A mesma pressão que tornou o pacote anticorrupção uma pauta prioritária da sociedade, ativou o instinto de sobrevivência de centenas de deputados.
Quando as investigações da Lava Jato se iniciaram e, especialmente, quando ganharam impulso nos dois últimos anos, MPF e Justiça Federal colocaram os políticos contra a parede. Empresários, políticos e poderosos sendo investigados e quase que impiedosamente condenados. Vivíamos uma nova era.
A Corrupção – e o combate à corrupção – tornaram-se o tema central do debate brasileiro, e desempenharam um papel decisivo no impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mas esse novo momento não poderia ser conduzido exclusivamente nos gabinetes e nas salas de audiência. A operação Lava Jato não seria suficiente para reverter o quadro de “corrupção sistêmica”, termo tornado popular pelo juiz Sérgio Moro. Era preciso mais. E o “mais” significaria uma mudança na legislação que revertesse os incentivos para a prática delituosa.
Foi aí que o Ministério Público resolveu sair dos autos e entrar no mundo político. Com ou sem reservas à Lava Jato, a opinião dominante sempre foi a de que a operação teve e tem um importante papel no combate à corrupção. Era preciso, então, transformar os resultados da operação num legado mais concreto para o Brasil.
As 10 Medidas Contra a Corrupção foram essa saída. Já escrevi que tinha reservas em relação a diversas delas. Mas entendia a importância de pautar o debate, levar a discussão de reformas institucionais para o parlamento e passar alguma forma de legislação – mesmo que diferente da proposta – que permitisse uma mudança estrutural no quadro de corrupção sistêmica.
O problema é que os políticos, acuados com as investigações, viram na própria investida legislativa do MPF a chance de se salvarem. No âmbito judicial, os políticos jogavam o jogo do Ministério Público, e eram obrigados a se curvar diante de provas, argumentos e teses que comprovavam a prática ilícita. Mas no âmbito político? Não, esta não era a arena de procuradores e juízes.
É verdade que, sem a pressão das investigações, medidas legislativas contra a corrupção jamais entrariam em pauta. O problema é que essa mesma pressão, que fez dos políticos investigados em potencial, tornou aquelas medidas uma tábua de salvação para muitos deles.
O jogo era delicado: a mesma pressão que tornou o pacote anticorrupção uma pauta prioritária da sociedade (e, por consequência, do Parlamento), ativou o instinto de sobrevivência de centenas de deputados receosos de delações, investigações – e condenações. O clima de salve-se quem puder prevaleceu.
Num quadro como esse, só há uma saída: ou a pressão sobre os políticos aumenta até o ponto em que a sua “auto-salvação” torna-se politicamente inviável, ou então a sangria será estancada, como queria Romero Jucá e como querem todos (sim, petistas inclusive). E só as ruas podem fazer a pressão. A revolta virtual de coxinhas e petralhas obstruiu, por enquanto, a tentativa de anistia ao caixa dois. Agora é hora de obstruir as demais.
Horacio Neiva
Mestre em Teoria do Direito pela USP.