Os métodos fascistas em voga

por Paulo Roberto Silva (04/11/2013)

O que podemos aprender da República de Weimar

- Black bloc no Instituto Royal -

– Black bloc no Instituto Royal –

Um dos laboratórios históricos mais promissores que existe tanto para a economia quanto para a ciência política é a República de Weimar, que vigorou na Alemanha entre 1919 e 1933. Foi estudando sobre ela que Gustavo Franco, por exemplo, desenvolveu sua teoria sobre a hiperinflação, que, junto com a teoria de Persio Arida e André Lara Resende, ajudou a moldar o Plano real. Também sobre este período surgiram análises sobre as fragilidades do regime democrático. Isto porque o resultado da fragilidade institucional e do prolongado conflito político que marcou a Alemanha neste período foi o nazismo.

Se por um lado é verdade que o nazismo só ascendeu devido à Grande Depressão – Kissinger, em seu Diplomacia, chega a afirmar que a Depressão prejudicou o andamento do plano Stresseman, que teria feito superar as dificuldades impostas pelo Pacto de Versailles – a versão alemã do fascismo foi gestada e amadurecida pelas condições de política interna da República de Weimar.

Se nos anos 1980 o Brasil pode olhar para Weimar e encontrar saídas para seu processo de hiperinflação, cabe a nós nos anos 2010 olhar novamente para Weimar e encontrar soluções para nosso regime democrático. As transformações sociais ocorridas entre a estabilização econômica em 1994 e o final do governo Lula em 2010 trouxeram novos desafios, que precisam de resposta. Algo similar aconteceu nos anos 1960, quando a rápida industrialização das décadas anteriores havia promovido igualmente uma forte transformação social, e o país demandava mudanças que foram sintetizadas por Celso Furtado nas reformas de base.

Na época, a resposta política dada foi um golpe militar, que apenas atrasou em 30 anos as mudanças que necessitávamos. Hoje o maior perigo é um protofascismo iniciante, que assim como o nazi-fascismo do entreguerras incorpora a retórica das esquerdas, mas se volta contra o movimento social. Para um observador desatento, eles se parecem uma e mesma coisa. Mas as sutis diferenças são cruciais.

Definindo o fascismo

Trótski, em Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, definia o fascismo como a expressão política do ódio da pequena burguesia. Pequena burguesia entendida aqui como sinônimo de classes médias urbanas – à época consideradas apenas pequenos comerciantes e profissionais liberais, hoje incluindo todo tipo de profissional altamente qualificado e com acesso privilegiado ao capital cultural. Neste sentido, ele seria a outra face do jacobinismo revolucionário – visto como expressão da esperança desta classe – e mesmo da democracia – considerada a expressão da acomodação da mesma.

A definição de Trótski, embora tenha consistência teórica, é mais política. Seu objetivo é principalmente eliminar as ilusões que haviam dentro do comunismo alemão com um suposto “potencial revolucionário” do nazismo. À época, os comunistas estavam às turras com os social-democratas, no governo desde 1919, acusando-os de “social-fascistas”. Ao mesmo tempo, chegaram a propor um bloco parlamentar com os deputados nazistas. O argumento era de que “não havia diferenças entre o fascismo e a democracia burguesa”. Trótski estava rebatendo: sim, e nem mesmo havia diferenças com o discurso revolucionário dos comunistas – seu conteúdo de classe era essencialmente o mesmo. Mas em uma democracia os comunistas poderiam se organizar politicamente e os sindicatos tinham liberdade; sob o nazismo, ambas as coisas seriam impossíveis. Trótski estava certo, mas perdeu o debate interno, e como resultado os comunistas alemães foram presos e mortos.

Hobsbawn nos propõe uma definição um pouco diferente. Seu esforço é diferenciar o fascismo dos anos 1930 de seus aliados da época, especialmente o que ele chama de direita “corporativista” – casos de Salazar em Portugal e Franco na Espanha – e regimes simplesmente autoritários, como no Leste Europeu. Os dois modelos buscaram suas raízes nas tradições antigas, e se apoiavam em um resquício de aristocracia local – Franco reuniu sob seu comando diversas correntes monarquistas que atravessaram o século XIX brigando entre si nas Guerras Carlistas.

Diferente destes, o fascismo seria caracterizado, para Hobsbawn, como uma mobilização de massas de baixo para cima em torno de um programa político violentamente conservador. Desta forma, ele surge de uma combinação da retórica e organização revolucionária com palavras de ordem conservadoras, em nome de uma tradição não genuinamente aristocrática, como no caso do carlismo espanhol ou do miguelismo português, mas sim reconstruída ideologicamente. O ritualismo do regime de Hitler em nada lembra a sociedade de corte do Kaiser ou do Sacro Império Romano Germânico, mas é uma construção estética para impressionar as massas.

Norbert Elias, em Os Alemães, afirma que a influência da Revolução Russa faz desencadear no seio da sociedade alemã uma “peculiar dinâmica dialética do uso da violência”, entre os que buscaram impor o modelo soviético ao país por meio da violência revolucionária e os que procuraram conter o comunismo também por meio da violência. Desta forma, durante a República de Weimar podemos afirmar que os grupos políticos alemães se dividiram tanto entre esquerda e direita quanto entre violentos e não-violentos: Esquerda não violenta (Social-democracia, Democracia Cristã), esquerda violenta (comunismo); direita não violenta (nacionalistas), direita violenta (freikorps, nazismo).

Os freikorps eram grupos de jovens oficiais que caíram em desgraça com a derrota alemã na Primeira Guerra. Diferentemente de seus pais, como o general Hindenburg, que se organizaram em um partido nacionalista e optaram pela luta política, os freikorps optaram pela violência e pelo terrorismo. Eles foram responsáveis pelos assassinatos dos espartaquistas – organização que daria origem ao Partido Comunista Alemão – Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, além do industrial judeu Walther Rathenau.

Enquanto os freikorps são derrotados e perdem forças, as SS nazistas crescem e ganham importância. A prisão de Hitler após o putsch da cervejaria de Munique não foi suficiente para enfraquecer o nazismo. Pelo contrário, as SS atraem para si todo militante interessado em combater o comunismo pela força. Além disso, enquanto comunistas e social-democratas estavam às turras, nacionalistas e nazistas apoiavam-se mutuamente, ainda que desconfiassem entre si.

Vejam que não se trata, em nenhum momento, do abuso da repressão violenta do Estado – pelo menos enquanto Hitler não chegava ao poder. O que caracterizou o fascismo em sua origem foi o recurso a métodos violentos extra-estatais. Ou seja, o risco do fascismo não repousa em um golpe militar ou na repressão policial exacerbada, mas na formação de tropas de fanáticos violentos. Neste sentido, o fascismo se identifica com o terrorismo de corte islâmico, por exemplo, e não com a polícia militar.

Os métodos do fascismo

Como expressão política do ódio, os métodos do fascismo são métodos de ódio. Métodos de ódio não são o mesmo que métodos agressivos ou violentos. Uma guerrilha é violenta. Uma ação terrorista está no limiar entre a violência política e o ódio. A intimidação de jornalistas é uma clara expressão de ódio.

Para nós, é importante diferenciar os métodos violentos. Diferenciá-los não significa legitimá-los, mas classificá-los em relação ao risco que apresentam para a democracia. De forma bem simplória, podemos dividir a violência política em quatro tipos:

  • Violência insurreicional: a insurreição é uma expressão violenta do movimento de massas. Caracterizou, por exemplo, a Primavera Árabe, a luta contra o regime comunista no Leste Europeu e a Intifada palestina;
  • Violência de vanguarda: é o caso das guerrilhas. Algumas podem se corromper, como no caso das FARC. Mas a guerrilha se caracteriza pelo direcionamento do seu esforço ao combate militar contra o governo ao qual se opõe, e qualquer crime humanitário contra civis – caso dos sequestros e genocídios – está subordinado à tática maior que é o conflito militar;
  • Raiva generalizada: caso dos conflitos raciais de Detroit, das quebras de trens no subúrbio, ou dos conflitos que acontecerem recentemente na zona norte de São Paulo. Diferentemente de uma insurreição, em que há um foco claro e um adversário a ser combatido bem definido, ondas de raiva generalizadas instalam o caos, e expressam muito mais o descontentamento em nível exagerado que uma estratégia de luta;
  • Violência de ódio: é a preferida do fascismo. Combina uma dose de fanatismo em que a comete, e seu foco não é o governo, mas setores sociais específicos – artistas, intelectuais, cientistas, sindicalistas, igrejas. Visam a intimidação e a imposição do medo.

Os métodos do fascismo são preferencialmente métodos de ódio. A Ku Klux Klan, por exemplo, usava-se de táticas de intimidação contra os negros que incluíam assassinatos exemplares, queima de cruzes, apedrejamento de janelas. As milícias no Rio de Janeiro executam testemunhas de forma cruel para que outros desistam de testemunhar. Grupos neonazistas lincham nordestinos, negros e homossexuais com o objetivo de “dar uma lição”.

O método fascista não necessariamente inclui violência direta. Ligações com ameaças, envio de e-mails, publicação de endereços e telefones na internet são também métodos fascistas, ainda que ninguém se machuque. O objetivo é o mesmo: a intimidação. E não do Estado ou do governo, mas de atores sociais.

O risco fascista no Brasil

No Brasil de 2013, estamos vivenciando três formas de violência política. Não temos insurreição no Brasil. Temos, isso sim, violência de vanguarda – casos dos black blocs – e raiva generalizada – nas periferias. E temos também métodos de ódio.

Os black blocs se caracterizam pelo ódio, quando destroem carros de TV e atacam jornalistas. A intimidação de jornalistas nas manifestações não é monopólio das polícias. O ódio também se manifesta quando, em nome da luta contra o capitalismo, quebram-se bancas de jornal, residências e carros de cidadãos comuns.

Contudo, o caso mais explícito de tática fascista tem sido adotado pelo movimento dos direitos dos animais contra o Instituto Royal. Aqui há de tudo: grupos veganos como a Vista-se e Veddas, e ativistas de ONGs que cuidam de animais abandonados. Há também políticos, dos quais se destaca Luísa Mell, recém filiada ao PMDB. Embora grupos como o Vista-se tenham procurado agir com responsabilidade, chegando a desmentir a imagem de um cão com olho costurado que circulou como sendo do Royal, vários setores aqui têm adotado métodos fascistas preocupantes.

O método fascista de intimidação, neste caso, caracteriza-se pela divulgação de dados de endereço, e-mail e telefone de pessoas ligadas ao Instituto para que sejam ameaçados. A comunidade do Facebook “Diga Não ao Instituto Royal”, por exemplo, divulgou telefones e endereços residenciais de dirigentes do Instituto para que fossem ameaçados. Fez o mesmo com a assessoria de imprensa do Instituto – neste caso o e-mail do profissional foi divulgado para que recebesse ameaças. Grupos de ativistas interromperam à força uma aula de medicina na PUC-Campinas. E agora estão divulgando a tese de doutorado de uma antiga profissional do Instituto, também com objetivo de intimidação.

O discurso é radical – vejam como Luisa Mell fala em audiência pública na Câmara, reivindicando as jornadas de junho. Mas o discurso é contra pessoas físicas, não contra o Estado ou o Capital – até porque uma candidata do PMDB precisará de ambos para se eleger. A combinação do discurso emocional fácil com as táticas de intimidação adotadas, junto com o perfil de classe dos ativistas, dão os indícios de fascismo deste movimento.

O caso do ativismo contra o Royal é apenas um exemplo. E serve de alerta à militância. O discurso radical não é certificado de esquerdismo ou de compromisso revolucionário para ninguém. Pelo contrário, pode ser indício de fascismo. E a democracia brasileira precisa, neste momento, saber conter os protofascismos nascentes, até para sua proteção. Tudo o que não precisamos é ter o fim da República de Weimar.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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