"Potência poética" é aquilo que sobra depois de você se certificar que a obra está alinhada com a sua forma de pensar.
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Jochen Volz (foto: Werther Santana/Estadão)
Jochen Volz, curador da Bienal de São Paulo, deu uma entrevista na Folha de hoje dizendo que “a beleza não merece ser usada como categoria”. Para ele, o importante é a “potência poética” das obras que “propõem algo para pensar”.
O problema não é apenas o curador da maior exposição do país ter uma opinião tão grosseira sobre o conceito de beleza. Problema muito mais sério é o público ler isso no jornal e ficar satisfeito com a resposta de Volz.
Não falo do grande público, que nem deve se ligar nesses detalhes de teoria, mas sim do público cativo das exposições de arte, e sobretudo de exposições que gostam de estampar o “pensamento” e a “crítica” como seus principais objetivos.
Que a beleza já não seja buscada pelos artistas e curadores da arte “mais avançada” é uma coisa. Que a beleza deva ser tratada em termos de “merecimento”, como se ela dependesse dos artistas e curadores para ter valor, é apenas uma fala cheia de pretensão.
A literatura sobre o conceito de “potência poética”, ou sobre a ideia vaga de que as obras devam “dar o que pensar”, não pode ser comparada, em consistência, com as teorias do belo na estética filosófica. E não estou falando de pensadores do século XIX. Basta sair do óbvio (“pensar”, como dizem) e procurar por obras como as de Roger Scruton, Denis Dutton ou Nick P Zangwill.
Já um conceito como o de “potência poética” sequer deveria ser tratado seriamente como um conceito estético. O termo “potência” raramente se impõe para além da condição de cacoete da verborragia crítica, muito usado como critério-tampão para dissimular o fato de que o critério mais importante (para não dizer “o critério quase único”) de curadores como Volz é o filtro político.
Resumido, “potência poética” é aquilo que sobra depois de você se certificar que a obra está alinhada com a sua forma de pensar, com as suas ideias políticas e com a postura assumida por quem defende as mesmas bandeiras que você defende.
Rodrigo Cássio
Professor e pesquisador. Autor de Filmes do Brasil Secreto (Ed. UFG).