Para Giambiagi, o Brasil padece de um “analfabetismo financeiro”, exemplificado no entendimento confuso acerca de eventos cotidianos e universais
Capitalismo: modo de usar segue uma interessante e necessária tendência que vem crescendo no Brasil nos últimos tempos: a da abordagem de “temas-tabu” que, até pouco tempo atrás, eram negligenciados pelo mercado editorial e pelo âmbito acadêmico brasileiros, como o capitalismo, o liberalismo, o conservadorismo, a crítica à predominância das ideias de esquerda, entre outros.
Apesar da bagagem acadêmica e da experiência profissional, o autor se dedicou a produzir uma obra de leitura simples e agradável, ainda que com rigorosas referências intelectuais e quantitativas. O livro é composto de textos curtos, temáticos e muito variados, que se baseiam em notícias recentes, fatos históricos, dados científicos, impressões e experiências pessoais do autor, sem descuidar da erudição e dos fundamentos teóricos. O autor recorre a citações muito adequadas de autores como Tocqueville, Adam Smith, Ortega y Gasset, Winston Churchill, Roberto Campos, Delfim Netto, Millôr Fernandes, Ayn Rand, Thomas Sowell e outros.
Uma das linhas mestras da narrativa é a análise comparativa entre aspectos dos governos FHC, Lula e Dilma. Conforme Giambiagi, os governos do PT restabeleceram uma orientação tutelar do Estado, que FHC, de perfil estabilizador e reformador, pretendia superar, ao mesmo tempo em que se aproveitaram da estabilidade macroeconômica e do fomento ao consumo, alimentando a ideia de que a vida das pessoas estava melhorando devido à existência de um “líder” e de um “partido” que as representava, bem como incentivaram a cultura de que o progresso individual seria resultado direito das concessões oficiais.
Além disso, Giambiagi recorre a comparações do Brasil com outros países e também destes entre si, como nos casos das reações dos EUA e da Alemanha à crise de 2008, em contraste com nações como Portugal, Espanha e Grécia. Dessa maneira, demonstra que não trata em sua obra de um capitalismo idealizado ou de um liberalismo ainda a ser conquistado, mas de exemplos concretos e ações pragmáticas de governos que, apesar de intervencionistas em certo sentido, reconhecem a importância do mercado e da previsibilidade das regras como elementos fundamentais da prosperidade.
Dentre as diversas listas a que recorre, no teor didático de seu livro, o autor expõe elementos que influenciam o fato de, historicamente, alguns países terem crescido mais que outros, como: instituições sólidas, esforço de poupança, infraestrutura adequada, boa educação, gasto público controlado e eficiente, previsibilidade macroeconômica e estabilidade de regras, competição, e, por fim, produtividade, como resultado dos demais.
Giambiagi ressalta que no Brasil existe uma falta de entendimento das regras do “sistema” capitalista, o que talvez seja o motivo de se fazerem reiteradas e extremadas críticas a ele, suscitando confusões em relação, por exemplo, ao processo de privatizações, ao funcionamento do mercado financeiro e do crédito. Em resumo, para o autor, o país padece de um “analfabetismo financeiro”, exemplificado também a partir de um entendimento confuso acerca de eventos cotidianos e universais, como a aposentadoria e as compras a prazo, de forma que, para o autor, uma boa “educação financeira” seria uma das bases para o desenvolvimento da cidadania no Brasil.
Outro ponto central destacado na obra é que o crescimento da economia brasileira, notadamente a partir da década de 1930, se deu através de um modelo fechado, com muita participação do Estado, educação de baixa qualidade e pouca preocupação com eficiência, produtividade e competitividade.
Da mesma forma, é de longa data o preconceito brasileiro contra o capitalismo, alardeado nos meios intelectuais, universitários, políticos, econômicos, jornalísticos, ou seja, entre os formadores da opinião pública, de modo que tal entendimento distorcido acerca da economia de mercado vai sendo reproduzido ao longo das gerações, e com ares de “senso crítico”, no qual “mais vale a opinião do que a demonstração”. O autor ironiza partidos de extrema-esquerda como PSOL, PSTU e PCdoB, e suas associações absurdas de capitalismo e de “neoliberalismo” com nazismo, racismo, violência e delinqüência, numa tentativa de bloquear o debate com aqueles que não seguem a agenda “progressista”.
Giambiagi também tece críticas à legislação trabalhista brasileira, grande entrave à produtividade, que faz com que exista um excesso de pessoas empregadas para fazer uma função dispensável, como, por exemplo, frentistas e cobradores de ônibus, segundo o autor, quase inexistentes em países desenvolvidos.
Ainda, para o autor, o “subdesenvolvimento não se improvisa: ele é uma obra de décadas”. Esta afirmação constitui uma sagaz provocação à “teoria da dependência” como interpretação do atraso econômico brasileiro e ao subseqüente “desenvolvimentismo” como política econômica, mostrando que o subdesenvolvimento é mais conseqüência das escolhas e da condução política, bem como da mentalidade de empregados e empresários, do que causa dos problemas econômicos e sociais.
O “efeito catraca” de regras, trabalhistas principalmente, é uma das características negativas de nosso “capitalismo”, de forma que aumenta os custos e riscos por parte dos empregadores, dificultando a contratação de jovens e o acesso ao mercado de trabalho, de maneira geral. Entretanto, por razões ideológicas, qualquer questionamento sobre leis trabalhistas acaba sendo rotulado como sendo “contra os direitos sociais”. Este conjunto de fatores faz com que, para não desagradar o eleitorado e a opinião pública, economia e política caminhem divorciadas.
Novamente referindo aos governos petistas, Giambiagi coloca que no governo Lula houve um “hibridismo” entre um verniz nacionalista e uma certa ortodoxia econômica nos primeiros anos. No governo Dilma, porém, ocorreu uma “experimentação desenvolvimentista”, de forte cunho keynesiano e com “uma ojeriza histórica à ortodoxia”, que lembra “o desenvolvimentismo a qualquer custo de épocas anteriores”, com efeitos como a “proteção à ineficiência, deterioração fiscal e descaso pela inflação”.
Citando Marcos Mendes, autor do livro Por que o Brasil cresce pouco?, Giambiagi elucida que no país existe um “forte estímulo ao comportamento rent-seeking”, em que cada grupo tenta conseguir o máximo de benefícios, enquanto tenta empurrar o custo das políticas públicas para os outros. Em resposta a isso, o setor público acaba por tentar atender a todos em suas reivindicações de privilégios, de forma que numa sociedade sem “apreço pelo capitalismo”, todos tendem a buscar abrigo no Estado.
Caminhando para o final da obra, Giambiagi tece algumas críticas a Getúlio Vargas, “o inventor do Brasil”, “criador de algumas das piores características do capitalismo à brasileira”, como o paternalismo, a ideia de “pai dos pobres”, o descaso com a produtividade e com a educação.
O autor coloca explicitamente que “a tese central desse livro é que, para o Brasil experimentar um ciclo duradouro de progresso, é necessário promover uma mudança de mentalidade”. Reiterando ao longo de toda a obra que a prosperidade e o crescimento dependem da produtividade (palavra-chave do livro), e não da “vontade política” dos governantes, ele nos fornece uma análise ao mesmo tempo simples e sofisticada sobre os problemas econômicos brasileiros, destacando os acontecimentos da atualidade, mas sem deixar de ter atenção ao processo histórico e ao contexto mundial. Com um estilo de escrita que lembra muito o de Roberto Campos, Giambiagi demonstra ser um excelente frasista, com grande capacidade de síntese e percepção do cotidiano, sem perder a erudição e o senso lógico.
Enfim, Capitalismo: modo de usar não se propõe a ser um “manual” de como resolver os problemas econômicos do Brasil, mas, justamente ao contrário disso, procura trazer uma reflexão sobre comportamentos e concepções naturalizadas entre nós, que contribuem em grande medida para a manutenção de nossos males.
Caio Vioto
Mestre e Doutorando em História pela UNESP.
[email protected]