Espaço natural e primordial para transgressões juvenis e para atividades consideradas ilícitas pelo poder conservador, a Universidade nunca foi tão contestada quanto nos últimos dias desde que a Polícia Militar foi “convidada” pelo contestado reitor da USP, João Grandino Rodas, a patrulhar o campus.
Os grandes meios de comunicação parecem achar que a universidade se limita a ser um local para estudo, onde vamos obrigados, para passar 4 anos entediantes e, então arranjar um emprego igualmente entediante para seguir da mesma forma até o fim da vida.
— Espaço amplo e diversificado —
Estão totalmente enganados. É muito mais.
É um espaço de aprendizado muito mais amplo do que aquele restrito às salas de aula. Serve para se preparar para vida e, neste meio tempo, cabe beber, fazer festa, conversar, se divertir e, porque não, transgredir. A adolescência é a época em que descobrimos quem somos e o que queremos, e, até lá, cometemos erros, fazemos besteira e não precisamos da PM para nos ensinar o “caminho correto”.
Fumar maconha faz parte. Beber faz parte. Contestar faz parte. Há uma clara oposição entre a lei e as práticas (oras, entra-se na universidade com 17 anos e é proibido beber até os 18, mas alguém se importa?) dentro dos muros da universidade, dentro dos limites do campus.
O campus é um lugar de contestação por natureza. Assim é a universidade. USP, PUC, não importa, universidade é um espaço de contestação, de rebeldia, de festas e, claro, de aprendizagem, mas de todo tipo de aprendizagem e não apenas aquela das salas de aula.
A presença da PM é uma provocação clara tanto da Reitoria, abertamente conservadora e ilegítima, quanto do governo, igualmente conservador. É uma forma de tentar “acalmar” os ânimos e a contestação estudantil.
E é um tiro no pé, estupidez pura. Uma provocação perigosa contra a comunidade universitária.
— Discórdia —
Logo no início de suas atividades, a reconhecidamente violenta PM de São Paulo, que em um ano conseguiu, apenas no estado, matar mais do que a polícia de todo os EUA, prendeu 3 estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) por fumarem maconha nas imediações do prédio.
Poucos momentos antes, a mesma PM perseguia estudantes da faculdade em frente à biblioteca, exigindo documentos e revistando bolsas, em clara provocação e sem qualquer tipo de justificativa.
Já revoltados com esta provocação, os estudantes reagiram e saíram em defesa dos três colegas que seriam levados para a delegacia por claramente descumprirem uma lei retrógrada em um ambiente que, basicamente, foi feito para este tipo de quebra de regras.
Confusão armada, incitados pela provocação anterior e pela mera presença de uma força policial intimidadora, os estudantes partiram para cima, balançando seus livros contra a polícia e, por fim, se excedendo ao jogar um cavalete na PM que, como era de se esperar, respondeu com violência excessiva. Balas e bombas contra livros e pedras.
Em meio à confusão e como forma de revolta, alguns estudantes ocuparam a sala da diretoria da faculdade, dando início, então, à confusão que se seguiu e a toda a discussão posterior sobre autonomia universitária, maconha e movimento estudantil.
— Ocupação, o início —
A ocupação, assim como toda a movimentação logo após o episódio de violência desproporcional, é absolutamente legítima, mas alguns pontos precisam ser pontuados.
É fato que a PM havia intimidado estudantes em frente à biblioteca, mas é inegável que, ao verem estudantes fumando maconha, por mais comum à paisagem que isto fosse, não podiam se furtar a cumprir a lei – sua função primordial, ao menos em tese.
Por mais que discordemos da lei que proíbe o consumo de drogas, não podemos condenar a polícia por cumprir sua função – mesmo, também discordando desta função.
O protesto dos estudantes, por sua vez, é legítimo. Enquanto a resposta da polícia a este protesto foi, como de costume, exagerado e violento. Concordar com a legalidade da ação da polícia é diferente, porém, de concordar com seus métodos, é preciso deixar claro.
A questão se complica, porém, em um segundo momento, após a ocupação inicial, quando o DCE convoca assembléia para deliberar sobre a continuidade ou não da ocupação.
— Ocupação, questão da legitimidade —
A assembléia, ainda que por margem estreita, votou pelo fim da ocupação.
Porém, após a maior parte dos estudantes terem se retirado, uma nova assembléia foi convocada por grupos mais radicais, como MNN, PCO e LER-QI, que fabricaram um resultado mais afeito aos seus propósitos e um grupo ainda mais minoritário de cerca de 50-70 estudantes manteve, à revelia da maior parte dos alunos da FFLCH, a ocupação.
Esta situação foi a que permeou o debate por dias, até a invasão da PM, onde a maioria dos estudantes da FFLCH são contrários à ocupação, mas se opõem veementemente à qualquer tipo de violência e buscam manter vivo o debate sobre a presença da PM no campus, enquanto uma minoria radical se investindo do título de “vanguarda revolucionária” acaba por prejudicar a causa, se colocando acima do coletivo e dando munição à direita dentro e fora dos limites da USP.
Não se podia abandonar quem se colocava na rota da violência policial, mas seria saudável que a própria comunidade acadêmica e em especial a esquerda da FFLCH chegasse a um acordo e encontrasse uma forma mais madura e efetiva de combater tanto a PM no campus quanto a gestão ditatorial do Reitor.
Ou seja, todo apoio à resistência frente à ameaça de violência policial, mas passado o perigo, os estudantes devem tomar de volta para si as rédeas do processo enquanto conjunto e não enquanto uma minúscula vanguarda iluminada.
— Repressão —
Foram 70 estudantes presos (ou talvez 75, segundo outras fontes), que tiveram de pagar fiança e podem ser acusados de, pasmem, formação de quadrilha. Mas piora. O CRUSP foi invadido também pela PM que não teve problemas em lançar bombas de gás nos estudantes e tratá-los como criminosos, para que não pudessem se juntar aos que ocupavam a reitoria em solidariedade.
Estudantes acusam a PM de ter plantado coquetéis molotov e de terem destruído a sala da reitoria durante a invasão, enquanto os estudantes permaneciam imóveis, de cabeça baixa, esperando não serem igualmente violentados.
Tratados como criminosos, foram filmados e fotografados, levados para a delegacia e forçados a pagar fiança (esta paga pela Conlutas).
E o tiro parece ter saído pela culatra. Alckmin agora terá de lidar não só com uma ocupação, mas com uma greve de estudantes e possivelmente de professores e funcionários e com manifestações que se espalham por outras universidades públicas em São Paulo.
— Papel da Mídia —
É fato que a imprensa age propositadamente como agente provocador. Ficam revoltados dos estudantes se recusarem a falar com eles, mas, quando estes falam, são censurados, tem suas falas manipuladas e são desrespeitados. Alguns elementos da imprensa colocam a liberdade de imprensa (ou de empresa) acima da liberdade de expressão dos movimentos sociais. E isto é recorrente.
Vimos a mídia, certos jornalistas, pedirem deforma descarada para que a PM interviesse com violência, para que os estudantes fossem “postos em seu lugar”.
O que vemos hoje é uma clara aliança de setores conservadores da sociedade, retrógrados e alguns até mesmo de caráter fascista, atiçados por uma mídia corporativista e irresponsável para tentar criminalizar os estudantes da USP (para me ater apenas neste problema).
Tudo isto aliado à tentativa do governo de monitorar e patrulhar atividades políticas legítimas e reformar a presença dos setores de inteligência e espionagem da Polícia Militar, num novo e grotesco DOPS.
— Suspeitas —
Tiro no pé talvez seja a questão principal.
A ação da PM acabou por desvelar os reais interesses por trás da presença da PM que, longe de garantir segurança, se centra no monitoramento de “elementos perigosos” e no patrulhamento ostensivo dos estudantes.
Alckmin é muito mais sutil que Serra, que de cara colocou um retiro ilegítimo no poder, o Rodas. Seus métodos são muito mais bem pensados e, mesmo sem querer, a mídia deixou clara suas intenções.
Segundo informações que tenho de amigos, há um real interesse por parte do governo em reforçar a presença e o poder da PM às custas, também, da Polícia Civil e, também o de reforçar a presença e a efetividade dos chamados P2, ou PM’s infiltrados em movimentos sociais (acredito que todos se recordam do protesto dos professores que terminou em violência ha alguns anos em que um suposto professor, na realidade P2, foi fotografado carregando uma policial ferida e estampou a capa de diversos jornais).
O monitoramento político de partidos e de movimentos é claro. Qual o sentido em se “averiguar” a participação de estudantes em partidos políticos perfeitamente legais mesmo dentro da legislação atual que estes mesmos partidos denunciam como burguesa?
Há fortes suspeitas da presença de P2 infiltrados no movimento estudantil e isto se verifica pela confusão em que um fotógrafo foi derrubado e até um tijolo foi jogado em cima da imprensa durante a madrugada pré-desocupação.
Estamos diante de uma clara militarização do campus, e pior, de uma militarização da sociedade, dos espaços públicos, dos espaços de convivência social.
A universidade é apenas a ponta mais visível, mas encontra paralelos com o higienismo da cidade, com as perseguições e execuções (e a moda de incêndios criminosos e remoções forçadas) da população pobre, com a elite se revoltando contra “gente diferenciada” e com todo o ódio contra aqueles que contestam, que se revoltam, que lutam pelo que acreditam.
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