Frente a um inimigo que declarou guerra à civilização, o presidente americano parece se perguntar o que faria um Nobel da paz.
Bernard-Henri Lévy, 23 de novembro
tradução: Daniel Lopes
“Estamos em guerra”, declarou François Hollande diante do Congresso.
“Estamos em guerra”, martelou Manuels Valls, seu primeiro-ministro, em todos os tons possíveis.
Mas atenção!
Estamos, eles disseram bem, duplamente em guerra, contra um só e mesmo inimigo, mas que se divide em dois.
Há a frente interna, que perpassa os terraços de cafés, estádios de futebol e salões de eventos parisienses – bem como os esconderijos de Saint-Denis ou de Molenbeek, na Bélgica, onde estão os combatentes infiltrados.
Mas há também a frente externa, que é a principal, e que passa por Raqqa, Mosul e outras cidades iraquianas e sírias onde esses bárbaros conseguem armas, pegam mapas de orientação e aprendem, nos campos de treinamento que deixamos prosperar, a arte dessa nova e atroz guerra contra os civis.
Dizer que a segunda frente é a mais decisivo não quer dizer que bastará varrer o Estado Islâmico para que desapareçam por mágica todas as células mais ou menos adormecidas que estão em campo, prontas para atacar, nas grandes cidades da França e da Europa.
Significa dizer que, sem qualquer dúvida, a origem, os recursos e os centros de comando estando lá, se privariam essas células, ao atacar sua cabeça, de boa parte de seu poder. Como combater os efeitos sem atacar as causas? As sucursais sem tocar na matriz? Cura-se um câncer ao atentar apenas para as metástases e deixando proliferar o tumor primário? Como não ver, em uma palavra, que a paz em Paris passa pela guerra em Mosul? Ou, mais exatamente, que essa guerra contra o ISIS não se pode ganhar nas ruas da Paris martirizada por um inimigo invisível, imprevisível, pronto a recomeçar, mas sim nas planícies iraquianas e sírias, onde ele é ao mesmo tempo visível, fácil de atingir e vulnerável?
A esse raciocínio do bom senso se opõem atualmente três forças de intensidade diferente.
Em primeiro lugar, o muniquismo daqueles que, invertendo a ordem dos fatores, saem por aí repetindo, inclusive para suas colunas, que é porque miramos nos islamistas que os islamistas miram em nós. Argumento estúpido e pestilento, o mesmo, guardadas as devidas proporções, dos pacifistas dos anos 30 que alinhavam sua reflexão à retórica dos assassinos e dos comunicados infames.
Em seguida, o velho argumento que já nos serviram vinte anos atrás, a propósito do exército sérvio, tido como o terceiro do mundo, e que agora consiste em entristecer falando sobre a armada potente e quase invencível que tomou de conta do Iraque e da Síria e que poderia nos atrair para um novo e inevitável lamaçal. Se isso fosse verdade, como é que os curdos, que são os únicos a lhe fazer frente, ganharam todas as batalhas em que se engajaram? Como explicar que em Kirkuk, e mais recentemente no Sinjar, os arrancadores de cabeça desistiram quase sem lutar diante da determinação e da valentia dos pobremente armados peshmergas? E, ademais, onde estão essas famosas “provisões de tanques e artilharia” que os loucos de deus teriam conquistado após a derrota do exército iraquiano e que tornariam arriscada qualquer intervenção que vá um pouco além de apenas ataques aéreos? Por que não as vimos em ação nem em Kobane nem, semana passada, na batalha que libertou a capital dos iazidis? Por que elas nunca investiram contra os fortes dos peshmergas, e por que o ISIS, de posse desse armamento fabuloso, ainda utiliza os mesmos carros-bomba?
A verdade é que os arsenais foram destruídos, reduzidos ao silêncio ou paralisados pelo poder aéreo da coalisão, e que o ISIS não passa hoje de um tigre de papel.
E depois há, em terceiro lugar, a reticência de um Barack Obama cada vez mais visivelmente corroído por aquilo que é tentador chamar de Síndrome de Oslo. Esse famoso prêmio Nobel da paz que lhe foi discernido no início do seu mandato e que faz com que – a exemplo do Victor Hugo que se via como o Victor Hugo ou o atendente de café sartreano que agia como se fosse a estrela do café –, o presidente da primeira potência mundial, o homem sem o qual nada será possível, e cuja determinação é pelo menos tão importante quanto a do presidente Hollande, parece se perguntar a cada manhã, ao fazer a barba, como é que deve agir um prêmio Nobel da paz…
Será que o presidente dos Estados Unidos se dará conta de que, frente a um inimigo que declarou guerra à civilização, o tempo do narcisismo ficou para trás?
Compreenderá ele o quão desastroso será uma nova perna se juntando ao corpo de um Estado nazi a que se permitiu criar raízes no território que escolheu, enquanto ainda é possível, se assim se decidir, erradicá-lo?
Escutará ele o pedido de socorro que lhe lança sua aliada de sempre, uma França em luto, e sentirá que seu país, como em 1917 e em 1944, tem pela terceira vez um encontro marcado com a Europa?
E, afinal, o que aconteceu como o jovem Barack Obama com quem me encontrei em 2003, em Boston, e que magnanimamente me explicou o que distinguia o absurdo da guerra do Iraque de uma guerra politicamente justa, moralmente justificável, cujo princípio seria, não somar mal ao mal, mas lhe remover?
Atualmente não existem perguntas mais essenciais, nem mais assustadoras.
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