Mentiras não tiram a responsabilidade dos muçulmanos pelas más tradições de sua religião
Douglas Murray, The Spectator
tradução: Dayane Mota
O movimento do Ocidente em direção à verdade é marcadamente vagaroso. Nós nos puxamos em direção a ela de maneira dolorosa, centímetro por centímetro, depois de cada ataque terrorista islâmico sangrento.
Na França, Grã-Bretanha, Alemanha, EUA e em praticamente qualquer país no mundo, ainda é política dos governos dizer que todo e qualquer ataque em nome de Maomé “nada tem a ver com o islã”. Isso foi dito por George W. Bush após o 9/11, por Tony Blair após 7/7 e por Tony Abbott logo após o ataque a Sidney no último mês. É o que David Cameron disse após dois extremistas deceparem a cabeça de Drummer Lee Rigby em Londres, quando “Jihadi John” cortou a cabeça do trabalhador humanitário Alan Henning no “Estado Islâmico” e quando extremistas islâmicos atacaram um shopping queniano, separando cristãos de muçulmanos e atirando nos primeiros. Foi também o que o presidente François Hollande disse após o massacre de jornalistas e judeus em janeiro, na capital francesa. E é o que a maioria dos políticos irá dizer novamente após as recentes atrocidades em Paris.
Todos esses líderes estão errados. Em privado, todos eles e seus conselheiros frequentemente admitem que estão contando uma mentira. A explicação mais simpática é a de que estão contando uma “mentira nobre”, provocada pelo medo de que nós – público geral – somos potenciais linchadores prontos para dar o bote. “Nobre” ou não, essa mentira é um erro. Primeiro, porque o público em geral procura outras fontes de informação não oriundas de políticos e podem perfeitamente ler artigos e livros sobre o islã por conta própria. Segundo, porque a mentira não ajuda ninguém a entender a ameaça que está debaixo dos nossos narizes. Terceiro, porque a mentira não tira a responsabilidade dos muçulmanos pelas más tradições de sua própria religião. E por último, porque (a menos que políticos populares enderecem esses problemas aos verdadeiros causadores deles) a população irá, talvez, um dia, superar seus políticos em um âmbito preocupante.
Se os políticos estão tão preocupados com esse problema secundário da “repercussão”, então eles fariam bem em nos lembrar de não culpar nossos pacíficos compatriotas pelas ações jihadistas, e então lidarem com o problema principal – o islã radical – a fim de que nenhum problema reacionário, secundário, possa emergir.
Ainda hoje, nossa classe política dá combustível para a causa e o efeito nascente. Porque a verdade está aí para todos verem. Afirmar que pessoas que matam outras pessoas por blasfemar contra o islã enquanto gritam “Alá é maior” não tem “nada a ver com o islã” é pura insanidade. Obviamente, porque a violência dos islamistas tem a ver com o islã – certamente a pior versão do islã, no entanto, ainda islâmica.
Em janeiro uma fenda foi quebrada nesse emaranhado de desinformação quando Sajid Javid, o único membro do Gabinete Britânico nascido muçulmano (e uma das únicas esperanças do gabinete), falou sobre o assunto. Após os ataques ao Charlie Hebdo, ele disse à BBC: “A resposta preguiçosa seria dizer que isso não tem nada a ver com o islã ou com muçulmanos e ponto final. Isso seria não só uma resposta preguiçosa como errada.” Lamentavelmente, ele terminou com a mais preguiçosa das afirmações: “Essas pessoas estão usando o islã, estão usando uma religião pacífica como uma ferramenta para dar cabo às suas atividades.”
Chegamos exatamente ao centro do problema – o centro que gastamos a última década e meia tentando evitar: o islã não é uma religião pacífica. Nenhuma religião é, mas o islã especialmente não é. Não é também, como alguns dizem, somente uma religião de guerra. Existem muitos versículos pacíficos no Corão, os quais – para a nossa sorte – a maioria dos muçulmanos segue. Mas não é, em hipótese alguma, apenas uma religião de paz.
Digo isso não porque odeio o islã, ou porque tenho qualquer animosidade contra muçulmanos, mas simplesmente porque é a verdade verificável baseada nos textos. Até que aceitemos que nunca derrotaremos a violência, estaremos arriscando o encorajamento de populações inteiras contra o islã e abandonando todos os muçulmanos que estão tentando modernizar e reformar a sua fé. E – mais importante – estaremos assim desistindo de nossa tradição de livre expressão e de averiguação histórica e permitindo que uma religião tenha uma vantagem incrível no livre mercado das ideias.
Não é surpresa que políticos tenham tentado evitar esse debate manipulando as pessoas com mentiras. O mundo seria, definitivamente, um lugar mais seguro se o Maomé histórico tivesse agido mais como Buda ou Jesus. Mas ele não agiu, e cada vez mais pessoas estão aprendendo isso por elas mesmas recentemente. Mas a luz da crítica moderna que começou a cair sobre o islã é um processo que já está se provando inacreditavelmente doloroso.
As “guerras de cartuns” – que começaram quando o jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou uma série de cartoons em 2005 – são parte disso. Mas como Flemming Rose (o homem que encomendou aqueles cartuns) disse quando me sentei com ele esse ano, ainda existe uma profunda ignorância no Ocidente sobre o que pessoas como os assassinos do Charlie Hebdo desejam alcançar. E nós continuamos nos esquivando disso. Como mencionado por Rose: “Eu queria que tivéssemos resolvido isso nove anos trás”.
Podemos todos concordar que a história da cristandade não se desenrolou sem sangue. Mas será que não vale a pena perguntar se essa história teria sido mais ou menos sanguinolenta se, ao invés de ter dito a seus seguidores para darem a outra face, Jesus tivesse conclamado (pelo menos uma vez) seus discípulos a “matar” descrentes e arrancar suas cabeças?
Esse é um problema com o islã – um que os muçulmanos terão que resolver. Eles poderiam fazê-lo através de um processo que os force a tomar menos literalmente seu texto fundacional, ou por um processo intelectualmente aceitável de seleção de versos. Ou clérigos proeminentes poderiam se unir e declarar os extremistas como não muçulmanos. Mas não há muita esperança disso acontecer. Mês passado, a Universidade al-Azhar, no Cairo, declarou que, embora membros do ISIS sejam terroristas, eles não podem ser descritos como hereges.
Passamos 15 anos fingindo sobre a realidade do islã, uma religião complexa com interpretações concorrentes. É verdade que a maioria dos muçulmanos vive suas vidas em paz. Mas uma considerável parte (cerca de 15 por cento, e mais de acordo com a maioria das pesquisas) segue uma versão bem mais radical. O restante está em uma religião que é, em muitas de suas formas atuais, um elemento profundamente instável. Sempre houve um problema para os muçulmanos reformistas. Mas os resultados de uma contínua migração em massa para o Ocidente paralela a um retorno ao literalismo islâmico significa que o problema agora é de todos nós. Para que sequer tenhamos uma chance de lidar apropriadamente com ele, teremos que despertar e reconhecê-lo pelo que é.
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