O mercador de ilusões

As relações entre Eike Batista e o mundo político apresentam a faceta tristonha e gatuna do melancólico capitalismo brasileiro.

"Tudo ou nada: Eike Batista e a verdadeira história do Grupo X", de Malu Gaspar. (Record, 2014, 546 páginas)

“Tudo ou nada: Eike Batista e a verdadeira história do Grupo X”, de Malu Gaspar. (Record, 2014, 546 páginas)

Em março de 2011, quando Diogo Mainardi interrompeu a badalação ao homem mais rico do Brasil, inquirindo-o sobre a falta de produção de seus grupos, poucos esperavam o que estava por vir. A ascensão e queda de Eike Batista no mundo dos negócios não se reduz à tragédia de um empresário, com os riscos inerentes à atividade, mas apresentam dois lados que se comunicam: 1)a personalidade e suas vicissitudes, e 2)a atividade econômica no Brasil em seus meandros, num nível quase microscópico do cotidiano. O sucesso da narrativa de Malu Gaspar, em Tudo ou nada, livro que narra a bruta ascensão e queda do império de Eike, nasce da articulação desses dois elementos. Uma prosa ágil, envolvente, que vai despertando a curiosidade do leitor para cada novo lance da trama, sem cansar, no melhor estilo do livro-reportagem.

Oportunamente, Malu começa sua narrativa com a queda da TVX Gold, a primeira empresa “X” de Eike, da qual teve que se desfazer em 2001, praticamente expulso pelos credores. Os erros cometidos nessa época serão similares aos do comando no grupo EBX. Eike arquitetava projetos grandiosos sem a devida cautela e estudo necessário, captava dinheiro no mercado de capitais, como um vendedor nato de muito brilho; porém, na prática, os projetos se revelavam inviáveis. Um mercador de ilusões, como em certa altura do livro a própria escritora o define.

Disto decorre uma das características mais marcantes deste livro: com a sucessão de fatos, vai se apresentando um perfil do empresário em seus traços próprios. Por isto, Malu vai desde o primeiro empreendimento do jovem Eike, em busca de metais na “febre do ouro” no norte do país, às tribulações de sua vida amorosa. O que vemos é uma personalidade ambiciosa, orgulhosa, vaidosa, empreendedora. Sempre incomodado com a fama de “marido da Luma” ou “filho do Eliezer”, Eike queria ser grande, ser reconhecido como exemplo de sucesso a inspirar gerações. Eike queria a imortalidade dos heróis. E, para isto, estava disposto a jogar de maneira agressiva, colocando todas as fichas na mesa, all-in, tudo ou nada.

Compreendendo esta dimensão, fica mais fácil entender seu sucesso e fracasso. Um vendedor otimista, confiante, de ótima retórica e com o mais importante, brilho nos olhos, que sempre conseguia capitalizar suas empresas com planos megalômanos. Mas toda mania de grandeza sempre desaba como uma torre de babel. E as ilusões de imperecibilidade demonstram a fraqueza do homem. O toque de Midas não passava de vangloria.

Seus planos de grandeza eram correlatos ao projeto do “Brasil potência” dos petistas, durante o boom das commodities no segundo mandato do governo Lula. Crescimento, investimentos, pré-sal, Copa, Olimpíadas. O mundo seria nosso. O pequeno delírio do arrivista que separou do dinheiro o valor. De maneira deslumbrada, aprendemos a contar vantagem e dólar, mas não a resolver nossos problemas, sejam empresariais ou culturais. O fracasso de Eike e do grupo EBX não é só um fracasso pessoal ou corporativo, mas também a desilusão com uma megalomania nacional, condensada no primeiro governo Dilma. O país do futuro, que tinha resolvido seus impasses na mágica do presidente carismático, sem esforço profundo e reformador, era miragem.

E nisto, se combina a história de Eike com a nossa história. Após o fracasso com a TVX, através de contatos do pai, o empresário consegue contatos ainda no governo FHC, e investe no setor de termoelétrica no auge do apagão. Começa a aproximação entre Eike e o poder.

Após a vitória de Lula em 2002, Eike é procurado por emissários do partido para contribuir com uma quantia para saldar dívidas de campanhas. Como tudo no país depende da benesse do Estado, nenhum empresário vai querer se indispor com um presidente recém-eleito. Mas o empresário queria mais. Ele queria ser do “clube”, ser “empresário do PT”, como se dizia nos bastidores.

Eike começa a montar sua empresa de minérios, a MMX, e ao mesmo tempo vai se aproximando da esfera política. Mesmo sem bem estabelecer sua primeira empresa, começa a montar várias outras, com projetos de difícil execução, num país extremamente regulamentado, com dificuldades em infraestrutura e mão-de-obra qualificada. Nada parava o seu otimismo. Nem o do mercado. O Brasil surfava na onda do crescimento dos mercados emergentes, e era uma espécie de “bola da vez” dos investidores. No segundo governo Lula, suas empresas estavam extremamente capitalizadas, mesmo sem quase nada produzir, e Eike se tornara um dos homens mais ricos do mundo. Uma bolha e tanto.

Mas ainda faltava algo. Cada vez mais próximo de Sérgio Cabral, a quem empresta seu jatinho de maneira costumeira, o empresário queria chegar ao círculo de confiança do presidente, sendo um “campeão nacional” fomentado pelo BNDES. Relutante, Lula – de início – enxergava o empresário como um aventureiro.

Eike conseguira mais um dos seus objetivos. No auge da crise entre Lula e Roger Agnelli da Vale, surge o plano para ele ser majoritário da empresa. Eike seria o homem de confiança do PT dentro da Vale, tornando a empresa privada alinhada aos planos do governo. O insucesso do plano não abortou a aproximação entre o carioca e a cúpula do PT. Até quando foi possível, o governo tentou lhe salvar.

As relações entre o empresário e os políticos apresentam a faceta tristonha e gatuna do melancólico capitalismo brasileiro. O Estado concentrador das atividades econômicas, e extremamente regulador, torna os empreendedores de alto porte dependentes de favores e benesses. Estas características estruturais foram potencializadas pelo PT na formação de um imenso capitalismo de compadres, onde os empresários buscam no governo favorecimentos contínuos aos seus negócios, diluindo barreiras burocráticas e terceirizando os riscos. Esta figura não se encaixa perfeitamente em Eike, pelo arrojo e amor ao risco empreendedor. Mas, tampouco, a figura cultivada pelo carioca de “empresário diferenciado”, independente do governo, é verdade. Um artifício da imagem, um marketing pessoal.

Por personalidade ou pela estrutura econômica do país (temos um dos piores ambientes de negócio do mundo), Eike, na verdade, imprimiu uma faceta selvagem ao capitalismo de compadres da era petista. Uma irrupção de energia que condensa muitos de nossos problemas. E este é um dos grandes frutos da ótima história contada por Malu: discretamente transformá-lo num símbolo. Numa narrativa que consegue articular os fatos cotidianos às estruturas.

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  • André Martins

    Não acho que o Eike seja a pior característica do capitalismo brasileiro, o caso Enron foi mais ou menos similar e não aconteceu aqui. Acho muito pior e muito mais nosso a forma como opera indústria automotiva.