Sobre a incrível capacidade das elites em ignorar processos sociais que acabam por solapá-la.
Diz-se que com a evolução da ciência moderna e a partir da obra de Kant, o espaço reservado para a Filosofia passou a ser o exercício da resposta a duas perguntas: “O que é o homem?” e “Como conhecemos o que conhecemos?” São duas perguntas que não podem ser simplesmente respondidas pelos métodos da ciência, nem mesmo pelo dedutivo hipotético que marca as Ciências Humanas. Aliás, Foucault, em As palavras e as coisas, desafia mesmo a ideia de que o que temos hoje sejam “Ciências Humanas”. Para ele, a Psicologia, as Ciências Sociais e a Linguística não passariam de mimesis das ciências naturais, capazes de abarcar apenas uma pequena parte do que é ser humano, conflituosas entre si e inaptas a dar uma resposta abrangente à pergunta sobre o que somos.
O parágrafo acima prova que SEO (Search Engine Optimization) não é mesmo nosso forte. Provavelmente plugins como o Yoast rejeitariam este texto logo de cara. Entretanto, ele cumpre sua função, que é apresentar este ensaio como um exercício de Filosofia amadora. A Filosofia profissional é praticada nos departamentos de Filosofia, segue as regras da ABNT, tem um ritmo de produção científica que permite atualizações periódicas do Lattes, e trata de temas de interesse público, como a Fenomenologia da Salsicha. Já a Filosofia amadora é feita por gente sem fino trato – como Sócrates, que nunca publicou nada e jamais receberia bolsa produtividade do CNPq – mas que têm o péssimo hábito de observar o abismo em que se encontra nossa miserável condição humana.
E qual o objetivo deste exercício? Basicamente, refletir sobre a incrível capacidade das elites em ignorar processos sociais que acabam por solapá-la. Nassim Taleb acredita que a principal característica do Cisne Negro, isto é, de grandes catástrofes que nos pegam desprevenidos, é justamente o fato de que não podem ser previstas. Contudo, uma reconstituição da cena do crime sempre mostra que o desastre manda recados de que está chegando. Uma prova são aqueles que ganham dinheiro apostando no desastre. Mas a exceção não confirma a regra: quem assistiu A Grande Aposta, ou leu A Jogada do Século, entendeu que os vencedores da última grande crise bancária eram essencialmente outsiders. A elite de Wall Street não só ignorou os sinais, como mergulhou com gosto na lama.
Em 9 de novembro de 1889, a Família Real e toda a corte do Rio de Janeiro fez uma recepção faustosa aos marinheiros do navio chileno Almirante Cochrane. Seis dias depois a monarquia cairia com um sopro: um marechal de pijamas (Deodoro da Fonseca), apoiado por um professor de matemática da Academia Militar (Benjamin Constant) e militares conspiradores, fariam um pronunciamiento e instalariam a República sem muito esforço. O Baile da Ilha Fiscal ficaria para sempre na História como um exemplo de como um regime político inteiro consegue ignorar que está prestes a cair.
Quer mais um exemplo? No dia 30 de maio de 2013, no final do mês anterior ao fatídico junho de 2013 que mudou para sempre o rumo da política brasileira, a coluna da jornalista Vera Magalhães na Folha de São Paulo mostrava que a preocupação de Dilma era evitar um segundo turno em 2014, mesmo que as perspectivas eram de que ela facilmente venceria a disputa contra o PSDB. Todos sabemos que em 2014 Dilma teve na verdade que jogar pesado para garantir que fosse ao segundo turno, o qual venceu com uma margem apertada, e o preço do estelionato eleitoral foi pago em agosto deste ano com o impeachment. Mas ali, às vésperas das manifestações de junho de 2013, a questão estava em ter ou não segundo turno.
Mais um exemplo? Em 1929, A Grande Crise, John Kenneth Galbraith menciona que no verão anterior ao Crash da Bolsa de Nova York, ocorrido em outubro daquele ano, todos os mercados de ações dos Estados Unidos estavam superaquecidos e em alta, e analistas insistia que este ciclo era sustentável, afastando o risco de quebra. Mesmo a Harvard Economic Society, considerada mais conservadora que a média, afastava o risco de depressão econômica. E o objetivo da Harvard Economic Society era justamente orientar os empresários e investidores quanto ao futuro do mercado (!). Se nem Harvard consegue se livrar do que podemos chamar “Eterno Baile Fiscal”, estamos perdidos.
O Eterno Baile Fiscal
Chamo de Eterno Baile Fiscal a capacidade das elites – econômicas, políticas, culturais e intelectuais – de se autoenganarem e se iludirem quanto a avaliação de cenários, projetando perspectivas mais favoráveis a si mesmos e ignorando fatores de riscos que estão longe de onde estão sentados. Basicamente, isto significa que os melhores cidadãos de uma sociedade são recorrentemente incapazes de perceber um tsunami histórico quando ele chega.
Não estou pedindo que os sábios de Bizâncio consigam identificar o risco Maomé quando ele ainda era um profeta esmoler em Meca. Estou falando da incapacidade de avaliar corretamente o risco Mehmet, o imperador otomano que invadiu Constantinopla. Prever que um menino nascido em uma gruta anônima em Belém possa sacudir as bases do Império Romano é coisa de gente paranoica como Herodes. Ignorar a possibilidade de Donald Trump ser eleito presidente dos Estados Unidos, por outro lado, é estupidez.
Mais de dez anos trabalhando com gestão de riscos me mostrou que pessoas em posição de tomada de decisão tem aversão a qualquer informação que possa expor sua fragilidade. Por isso, a tendência é superestimar os fatores positivos e subestimar os negativos, até que a crise chega e acaba com todas as ilusões. Por isso, quando ler a história que uma grande corporação conta de si mesma, desconfie de narrativas bonitinhas como “em plena crise, investimos alguns bilhões em uma fábrica supermoderna, mostrando que acreditamos no país”. A história oculta geralmente é “demitimos todos os executivos que tomaram essa decisão, porque ela nos causou um prejuízo bilionário no curto prazo”.
Se o principal tomador de decisão está iludido, a lógica do “proteja seu emprego” favorecerá aqueles que alimentarem a ilusão. Cassandra, a profetisa da desgraça de Troia, jamais teria espaço no board de uma corporação. Dados, estudos e estatísticas serão produzidos para demonstrar que a ilusão é verdade e a verdade ilusão. Veja as projeções econômicas de Guido Mantega, todas elas fora da realidade. Veja o New York Times prevendo a vitória de Hillary na noite da eleição. Veja o destino de quem apostou em Eike Batista.
Mas mesmo que exista boa fé do analista, alguns fatores contribuem para alimentar o erro. Um deles é que olhamos para o futuro com as referências do passado. E, como diz Nassim Taleb, um Cisne Negro surpreende exatamente porque nunca aconteceu antes, logo as métricas do passado não estão preparadas para identificá-los. Em momentos de estabilidade, a maioria dos modelos estatísticos e econométricos funcionam. Em momentos de mudança, faltam a eles exatamente os fatores da mudança, que são novos a cada etapa.
Em 1978, Celso Furtado escrevia em Criatividade e Dependência na Civilização Industrial que a era das inovações tecnológicas estava encerrada, uma vez que todo o processo estava sob controle das grandes corporações multinacionais, e isso poderia matar a criatividade. Contudo, em abril de 1977 uma empresa instalada em uma garagem em Montain View, ao sul de Palo Alto, apresentava o primeiro computador pessoal produzido em série, o Apple II. Não era apenas um computador, a Apple era um novo modelo de empresa, que combinava empreendedorismo com propósito e tecnologia, e que décadas depois seria batizado como startup. Graças às startups, vivemos um novo boom tecnológico, justamente o que Furtado dizia que não ia voltar a acontecer. Ele estava certo sobre a evolução do capitalismo até aquele momento, mas ao olhar para o futuro seu método não lhe permitia ver Steve Jobs.
Este exemplo mostra outro fator que leva a elite a ignorar as mudanças: elas acontecem longe dos gabinetes. Se Celso Furtado não olhou para a Califórnia, Dilma em 2013 não prestou atenção direito no que acontecia com a heroica classe C na periferia, e os apoiadores de Hillary Clinton não olharam para Detroit, que de pólo automotivo global tornou-se uma cidade falida. A esquerda partidária brasileira até agora tenta anotar a placa do caminhão que a atropelou nas eleições de 2016. Paga o preço de se isolar no gabinete – ou no atelier, que tem uma pegada mais hipster – e não entender o que se passa com a parcela mais pobre – e mais numerosa – da sociedade.
E o que acontece agora
Estamos em pleno processo de transição sócio-econômica. Uma longa transição, diga-se. Devemos este processo ao surgimento do computador, e suas contínuas implicações no nosso cotidiano, que estão longe de acabar. De acordo com a OCDE, a produtividade dos países do G7, medida em PIB por hora trabalhada ao preço de 2010, subiu de US$ 23,3 em 1971 para US$ 55 em 2015. O maior salto se deu entre 1995 e 2008, período da chamada Grande Moderação, quando a produtividade saltou de US$ 41 para US$ 51,8.
Este dado significa que a riqueza produzida por uma hora de trabalho nos países desenvolvidos dobrou nos últimos 45 anos. Não é pouca coisa, ainda mais se considerarmos que esses são valores reais, e não nominais. Um crescimento deste só é possível com tecnologia, que assegure tanto ganhos de escala sobre a hora trabalhada quanto a oferta de produtos de maior valor agregado, como iPhones.
Para se ter uma ideia da nossa situação, cálculos do Conference Board estimam que a produtividade média do trabalhador brasileiro é de 24,9% da americana, ou seja, são necessários quatro brasileiros para produzir a mesma riqueza que um americano. A produtividade de um trabalhador norte-americano era de US$ 62 por hora trabalhada em 2015, segundo a OCDE. Isso significa que a do trabalhador brasileiro era de US$ 15,5. Em 1980, nossa produtividade equivalia a 39% da americana, que era US$ 36,1. Ou seja, US$ 14. Em 35 anos, um trabalhador brasileiro produz a mesma riqueza por hora trabalhada que nos estertores do governo militar.
Isso é uma média. Sabemos que negócios com mais tecnologia embarcada apresentam produtividade superior. Para uma geração de trabalhadores formada na economia industrial fordista, ou seja, quem entrou no mercado de trabalho até os anos 1980, isso significa estar fora desta geração de riqueza. Enquanto setores como serviços, mercado financeiro e alta tecnologia cresceram absurdamente neste período, a indústria tradicional se tornou mais automatizada, menos intensiva em mão de obra e apresenta margens cada vez menores. Por exemplo, um estudo realizado pela Strategy&, consultoria controlada pela PwC, apontou que para 47% dos CEOs da indústria química no mundo seu negócio está mais ameaçado hoje que há três anos atrás. O mesmo vale para outros setores da indústria de base.
A face visível deste processo de transformação é a transferência de empregos industriais e de baixa qualificação dos países desenvolvidos para os emergentes. Dos EUA e Europa para o Leste Europeu, América Latina e Ásia, do ABC para o Nordeste. Mas mesmo esses empregos estão em risco. O taxista perde espaço para o Uber, mas carros sem motorista tirarão o emprego de ambos. O metalúrgico de Ohio viu sua fábrica ir para o México, mas o mexicano se viu substituído por um robô colaborativo, capaz de interagir com um ser humano. E o call center de Omaha, transferido para Mumbai, está ameaçado pelo Watson, o learning machine da IBM.
Quanto mais a tecnologia substitui o trabalho de baixa qualificação, maior a pressão educacional sobre o trabalhador para que possa acessar trabalhos de alta qualificação. Para quem passou a vida em um regime de trabalho fordista, trata-se de uma ruptura total. Ele não se adaptará. Ou a sociedade cuida dele, protege sua dignidade, ou a pressão social será imensa. Este trabalhador do interior, não adaptado ao mundo da tecnologia, é o eleitor que fez a diferença para Trump, que aprovou o Brexit, que derrotou Haddad na periferia de São Paulo.
Um benchmarking: o surgimento da economia de livre mercado
Quem já leu O Capital, de Karl Marx, se surpreende com uma desigualdade fundamental da obra. Enquanto trechos que tratam de temas mais filosóficos, como o fetichismo da mercadoria e o conceito de mais valia, são áridos como qualquer tratado de Filosofia alemão, a descrição das condições de trabalho na Inglaterra é vívida e chega a comover. Tanto que Edmund Wilson, em Rumo à Estação Finlândia, diz que o estilo de texto de Marx é o de um rabino judeu, com foco mais em convencer o leitor que em conceber um texto lógico coerente.
O trabalhador em condições degradantes descrito por Marx é o resultado do que outro Karl, o Polanyi, chamou de luta civilizacional para impor aos pobres o trabalho assalariado industrial. Este processo é ricamente descrito por ele em A Grande Transformação. O que farei aqui é um resumo grosseiro.
A Inglaterra de Elisabeth I havia construído uma rede de proteção social por todos os condados do interior da Grã Bretanha para dar assistência aos camponeses que perderam suas terras por conta do processo de cercamento. À época, os grandes proprietários de terra ingleses estavam cercando suas propriedades e expulsando camponeses que durante toda a Idade Média produziam na terra sob o regime de corveia, ou seja, dividiam sua produção com o proprietário. A partir do cercamento, esses camponeses tinham duas opções: viver na miséria nas cidades ou trabalhar para o proprietário em troca de um salário igualmente miserável. A rede de assistência elisabetana foi criada para que os camponeses que afluíam às cidades não morressem de fome.
Contudo, por volta de meados do século XVIII, uma onda de crítica moral se abateu sobre as políticas de proteção aos pobres. Para clérigos puritanos e políticos liberais, essas políticas estavam afastando os pobres do trabalho digno e fazendo proliferar os vícios, como bebedeira e prostituição. Por trás desta crítica havia uma racionalidade econômica: a indústria nascente estava expandindo, e precisava de trabalhadores. Contudo, protegidos por uma renda garantida pelo condado, os pobres recusavam-se a trabalhar ou exigiam salários tão altos que sufocavam as margens da indústria.
Foi promovido então, naquele momento, um desmonte da rede de proteção criada dois séculos antes. Autores como Malthus e Jeremy Bentham apresentaram o suporte ideológico deste processo de desmonte, levado a cabo por políticos whigs (posteriormente conhecidos como liberais). Sem as políticas assistenciais, os pobres ingleses não tiveram outra opção a não ser submeter-se às condições de trabalho da indústria. São esses miseráveis que Marx descreve em sua obra.
Polanyi compara os indicadores de mortalidade entre os pobres ingleses na virada do século XVIII para o XIX com os da guerra dos boeres na África do Sul, e o resultado é surpreendentemente semelhante. Com base nesta comparação, ele conclui que a formação do mercado de trabalho assalariado na Inglaterra se deu a partir de uma guerra civilizacional travada pela elite inglesa contra seu próprio povo.
Agora, o que Polanyi constata é que no tempo de Marx, por volta de 1850, a situação já estava diferente. Uma vez submetido o pobre ao regime de trabalho assalariado, o crescimento da produtividade industrial levou a melhorias contínuas nas condições de vida dos trabalhadores. Na segunda metade do século XIX, os indicadores sociais na Inglaterra eram superiores ao período da vigência das políticas assistenciais. Os trabalhadores estavam melhores que antes, mas essa melhoria foi obtida ao custo de submeter ao sofrimento pelo menos uma geração.
No restante da Europa e nos Estados Unidos, a dor não teria sido tão intensa, porque esses países não teriam passado pela etapa do cercamento. Na Europa continental os pobres saíram do regime de servidão medieval diretamente para o trabalho assalariado, logo a mudança imediata já era para melhor. Isso porque, para Polanyi, a expansão do capitalismo nestes países não se deu como uma evolução do Antigo Regime, como na Inglaterra, mas em oposição às instituições medievais e feudais. Gramsci, em Americanismo e Fordismo, ainda via resquícios de instituições feudais na Europa dos anos 1930 que travavam o desenvolvimento capitalista.
Nos Estados Unidos, o crescimento da mão de obra imigrante e o modelo fordista também fizeram com que a criação do mercado de trabalho assalariado fosse menos traumática. Para Gramsci, o modelo fordista era uma etapa superior do capitalismo industrial, que permitia uma nova expansão de forças produtivas por meio de uma nova disciplina do trabalho automático e repetitivo. De fato, os 30 Gloriosos, ou seja, o período de 30 anos de expansão econômica ininterrupta pós Segunda Guerra Mundial, foram beneficiados pelos ganhos de escala da linha de produção de Ford.
Insights da Grande Transformação
Não estamos vivendo uma transformação institucional tão radical quanto foi a criação do mercado de trabalho assalariado durante a Revolução Industrial, mas estamos vivendo uma transformação sócio-econômica de grandes proporções. A tecnologia está tornando o trabalho automático repetitivo desnecessário, mesmo na China, e a riqueza está se deslocando para negócios que demandam trabalhadores do conhecimento.
No entanto, a elite ainda opera com modelos da economia tradicional. Não é só a Dilma e seu rompante de tentar reviver Geisel na Nova Matriz Econômica – e que fez dela um novo Figueredo acuado pelas massas. Quando se fala nos gargalos à produtividade brasileira, a elite econômica aponta ainda a carga tributária e as deficiências em infraestrutura. Sim, são importantes, mas o crucial para o momento de transformação que vivemos é Educação, rede de dados e desburocratização. É importante construir estradas para escoar a soja do Mato Grosso, mas é mais crucial levar fibra ótica ao Mato Grosso para ser possível operar um trator via internet.
Neste processo, há duas dores no mundo que precisam ser olhadas e tratadas. Uma é a dor dos mais jovens. Graças à internet, a geração que chega hoje aos 18 anos conseguiu se salvar da educação ruim que os burocratas do MEC lhe ofereceram – mas o preço disso é uma geração que está agora procurando o canal do Shakespeare no YouTube, para ver se ele é melhor que a Kéfera. As ocupações de escola mostram uma geração que quer ser ouvida, mas que ainda não entendeu seu lugar no mundo. É uma geração mais conectada e cosmopolita – e globalmente isso pode significar vontade de aderir ao Estado Islâmico. É esta geração que vai operar a economia de alta tecnologia que está se construindo – e o diálogo com ela é inexistente. Exceto pela esquerda identitária.
A outra dor é da geração que representa o passado. Os trabalhadores mais velhos, que estão fora da economia do conhecimento, e que viram seus empregos sumirem. Trump, Le Pen e Boris Johnson dizem a eles que a culpa de estarem à margem neste momento é dos imigrantes – e do ponto de vista deles faz sentido. Bolsonaro diz que a culpa é do Bolsa Família que forma vagabundos – e do ponto de vista deles também faz sentido. A esquerda que o tratava via sindicato os abandonou, e está de braços dados com o capital financeiro – veja a relação do Lula com a Odebrecht, Hillary Clinton e Wall Street, ou mesmo Evo Morales e a ascendente burguesia quéchua.
Mas o que explica que um processo de décadas esteja explodindo só agora? Basicamente, os deserdados da nova economia foram inebriados em uma avalanche de dinheiro. Na Europa, foi o seguro social do welfare state que cobriu as perdas da globalização financeira e tecnológica. Nos Estados Unidos, foi a expansão do crédito imobiliário subprime. No Brasil, a combinação de políticas de transferência de renda e crédito subsidiado, como o consignado e o Minha Casa Minha Vida. Todas essas iniciativas mitigaram por um tempo o empobrecimento dos trabalhadores. Todas elas levaram a economia ao colapso, e o colapso despejou os pobres na miséria.
A guerra que está por vir, a disputa ideológica que se travada a partir de 2017, será dentro das casas, e separará pais e filhos. Os pais estarão do lado perdedor, e tenderão a se apegar cada vez mais aos representantes do conservadorismo popular. Os filhos estarão mais propensos a aderir aos discursos identitários, populistas e radicais. Moderados de esquerda e direita terão que lidar com isso, ou então ficarão presos ao Eterno Baile Fiscal.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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