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A biblioteca como pretexto

por Daniel Lopes (08/12/2009)

por Daniel Lopes – Aqueles de nós que conhecíamos o Eustáquio ficcionista (e que, longe de Campinas, não conferíamos suas crônicas para um jornal local), pegamos agora com enorme expectativa esse A biblioteca no porão. Reunião de crônicas e também de alguns contos, quero crer. Na literatura, a fronteira entre ficção e realidade às vezes […]

por Daniel Lopes – Aqueles de nós que conhecíamos o Eustáquio ficcionista (e que, longe de Campinas, não conferíamos suas crônicas para um jornal local), pegamos agora com enorme expectativa esse A biblioteca no porão. Reunião de crônicas e também de alguns contos, quero crer.

Na literatura, a fronteira entre ficção e realidade às vezes é tênue, e em Eustáquio ainda mais. Lembro de uma vez em que fiz papel de bobo, ao escrever numa resenha de O mapa da Austrália (Geração Editorial, 1998) para o finado site Leia Livro, algo como “o enredo da estória faz jus a uma frase de Nuñez y Nuñez em seu ‘Tratado da vã realidade’, usada por Eustáquio como epígrafe…” Ao comentar o texto comigo, Eustáquio aproveitou para dizer que “Nuñez y Nuñez agradece a vida que você lhe deu”. Isso mesmo, o sujeito era uma invenção do Eustáquio. Então aqui vai: jamais confie em um autor que cria outro apenas para usá-lo numa epígrafe.

OK.

Eustáquio, jornalista e escritor mineiro enraizado em Campinas, é um aficionado por diários. Ele próprio é autor de um, Viagem ao centro do dia (Girafa, 2007), bastante elogiado e que eu desgraçadamente ainda não li, embora o livro tenha sido o responsável, através de uma resenha na Carta Capital, por me apresentar ao autor. Alguns dos 44 textos reunidos na Biblioteca versam sobre as anotações pessoais de nomes não tão célebres (embora, pelo juízo de Eustáquio, merecessem sê-lo) como Eduardo Frieiro, que em meados do século passado soltou farpas contra tudo que via pela frente (um Paulo Francis antes de Paulo Francis, digamos); ou o russo-alemão Georg Heinrich von Langsdorff, que aventurou-se pelas matas brasileiras de 1822 a 1829, e deixou tudo registrado em três volumes de diário.

A colheita de personagens não badalados continua nas crônicas sobre o singelo senhor José Ferraz, ex-secretário de Mário de Andrade, que Eustáquio conheceu e entrevistou em um de seus trampos de jornalista, ou ainda sobre o poeta e sociólogo argentino Darío Canton, com quem Eustáquio se correspondeu por dois períodos longamente separados. Tem também aqueles grandes de hoje, ou melhor, grandes de sempre, mas que morreram como “pequenos”:

Há algum tempo uma conhecida tela de Vincent van Gogh, “Rapaz de quepe”, foi vendida por 15 milhões de dólares. Nada a estranhar. Um de seus girassóis estava cotado a 35 milhões. O espanto seria do próprio pintor se pudesse presenciar um desses leilões. Van Gogh morreu em 1890 sem ter vendido um só quadro na vida. Não tinha dinheiro nem pra comprar tinta. Perto de morrer, presenteou seu médico (esteve internado num sanatório) com uma tela que foi usada durante anos para tapar buraco num galinheiro. Um sujeito esperto passou por lá e comprou-a por uma bagatela. Ficou rico com a valorização.

Houve ainda um tal de poeta Pessoa, “que vivia de biscates em escritórios contábeis de Lisboa, quase sem nenhum reconhecimento. Só depois de sepulto nos Jerônimos é que foram ver quem era: um dos maiores do século.” Pra não falar de Lima Barreto e Robert Walser – a quem o Jornal do Brasil comparou Eustáquio Gomes.

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Daniel Lopes

Editor da Amálgama.

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