Mas não acho que os cidadãos devem passar um cheque em branco, aliás, nem sequer um voto muito aberto de confiança a facções armadas ou a esquadrões de exceção. É preciso ficar em cima, muito em cima, colocar os pingos nos is, impedir a apropriação dos eventos pelo discurso fascistizante, e atuar por meio mídia realmente transparente e democrática (esquecer, pra isso, a TV brasileira), com tuíter, com facebook, com blogue. Pois o que vai acontecer depois que a Rede Globo desmontar a sua parafernália? depois que a imprensa mover-se para outra sensação do momento?

    De tudo isso é preciso tirar do limão a limonada, embora a memória não nos sugira otimismo.

    Obrigado pela contribuição. Um abraço.

  • Fabio Reis

    Achei até interessante, mas discordo completamente da legalização de drogas ilícitas que você comenta durante o texto e no último parágrafo. É simplesmente ridículo. Se você leu mesmo o texto do Luiz Eduardo Soares, você deveria ter uma opinião diferente. Se houvesse a fiscalização que ele defende para o exército e a marinha, não havia motivo algum para legaliza-las. Para mim, isso é como dizer que é melhor matar os traficantes do que prendê-los, já que a prisão é uma “universidade do crime”, para citar o seu termo. Talvez isso seja exagerado, mas posso resumir sua proposta como uma solução imediata.
    Essa não é a solução. A solução é impedir a entrada dela, assim como das armas. Se a cadeia não é o lugar ideal para mandar as pessoas envolvidas nisso, então que melhorem as cadeias. Tenho certeza de que as idéias do Luiz Soares apresentam maneiras de como fazer isso.

  • fernanda fernandes

    meu amigo,
    desculpa. seu texto é muito bonito e tem sentido, mas infelizmente a guerra que vivemos no rio não dá mais tempo para analisarmos os bandidos que merecem ou não uma bala. vc sabe por quê? porque eles nos fazem de alvos quando em ação. trabalho diretamente com esse caos na cidade e sei que bandido não tem pena de ninguém. é um ser humano, sim, mas que não pensa nem um pouco se tiver que atirar em mim, em vc ou no seu filho. eu já fui vítima da violência impiedosa dessa barbárie e o que ficou? muitas lágrimas, saudades e a terrível sensação de impotência. aqui fala uma doutorada em sistema social. infelizmente somos vítimas de descaso político e social de mais de três décadas, este que não se resolverá entregando flores e bombons nas mãos dos bandidos. eles estavam armados até os dentes para atacarem a cidade (continuarem), e isso implica vida de idosos, mães, trabalhadores, etc, em coletivos, táxis, demais automóveis e locais públicos. será que um meliante desistiria de atear fogo se eu tentasse negociar com ele? talvez se eu tentasse pagar a escola do filho dele? francamente ver pela televisão é uma coisa. sentir na pele é outra. é guerra mesmo e esta não se faz sem o derramamento de sangue de muitos, inclusive inocentes. vc, por acaso, soube o que os moradores daquelas favelas pediram? pra começar: que a polícia continue lá. só para aviso: não, não eram moradores figindo pela mata. quem não deve, não teme e estes, os maradores, estão mais do que acostumados com incursões da polícia, eles não saem figundo. era a bandidagem mesmo, que estava acuada. não gostou do que viu? deveria ter desligado a televisão, como eu fiz. assim como eu não gostei de ter perdido minha irmã no banco do carona do meu carro, grávida de 4 meses, há 6 anos

    abçs. fernanda

  • Mluisa

    Nenhuma crianca nasce criminoso!
    Porque há criminosos?
    É possivel construir uma casa pele telhado?
    Qual é sua opiniao?

  • Dawran Numida

    Uma coisa é certa: não houve bombardeios e nem operação de cerco e aniquilamento das pessoas que fugiam pelas estradas no bairro. Aquilo não era um filme de ação.
    A realidade que se impõe é a ausência do Estado em áreas degradadas. Estas ficam entregues à sanha de quem exerce o patrimonialismo com armas nas mãos: ocupam áreas públicas; impedem que o Estado entre e exerça suas finalidades básicas; exploram os cidadãos; acusam, julgam e assassinam pessoas a seu bel prazer. É disso que se trata.
    Constatar isso não implica em torcer por assassinatos em massa.
    E muito menos implica em apoiar e enaltecer quem comete tais atrocidades, como se fossem heróis de uma ilusória resistência social. Isso pode dar roteiro para filmes românticos, só isso.
    O Estado tem de reprimir, sim. Porém, dentro do que preceitua a Constituição. Interessante que o que menos aparece é exatamente a Constituição, seus preceitos e as Leis Regulamentadoras. Deveria ser exatamente o contrário.
    O Rio de Janeiro já teve governantes de quase todos os matizes políticos. E os problemas continuaram da mesma forma. Intervenções armadas, liberalizações e supostos acordos, reais ou imaginários, podem ser contados aos milhares.
    Das propostas colocadas, a da liberalização das drogas sejam elas quais forem e quaisquer quantidades, parece inócua. As drogas já estão “liberadas”, ao arrepio das leis. E fica uma pergunta, dentre tantas: quem vai regular a liberalização e fiscalizá-la? Parece óbvio, mas é um fato.
    Tanto que certas áreas públicas foram tomadas por traficantes, exatamente pelo fato do lucro e poder paralelo proporcionado pelo tráfico de drogas. Há quem acredite ser possível taxar o uso de drogas e aplicar os recursos em saúde e educação. Nada mais absurdo. Ou ingênuo.
    O que é necessário é política mas ativa de inteligência para prevenção, de um lado e política de educação, saúde e geração de empregos por outro. Mais uma vez obviedades necessárias.
    São coisas que já vem sendo faladas há muito tempo. Há miríades de programas, planos e projetos. Todos praticamente na mesma linha dos anteriores. Sinal de que ou não houve continuidade do que poderia ter dado certo. Ou não teriam dado certo, motivando novas atitudes. Ou foram simplesmente abandonados.
    Quanto ao programa de policiamento, qualquer modelo tomado como isento de erros é temerário. Notadamente numa situação de “pacificação”. Entendida essa como uso preliminar da força, para poder entrar o Estado com suas medidas. Não há outra forma de entender o objetivo de pacificar. Assim, não existem panacéias.
    O trabalho é longo e extenuante.

  • Bruno Cava

    Salve, Fernanda,

    “é guerra mesmo e esta não se faz sem o derramamento de sangue de muitos, inclusive inocentes.(…)deveria ter desligado a televisão, como eu fiz. assim como eu não gostei de ter perdido minha irmã no banco do carona do meu carro, grávida de 4 meses, há 6 anos”

    Não sei como você se sente, porque não perdi nenhum irmão na flor da idade por causa da violência urbana. A sua dor é inexprimível e não pode ser compartilhada. Mas imagino que alguém que perca um irmão confundido com um “bandido”, só porque era da cor errada no lugar errado, também sinta a mesma dor, e nenhum discurso de guerra é guerra irá justificar esse fato.

    Todo o meu texto é uma tentativa bastante compungida de fazer as perguntas certas e assim buscar as respostas concretas para que o irmão de ninguém seja assassinado no meio do tiroteio entre uns e outros.

    Abraço.

  • Bruno Cava

    Salve, Fábio e Dawran,

    Não sei o que é mais fácil em qualquer metrópole: conseguir drogas tarja preta na farmácia ou comprar maconha ou cocaína. Acho até que drogas lícitas dão mais trabalho, é preciso falsificar uma assinatura, conseguir um médico sem ética, subornar o balconista etc, enquanto as ilícitas é só aparecer no local certo com cara de quem quer comprar.

    A ilicitude da droga não só facilita o acesso, como é a melhor propaganda a adolescentes e jovens que buscam se autoafirmar praticando o proibido, o clandestino, o arriscado.

    A ilicitude não diminui o consumo de uma droga; fetichiza-o, confere-lhe um carga simbólica de transgressão, além de constituir toda uma cadeia de produção-transporte-atacado-varejo tão lucrativa, tão entranhada no estado. É a “economia das ilegalidades” (como se sabe o termo é de Michel Foucault, em “Vigiar e Punir”).

    Na farmácia, há drogas com potencial nocivo maior e que provocam todos os efeitos imaginados. Não precisa ser médico pra saber os efeitos de remédios pra regime, antidepressivos, estimulantes etc, quando misturados com álcool, só para dar um exemplo bem prosaico (as combinações são infinitas).

    A pergunta que eu coloco: o que controla melhor o uso de uma droga? a rede de saúde pública (ANVISA, ministério da saúde, OMS) ou a polícia (PM, BOPE, Justiça Criminal, Sistema Carcerário)? o que é mais eficiente, científico e democrático?

    Um abraço e obrigado pelas contribuições.

  • Bruno Cava

    Apenas recapitulando o comentário do Fábio, vale a leitura de reportagem do Terra, abaixo lincada, sobre como não há consenso (como se espera numa situação crítica), entre os 400.000 moradores das muitas favelas do Alemão: parte está satisfeita, parte insatisfeita:

    http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI4818248-EI6578,00-Morador+do+Alemao+sobre+ocupacao+Comunidade+esta+divivida.html

  • fernanda fernandes

    Bruno, saudações similares!
    Tenho certeza que falo com um pensante. A grande diferença do olhares está em ser plateia e estar no ato. O Estado não vai retomar por completo a linha de condução da civilidade carioca porque, eu, vc e muita gente sabe, há um esgoto muito mais profundo do que aquele que alguns traficantes usaram como rotra de fuga, por exemplo. Esgoto esse, conhecido por uma parcela, que envolve ratos muito grandes. Aí está a ferida. Enquanto isso, ficamos nós, a população, a mercê do descaso. A prática é bem diferente da constituição. Desde quando meliantes são recuperados? O chefe da nação lembrou da constituição ao largar seu cargo para ser cabo eleitoral? Dentre muitas perguntas respondo uma delas: sem a invasão em massa, como uma guerra, não será possível o eixo de algo que está desequilibrado há muitos anos.
    O preço que se paga por fazer parte dessas comunidades é muito alto, muita gente sofre agora, como boa parte da população que não mora em morros. Lá existem pais de família, gente do bem, como minha irmã era. Mas sendo do bem ou não, bandido não pergunta antes de meter uma bala. “Vamos comprar munição nova” – foi isso que eu ouvi de um preso em depoimento, prometendo matar, além dos moradores da comunidade para colocar culpa na polícia, todos os “alemães” que passarem por sua frente. Assim vc acha que os “alemães” devem perguntar? Ah, já sei, que tal flores? Desculpe mais uma vez, Bruno, a história da minha irmã é apenas mais uma para você, eu vejo isso todos os dias, tenho amigos vítimas também e me corta o coração ver a promessa da maldade nos olhos desses caras que não têm nada a perder. NA-DA. É assim que eles próprios definem suas atitudes. Dói muito.
    Não tenho nada contra ao seu discurso e é louvável numa palestra ou academia, mas a prática é muito, muito distante da teoria.

    Abçs. Fernanda

  • Dawran Numida

    Bruno Cava,

    Democraticamente, aceito suas ponderações e seu posicionamento. Mas, também, democraticamente, reafirmo minha discordância com a liberação de drogas ilícitas. Se drogas lícitas são vendidas para fins ilícitos, seria quem a tomar as rédeas da situação? Seriam as autoridades constituídas que receberam mandato para tanto, num Estado Democrático. Se suas instituições falham em muitos casos, a solução seria liberalizar o que poderia trazer mais problemas? Pode-se argumentar que a repressão, por si só, não logra resolver o problema. Concordo. Só que também concordo que a liberalização logrará agravá-lo e não resolvê-lo. Se, hoje, a ANVISA, a OMS, Secretarias e outros órgãos, não conseguem controlar a falsificação de receitas para drogas controladas, o suborno, o roubo de cargas de remédios, a entrada de remédios proibidos, o descaminho etc. elas devem ser responsabilizadas, cobradas, aparelhadas, ter punidos os lenientes. Se a polícia, como órgão com mandato de exercer a coerção armada, se necessário, em nome do Estado, não cumpre seu papel? Deve ser reformulada, reaparelhada, enquadrada, punidos os lenientes. O Estado Democrático traz seus preceitos de coerção. Assim, Bruno Cava, se os órgãos são falhos ou falham, isso não será corrigido com a liberalização. Os vícios burocráticos continuariam os mesmos. E com quase certeza, alguém lograria mobilizar-se para monopolizar a distribuição de drogas, ou para entrar no negócio, com a vantagem estar comercializando algo lícito. Hoje, ao menos, o custo da ilicitude é elevado. Por isso as drogas são caras. Eliminando-se o custo da ilicitude, o lucro tenderá a aumentar exponencialmente, creio. A quantidade vendida tenderá a aumentar. Afinal, droga é um produto. Maior quantidade vendida a custo mais baixo, lucros mais elevados. Caso o preço caia muito, basta segurar a oferta. Menor oferta, com aumento da demanda, o preço tende a subir. Ou seja, mais lucro ao operador. A meu ver, tal assunto deveria mobilizar muito mais o Legislativo, a quem cabe esmiuçar o assunto à exaustâo e legislar.

    Dawran Numida

  • Bruno Cava

    Salve, Fernanda,

    Quem é você pra dizer que eu não sinto na pele a violência no Rio? que palestra, que academia? essa desqualificação não tem o menor fundamento. Estou falando na prática.

    Abraço.

  • Laura

    Bruno,

    gostei do seu texto. Faz sentido.

    Só acho um pouco tarde para se fazer essas considerações. Os traficantes saíram dos morros e foram queimar carros nas ruas, numa tentativa clara de “ampliar o domínio do tráfico”, “mostrar quem manda” no Rio de Janeiro. O Estado precisa impor limites que precisam ir além do discurso dos direitos humanos. Esses caras só sabem conversar assim, com força bruta.

    É uma ilusão pensar que a legalização das drogas possa mudar essa realidade. Se água fosse ilegal, esse seria o produto do tráfico. O submundo se manifesta através da ilegalidade, do imoral, do sangue.

  • fernanda fernandes

    meu querido,
    eu sou uma cidadã, trabalhadora, phd, e em momento algum eu que vc não sente, mas se trabalhasse diretamente com a escória, em uma delegacia, por exemplo, veria que as coisas são bem diferentes. muito diferentes.

    agradeço a oportunidade de participação.
    meu contato encerra-se aqui.
    abçs, fernanda

  • marcflav

    bravo, camará Bruno. mas os reacionários de plantão ainda insistem em justificar a violência, em nome de uma pretensa cidadania, de uma pretensa nomenclatura.