Com um volume de 23 contos, Sabrina Sanfelice deixa sua marca precoce e legítima no universo da literatura brasileira.
Um amigo querido me apresentou este livro de estreia de Sabrina Sanfelice ante a promessa de que seria uma obra digna de ser lida, apreciada e resenhada. Confesso que, ao vislumbrar o sublime trabalho de encadernação e sentir a firmeza clássica e austera que só um livro de capa dura é capaz de proporcionar, fui cativada quase instantaneamente. Há livros e livros que atravessam nossos caminhos, deixando impressões (um rabisco em certo lugar do peito, um buraco no estômago, uma cicatriz à altura do ventre), mas, ocasionalmente, logo nas primeiras páginas certos textos causam algo diferente: um misto de reconhecimento, de admiração, de encanto. Então, é necessário fechá-los e exclamar: “caramba, como eu queria ter escrito isso!”.
É esse o caso de Nós Vós Elas, contos escritos por Sabrina Sanfelice, fotógrafa, jornalista e blogueira, no qual se encontram mais textos de singular beleza (ficcionais e autobiográficos) e fotografias autorais.
Nós Vós Elas é composto de 23 contos, retalhos que, quando unidos, formam um desenho intrincado, cujas peças do quebra-cabeça, todas do gênero feminino, encaixam-se perfeitamente, formando um só ser, labiríntico, complexo, derradeiro. Essas Marias, Annas, Amélias, Imaculadas, Dolores e Veras são personagens do nosso convívio: como a mulher balzaquiana que sai, confiante de encontrar um possível amante e, vendo-se sozinha em uma apresentação teatral na qual, ao ouvir “Mal Secreto”, de Jards Macalé e Waly Salomão, cai no mais desesperançado choro solitário; como a senhora, já em idade avançada e internada em um asilo, que, obcecada por um amor do passado, vê seu fim sobre os papéis nos quais, amorosa, primorosa, divina, desenhou com a exatidão da memória as feições de seu amante.
Através de uma linguagem artística, imagética, mas ao mesmo tempo intimista, Sabrina Sanfelice mostra ser uma grande representante da literatura brasileira contemporânea, podendo ser comparada até mesmo aos grandes Murilo Rubião, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Hilda Hilst. Há, em seus contos-retalhos, uma incursão ampla de referências à música, ao cinema, à literatura universal e até mesmo épica e mitológica, o que oferece uma leitura profunda, extremamente rica. Assim, Sanfelice deixa sua marca precoce e legítima no universo da literatura brasileira, de maneira indelével, eterna.
Nós Vós Elas é, portanto, um mergulho no oceano de que é composta a mente humana, é um se encontrar e se (re)conhecer na alma da autora, na minha, na sua, na nossa. É (re)pensar as escolhas, os caminhos, os destinos; é adentrar o curso da vida e, através dele, enxergar, no texto, que somos todos um só, enrodilhados.
Um nome amarrado. Dedos cruzados.
Uma figa, no fundo, é só um nó bem dado.
Não se culpe se me encontrar perdida no meio de uns parágrafos que seriam destinados a Vós. O livro não é para Elas, as palavras.
É para todos, Nós. Entrelaçados.