O monstro aparece para a protagonista, lhe causa medo, porém um medo que não convence o leitor.
Antônio Xerxenesky se propõe a escrever um livro do gênero de terror em As perguntas. Pelo menos é o que o escritor diz em entrevistas. Inclusive, o romance foi escrito por encomenda, para virar filme depois, e ele aceitou, já que estava pesquisando para escrever “uma história de arrepiar os pelos da nuca”, conforme escreve no blog da editora. O leitor, então, se prepara para o mistério, para a apreensão, para o medo. Pelo menos sentir medo junto com a personagem. No entanto, o leitor que escreve esta crítica saiu ileso da leitura ou pior, com vontade de dar boas gargalhadas da paranoia da protagonista, Alina, e de tudo que a envolve.
O começo me pareceu promissor. Alina é uma criança que enxerga vultos ao acordar de madrugada depois de ter pesadelos. Isso aconteceu comigo algumas vezes e me dava um enorme medo, porém logo eu percebia que era minha mente que ainda via as imagens dos sonhos mesmo depois de eu abrir os olhos. E é essa a explicação que o pai dá à menina. Nos demais capítulos, a encontramos adulta, morando sozinha em São Paulo, trabalhando como editora de vídeos e cuja única preocupação é conseguir pagar o aluguel. Continua vendo vultos, porém se considera uma cética.
Um dia, é convocada para ir a uma delegacia, porque ter se formado em História e feito pesquisas sobre ocultismo. A delegada pergunta se conhece um símbolo formado por nove triângulos que estaria relacionado a uma seita que estaria relacionada a uma série de sequestros. Não consegue ajudar num primeiro momento, mas ao pesquisar na internet (e só na internet, que baita especialista!), descobre mais um pouco sobre a seita e decide investigar tudo por conta própria (acho que já vi esse filme antes). A partir daí a narrativa se apressa demais, o foco narrativo muda para a primeira pessoa numa justificativa furada de Alina, a delegada praticamente some da história, o caso dos sequestros não são mais mencionados, a seita secreta e perigosa demonstra não ser tão secreta e perigosa (para participar de um ritual, ela deveria assinar um contrato de confidencialidade, que acaba não sendo assinado), a tal da sombra está sempre na cola dela… enfim, a narrativa, no meu entender, se perde e termina de forma brusca, seguindo o clichê proposto pelo título: deixar mais perguntas do que respostas. Sei.
Venho me interessando por algumas narrativas contemporâneas de terror que não tenham apenas uma boa história, mas que também se utilizem dos recursos de linguagem para provocar, sugerir, dar medo no leitor, ou seja, realize uma obra de arte. Cito dois exemplos recentes que me surpreenderam nesse sentido: a argentina Mariana Henriquez e o brasileiro Santiago Nazarian.
Xerxenesky demonstra uma visão equivocada do terror e de literatura como um todo. Em uma entrevista, disse que Incidente em Antares, de Érico Veríssimo, é um exemplo do gênero, por trazer “zumbis” como protagonistas. Ora, bem sabemos que o romance de Veríssimo é uma alegoria e se encaixa no realismo mágico latino-americano, sendo que os mortos-vivos não causam nenhum medo, não assustam o leitor, premissa básica do gênero. Stephen King, vale lembrar, diferencia o horror (em que aparece o “monstro”, ou seja, a agente do medo) e o terror (em que o “monstro” não nos é explicitado). Parece que o autor tenta justificar as escolhas forçadas de personagens e enredos em seus livros: em um deles, por exemplo surgem zumbis numa história de faroeste.
Em As perguntas, o monstro, que não é monstruoso, aparece para a protagonista, lhe causa medo, porém um medo que não convence o leitor. Acabamos nos convencendo que é só paranoia, uma paranoia, porém, de quem se julgava a todo o instante uma descrente. Alina me lembrou de uma menininha de uns dois anos de idade num vídeo que circula na internet, que tenta desesperadamente fugir da própria sombra que vê no chão. É engraçadinha, apenas isso.
Cassionei Petry
Professor e escritor. Seu novo livro é Cacos e outros pedaços.