Lula e a crise


por Lelê Teles – Pelas barbas de Bin Laden, eu vi o homem! Desde a minha adolescência sou apaixonado pela energia cinética deste retirante nordestino, alçado no novo século ao píncaro dos palácios.

Lembro bem de suas barbas hirsutas, de seu jeito desajeitado, sua cara suja e oleosa; seu semblante verdadeiro e puro, seu ar de anjo natural, de um ser fabricado com os tênues fios que afinam os instrumentos da orquestra que toca a sinfonia do universo.

Sei dele desde menino, quando fundei um grêmio estudantil na escola. Fiz, em serigrafia, milhares de bandeiras vermelhas com uma estrela branca no meio, em 1989, e distribui pelos comitês de Brasília, louco para elegê-lo.

O vi sofrer derrotas. O via como um vencedor que acabou de sofrer uma derrota e saiu ganhando, sempre. O via como um skatista, aprendendo com a queda: a cada tombo a certeza de que na próxima pegou a manha e não vai cair de novo; até acertar na veia.

Via o povo dentro das fábricas, homens em cima de caminhões de som, gritos, palavras de ordem, rebeliões. E os poderosos engravatados, perfumados pela churume da insensibilidade social, obrigados a negociar com eles, aceitar algumas de suas exigências, dialogar.

Via isso na TV como se estivesse nos grandes teatros clássicos, vendo desfilar sobre mim a história da minha civilização e a construção do meu conceito de civilidade.

Na universidade, um dia vi o caminhão de som e os funcionários em protesto na reitoria. Era meu primeiro semestre. Os funcionários, os limpa-chão, os abre-portas, confabulavam, com os seus microfones em punho, usando palavras como exploração, patrão, data-base, greve, direitos, constituição, cidadania, corrupção, direita e esquerda, classe trabalhadora etc. Um léxico tão rico de significados, uma força tão pujante no espírito daqueles homens simples, meu Deus.

E eu, na reitoria da universidade, vendo os funcionários de nível fundamental a parlamentar e pensando em Lula da Silva, o monoglota de Guaribas. O homem que colocou a palavra fome nas discussões internacionais.

Sei dele também de sonhos vivos. Banhava-se numa banheira de âmbar, embora a mídia o descrevesse sempre imerso em fétida lama. Banhava-se, sobretudo, num pré-sal que contém uma substância consistente e nutritiva chamada povo, que alergia a mídia.

Tinha um lapso de paixão pelos seus amigos intelectuais, gostava da gente técnica e cheia de conhecimento, mas era mesmo amante da sabedoria. E falava sempre de forma simples, como convém aos sábios e aos santos, e fazia sempre questão de ser compreendido.

Diferentemente dos grandes jornais do meu país. Manchetes de hoje, 10 de dezembro:

1- O Globo: Crise freia país no auge do seu crescimento econômico
2- Folha: Antes da crise, economia cresce 6,8%
3- Estadão: PIB surpreende e cresce 6,8%
4- Jornal do Brasil: País cresce, apesar da crise

Análise:

1- Como crise freia, se o país cresceu?
2- Como antes da crise, se os próprios jornais dizem que a crise começou no ano passado?
3- Surpreende quem, se o presidente disse várias vezes que o país não sentiria a crise como o resto do mundo?
4- Mas se o país cresce, onde está a crise, meu Deus?!

Os líderes do mundo vêem suas economias minguarem e Lula triunfa, apesar do cenário internacional. Mas antes diziam que Lula só triunfava porque era bom o cenário internacional. Vai entender? O povo entende, tanto que em meio à crise internacional Lula da Silva, o monoglota de Guaribas, obteve 70% da aprovação popular, apesar da mídia.

Depois que FHC quebrou o país três vezes, Lula da Silva o converteu na oitava maior economia do mundo. A mídia o massacrou com crises artificiais e factóides, com o tempo a febre amarela não veio, e os laudos técnicos confirmaram que os dois acidentes aéreos nada tiveram a ver com o presidente. Era uma pegadinha de mau gosto da mídia.

Ontem eu via o jornal na TV, o mundo desabava, empresas com séculos de existência fechavam as portas nos Esteites; na Europa, demissões em massa. Queda de exportações e o fantasma do desemprego na China. Enquanto isso, o moça do jornal falava que no Brasil houve aumento de emprego, a inflação caiu, o PIB subiu acima de 6% (como não acontecia há décadas), as vendas cresceram etc. E ela falava tudo isso com uma inexplicável fleuma. Ela dava essa notícia para todos os brasileiros de forma triste, como se ela torcesse contra, fosse derrotada e agora tivesse que pagar o mico de dar essa notícia.

É claro que a matéria terminou com a entrevista de um “especialista” tucano que falou que o cenário para o futuro não é tão bonito. E a moça sorriu.

Amálgama




Lelê Teles

Diretor de marketing da prefeitura de Aracaju e roteirista do programa Estação Periferia (TV Brasil).


Amálgama






MAIS RECENTES


  • Daniel

    Lelê, como andam dizendo por aí, a “crise brasileira” é o mais novo meme da imprensa. Adorei o “meme”. Certeiro.

  • Suelen de Andrade Viana

    (L)ulálá! O que é isso? Um post escancaradamente pró Lula!
    Brilha uma estrela! Lula-lá! Lula’qui! Lul’aculá!
    Interessante este post. Muitíssimo. Principalmente porque reflete a opinião da maioria brasileira que ainda vota no Lula (eu votei, by the way). Uma pergunta, porém: quem fez a base deste governo? Os quatro primeiros anos? Quem fez a base deste governo? Os erros (já corrigidos?) dos que vieram antes e a insistência da oposição que não existe mais? Em um desses workshops da vida eu aprendi que a crise é a má administração da mudança. Pois é. Ou estamos em boas mãos ou a história está jogando poeira para debaixo dos tapetes presidenciais.
    Opinião de especialista é quase sempre chato. Dizer o que agora? “Pow meu, se fu” (como sugeriu o presidente?). Aqui no pólo industrial de Manaus as indústrias estão realizando demissões em massa. A Philips está com uma lista enorme de demissão para este mês, além das férias coletivas. A Honda está com um pátio cheio de motos, paralisado. E eu estou aqui escrevendo em blog, usando internet a cabo, em um quarto confortável, com ar-condicionado, comprando passagens para curtir minhas férias…

    Sue

    Gostei do post…

  • jose carlos ferraz de camargo

    Caro amigo! Você só esqueceu mencionar o mensalão,o dinheiro emprestado do compadre,as amizades do presidente,os palavrões proferidos em discursos oficiais.Quanto a tal popularidade(que não se refletiu nas urnas) é bom lembrar que esses institutos de pesquisas conseguem a proeza de errar em pesquisa de boca de urna.Não é estranho? Outra coisa:após o mensalão o sr. LULA não conseguiu aprovar mais nada.Mais estranho ainda,não acha?Agora já que estamos falando em LULA uma pitadinha de português:” O vi sofrer derrotas.” “O via como um vencedor que acabou …” essa colocoção pronominal está estranha, não acha?

  • Ivan Rafael Lovera

    Eu poderia começar dizendo que sinto muito pelo que vou escrever, mas seria mentira (como muitas das coisas que acabei de ler aqui).

    Antes de vir tomar partido, ou simplesmente expor MINHA OPINIÃO, resolvi saber um pouco mais do autor (afinal, pesquisa é essencial antes de CRITICAR).

    Depois de ler a frase, escrita por vossa senhoria, relativa as ações de Osama Bin Laden no episódio do 11/11.

    “foi arquiteto de magnífica sabotagem com forte representação simbólica”.
    by Lelê Teles

    fonte: http://www.amalgama.blog.br/11/2008/obama-osama-hosana/

    Me pergunto, quem é você pra criticar ou elogiar um governo?

    Eu também sou comunicador social, e assim como você, publicitário. Só que diferente de você (ao menos é isso que me parece), eu entendo perfeitamente o poder de uma mensagem.
    Sair pregando contra ou pró um governo, não faz de você um comunicador. Na melhor das hipóteses faz do mensageiro uma reles ferramenta, um orador sem senso crítico. Na pior das hipóteses, faz do mensageiro um terrorista.

    Parabéns pela polêmica causada!

  • Fabiano

    Meu caro, penso que não se está fazendo uma análise séria da crise… não tem uma compreensão da sua totalidade… esse crescimento do ano de 2008 tem mais haver com o crescimento nos três primeiros trimestres do que o que temos no quarto, inclusive não e sabe ainda se o Brasil cresceu no 4º trimestre, estagnou ou decresceu ainda é uma incognitya, mas o mais provável é que não tenha crescimento neste último trmestre de 2008.

    Quanto ao Lula, as demissões estão acontecendo, como disse a Suelen aí em cima “Aqui no pólo industrial de Manaus as indústrias estão realizando demissões em massa. A Philips está com uma lista enorme de demissão para este mês, além das férias coletivas. A Honda está com um pátio cheio de motos, paralisado”, além disso, a Vale já demitiu mais de 1300, a FIAT 1000, e temos uma longa lista de demissões nos setores da construção civíl, montadoras, químicos, etc.

    Dizer que a crise não chegou por aqui, é exatamente(tirando a dúvida da Suelen) jogar a poeira pra debaixo do tapete, mas infelizmente não é dos palácios presidenciais, e sim das vidas dos operários brasileiros.

    (sem correção)

  • Fabiano

    só pra esclarecer, eu faço sim oposição ao governo Lula, mas oposição de esquerda, continuo lutando junto com a classe trabalhadora, por uma outra sociedade… que esse governo está longe de construir… seu papel de financiar banqueiros e patrões e não fazer nada contra as demissões é a prova.

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  • Severino Chique Chique

    “ser fabricado com os tênues fios que afinam os instrumentos da orquestra que toca a sinfonia do universo” ! Ôxi!! To achando que esse cabra é na verdade uma cabritinha safada!