Lei de Diretrizes Orçamentárias: a lei, ora, a lei

A mudança proposta para a LDO será aprovada pelo Congresso, mas rechaçada pela sociedade e pelo mercado.

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A meta fiscal de 2014, para valer, era de R$ 134 bilhões, com R$ 116,1 bilhões para a parcela da União e R$ 18 bilhões para a parcela dos municípios. Originalmente, a meta era ainda maior, da ordem de R$ 167,4 bilhões, como se pode ver no texto da LDO original:

“Art. 2º A elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Orçamentária de 2014, bem como a execução da respectiva Lei, deverão ser compatíveis com a obtenção da meta de superávit primário de R$ 116.072.000.000,00 (cento e dezesseis bilhões e setenta e dois milhões de reais) para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social e R$ 0,00 (zero real) para o Programa de Dispêndios Globais, conforme demonstrado no Anexo de Metas Fiscais constante do Anexo IV, de forma a buscar obter um resultado para o setor público consolidado não financeiro de R$ 167.360.000.000,00 (cento e sessenta e sete bilhões e trezentos e sessenta milhões de reais). [Lei nº 12.919, de dezembro de 2013. Grifo nosso.]

A LDO original também garantia um abatimento da meta limitado a R$ 67 bilhões. Já era um montante elevado, que previa, logo de saída, uma meta anual inferior à fixada em lei, algo que venho criticando, há tempos, justamente pela falta de transparência e dificuldade em sinalizar ao mercado o real compromisso no âmbito fiscal. O trecho a seguir deixa claro esse ponto:

Art. 3º A meta de superávit a que se refere o art. 2º pode ser reduzida em até R$ 67.000.000.000,00 (sessenta e sete bilhões de reais), relativos ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, cujas programações serão identificadas no Projeto e na Lei Orçamentária de 2014 com identificador de Resultado Primário previsto na alínea “c” do inciso II do § 4º do art. 7º desta Lei, e a desonerações de tributos. [Lei nº 12.919, de dezembro de 2013. Grifo nosso.]

Ocorre que, no início do ano, o governo decidiu revisar a meta anual, diante do cenário já bastante adverso e das dificuldades iminentes de cumprir uma meta equivalente a 3,1% do PIB para o setor público consolidado. As revisões se deram nas seguintes bases:

1. O governo central continuou oficialmente com uma meta de R$ 116,1 bilhões, mas passou a anunciar que abateria da meta R$ 35,2 bilhões do PAC e das desonerações, o que na prática reduziu o compromisso com a meta a R$ 80,8 bilhões;

2. Os governos regionais tiveram sua parcela da meta reduzida de R$ 51,3 bilhões para R$ 18 bilhões, o que se mostrou acertado, dado que eles tiveram uma forte redução do primário, em continuidade à trajetória dos últimos anos, sob influência dos programas de desoneração tributária, que retirou deles parte importante das receitas de IPI transferidas via fundos de participação (FPE e FPM – Estados e Municípios).

Observem que, no ponto 1, já ficava claro que o caminho não seria o de reduzir oficialmente a meta, mas o de utilizar os abatimentos previstos em lei.

Com a alteração proposta para a LDO de 2014, aprovada antes de ontem na Comissão de Orçamento, o que se autoriza é o completo disparate de cumprir a meta anual de R$ 116,1 bilhões (governo central) + R$ 18 bilhões (governos regionais), produzindo um déficit primário. Há algum tempo, quando começou a história dos abatimentos, alertei que isso poderia ocorrer.

A alteração do texto é muito simples. No lugar dos R$ 67 bilhões, o teto do abatimento previsto na LDO original, não se vê mais nada. Pode-se abater do compromisso anual qualquer valor. Vejam abaixo o texto do projeto de lei a que me refiro e a nova redação do artigo 3º da LDO:

Art. 3º A meta de superávit a que se refere o art. 2º poderá ser reduzida no montante das desonerações de tributos e dos gastos relativos ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, cujas programações serão identificadas no Projeto e na Lei Orçamentária de 2014 com identificador de Resultado Primário previsto na alínea “c” do inciso II do § 4º do art. 7º desta Lei. [Veja aqui a nota do Ministério do Planejamento. Grifo nosso.]

E mais: o resultado produzido para cumprir a meta não precisa ser positivo, não precisa ser um superávit, como bem colocou Romero Jucá, grande artífice dessa manobra, que salvará o governo do vexatório descumprimento da LDO e, inclusive, da possibilidade de a presidente ser enquadrada na lei nº 1.079, de 1950 (a lei de crimes de responsabilidade), que coloca a infração orçamentária como um dos crimes de responsabilidade. Claro que as chances disso vingar seriam baixas, mas, repito, a situação seria, no mínimo, complicada para a presidente e sua equipe econômica.

No limite, como as desonerações estão crescendo e o PAC vem sendo inflado com toda sorte de despesas, o que explica a taxa impressionante de crescimento do investimento federal este ano – mesmo com a formação bruta de capital fixo da administração pública (e total) na bacia das almas –, o que se observa é a possibilidade de se produzir, literalmente, qualquer resultado e, ainda assim, garantir o cumprimento da lei!

Um exemplo: os gastos do PAC já estão próximos de R$ 50 bilhões (janeiro a setembro de 2014). As desonerações já produziram uma renúncia tributária da ordem de quase R$ 80 bilhões (mesmo período). Esses R$ 130 bilhões devem chegar, até o final do ano, facilmente, à marca de R$ 160 a R$ 165 bilhões. Com isso, a meta de R$ 134 bilhões poderia ser cumprida mesmo que o setor público consolidado entregasse um déficit primário de mais de R$ 30 bilhões.

Não é uma hipótese pouco provável. Ao contrário, o setor público consolidado já acumula déficit primário de R$ 15,3 bilhões entre janeiro e setembro de 2014, e só chegará a um resultado positivo se, e somente se, a contabilidade criativa for de tal forma utilizada que compense esse déficit e ainda gere algum resultado azul.

A receita do 4G (R$ 5,9 bilhões), o resquício do Refis (R$ 10 bilhões) e os dividendos (R$ 11 bilhões) devem ajudar nessa tarefa. Entretanto, esse bolo atípico de receitas só compensará o déficit se os três últimos meses do ano apresentarem um resultado zerado (sem as atipicidades, obviamente), no mínimo. É algo bastante forte, mas não é trivial. Exigirá postergação de gastos para o ano que vem via restos a pagar, como já se fez nos últimos anos.

É assim que o governo deu um grande tiro no pé, com a mudança proposta para a LDO, que será aprovada pelo Congresso, mas rechaçada pela sociedade e pelo mercado. O novo ministro, seja quem for, sentará na cadeira e ganhará de presente um abacaxi azedo. Paliativos não vão resolver. 2015 bate à porta e o improviso continua a ser a marca deste governo.



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