Fidel Castro deixou para trás uma nação que não lamenta ou mesmo reconhece os mortos por seu regime.
Anne Applebaum, Washington Post
trad. Daniel Lopes
O fim de semana de Ação de Graças juntou por uns poucos dias minha geograficamente dispersa família, e decidimos passar um desses dias do museu do 11 de Setembro em Nova York. Nosso grupo continha várias gerações e um leque de opiniões. Mas, enquanto caminhávamos pelas exposições, a divisão mais notável era entre os adultos que lembravam daquele estranho dia em detalhes excruciantes e as crianças que não lembravam de nada.
Para os que lembravam do dia, o museu mostrava material familiar: áudio das secretárias eletrônicas, vídeo do programa de variedades matinal sendo interrompido pela notícia quente, imagens tristes de bombeiros subindo pelas escadas. Em certo ponto da exibição meticulosamente organizada me senti quase frustrada pela implacabilidade das imagens – eu já sei de tudo isso, para que me lembrarem? – e a estreiteza do foco – existem outras tragédias ocorrendo atualmente. Mas para aqueles do grupo que não lembravam, a informação era nova. A linha do tempo, os troncos de ferro carbonizado, as descrições de Osama bin Laden: tudo isso era novo e tinha que ser absorvido do zero, e todos falaram sobre esse conteúdo no metrô de volta para casa.
Amostras de curadoria da memória pública são assim mesmo: frustrantemente simplistas para aqueles que lembram de uma realidade mais complexa – elas não conseguem explicar o que veio depois, ou refletir todos os argumentos que se iniciaram naquele dia e continuam ainda hoje –, mas reveladoras para as pessoas que não guardam memória dos eventos. No mínimo, tais amostras são um ponto de início para se debater eventos do passado que continuam a moldar os eventos do presente. Todo garoto de 15 anos de hoje vive em um mundo que foi parcialmente criado pelo 11 de Setembro, evento que ocorreu antes deles terem nascido, então é sempre importante começar a compreender o que foi aquilo.
Nem toda cultura é feliz o suficiente para prover esse tipo de oportunidade. Fidel Castro, quando morreu em 25 de novembro, deixou para trás uma nação que, em seus espaços públicos, não lamenta ou mesmo reconhece os 5.600 cubanos que morreram diante dos esquadrões de fuzilamento de Castro, ou os 1.200 mortos em “assassinatos extrajudiciais”, ou qualquer daqueles que foram presos, torturados ou morreram tentando escapar de seu regime. Nenhum cubano conseguiu publicar, em Cuba, uma história verdadeira de sua revolução populista, uma que reprimiu e assassinou a elite existente a fim de colocar no poder uma elite ainda mais brutal e incompetente. Como os cubanos têm acesso limitado à internet, eles não podem acessar o Cuba Archive, um registro online dos cubanos assassinados pelo regime de Castro, ou consultar qualquer dos livros e artigos escritos sobre seu país no exterior. Não existe memorial para as vítimas, como o do Ground Zero em NY, e seus nomes não estão gravados em qualquer local.
Até recentemente, o mesmo era verdade de muitas outras tragédias comunistas. Em 1937, Stalin ordenou que recenseadores escondessem estatísticas que revelavam quantos ucranianos haviam morrido de fome em decorrência de suas políticas, bem como a prisão em massa da “elite” cultural ucraniana. Por muitas décadas, foi ilegal sequer mencionar essas prisões ou o Holodomor – a palavra significa “fome mortal” – e suas aproximadamente 4 milhões de vítimas. Aqueles que o fizessem estariam eles próprios sujeitos a prisão. Apenas agora que a Ucrânia é um país independente, lutando rumo à democracia, é que a memória pública se tornou possível. Por uma estranha coincidência, o dia em que a morte de Castro foi anunciada, 26 de novembro, também é o dia em que os ucranianos lembram o Holodomor. Mais de 80 anos após aquela tragédia, o debate público, os monumentos e o luto forçam as pessoas a pensarem sobre eventos terríveis que continuam a moldar a política e a demografia da Ucrânia.
Nem todas as cerimônias em Kiev satisfazem todo mundo, e nem todos gostarão do museu no Ground Zero. Ainda assim, se eu pudesse desejar algo aos cubanos após a morte de Castro, é que eles tenham a mesma oportunidade dos ucranianos e dos americanos, de lembrar tragédias passadas e contemplar seu significado. Espero que em breve seja dada a liberdade para os cubanos entenderem seu passado, celebrar seus mortos, começar a desfazer os danos causados por décadas de silêncio. Espero que também eles tenham a oportunidade de criar memoriais públicos, para ensinar a história a seus filhos e para compreender o impacto de uma revolução que há muito tempo congelou-se em uma ditadura sombria e inerte.
* Anne Applebaum vive em Varsóvia. É autora de Gulag: A History e Iron Curtain: The Crushing of Eastern Europe, 1944-1956.
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